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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Carnaval na Globo tem cotas encalhadas e caminha para prejuízo milionário

Colunista do UOL

16/02/2023 04h00

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A Globo já imaginava que vender o Carnaval de 2023 seria uma tarefa difícil, tanto que reduziu drasticamente o compromisso financeiro com as escolas de samba de São Paulo para este ano, mas a emissora não imaginava que seria tão ruim. A Globo vendeu somente uma cota de patrocínio do Carnaval, como revelado por Gabriel Vaquer, colunista do Notícias da TV, e confirmado por Splash.

O tamanho do corte dos valores dá uma ideia da dimensão do problema. Pelo acordo fechado em 2021, a Globo pagará neste ano R$ 700 mil fixos para cada escola em São Paulo. É cerca de metade do valor do contrato anterior.

Para compensar a queda, o novo acordo prevê que as escolas tenham participação nos resultados comerciais da Globo. Se a Globo vendesse todas as cotas de publicidade pelo valor planejado, as escolas receberiam em torno de R$ 1,4 milhão, quantia semelhante a paga pela emissora no Carnaval anterior.

Depois de bater na porta de outros canais de TV e ouvir propostas semelhantes à da Globo, e até inferiores, as escolas de São Paulo aceitaram entrar no risco com a emissora carioca, fechando um contrato de apenas um ano.

No Rio de Janeiro vigora um contrato mais longo, válido até 2025, mas a renovação também deverá sofrer ajustes significativos de preços.

Crise atravessa o samba

O mercado de publicidade está em crise. No mundo a perspectiva econômica é ruim, e no Brasil a crise das Lojas Americanas tornou o cenário ainda mais desafiador no mercado de mídia. As marcas estão cortando investimentos de marketing em todas as plataformas.

Para a Globo, neste cenário o Carnaval se tornou um problema. O custo de engenharia para a transmissão do evento é extremamente alto. Como a regra na empresa é permanecer apenas com atrações que não tragam prejuízo, o futuro do Carnaval na TV se torna cada vez mais incerto.

Se a Globo abriu mão até de campeonatos de futebol para não perder dinheiro, por que seguir com o Carnaval? Além disso, quando a emissora vende publicidade em atrações como o BBB, ela fica com 100% da receita e, quando vende no Carnaval, divide o resultado com as escolas, diminuindo seu lucro. Se o mercado está difícil e com pouca publicidade, melhor focar no que é totalmente seu.

A Globo ainda poderia vender cotas de patrocínio do Carnaval e tentar negociações mais agressivas, mas as chances de recuperar o investimento são consideravelmente reduzidas a cada dia que passa, principalmente porque a informação da dificuldade de vender chegou aos anunciantes.

O enredo do prejuízo

Em 2022, a Globo comercializou suas cotas de Carnaval por R$ 42,2 milhões. Nada indica que algo tenha mudado nas cifras, mesmo porque a Ambev apenas renovou o contrato. Mas os custos seguem enormes. Do valor da cota vendida, 20% fica com a agência a título de BV (bônus por volume, gratificação comum no mercado publicitário), o que significa menos R$ 8,44 milhões. Em São Paulo, cada escola também irá receber R$ 700 mil fixos. As 14 escolas são uma conta de R$ 9,8 milhões.

Há mais contas. Se a Globo vendesse todas as cotas comerciais, o valor das escolas poderia chegar a até R$ 20 milhões em São Paulo. Vendendo apenas uma de cinco cotas, é reduzido, mas ainda gira em torno de R$ 2 milhões a serem pagos adicionalmente para as escolas de SP.

Após esses descontos, restaria para a Globo algo próximo de R$ 22 milhões. Mas ainda existe toda a conta do Carnaval carioca. Cada agremiação carioca recebe cerca de R$ 2 milhões da Globo. O saldo de R$ 22 milhões é pequeno em vista dos R$ 24 milhões a pagar para as escolas cariocas.

A conta fica ainda pior se considerarmos os impostos e custos de engenharia e transmissão, também na casa de milhares de reais. O Carnaval é um "pesadelo" de horas extras e alimentação das equipes trabalhando na avenida. Obviamente, se a Globo vender mais cotas, a conta muda. Mas com apenas uma cota comercializada, o prejuízo é certo e milionário.

Decisão financeira

O Carnaval seguir na Globo, ou em qualquer TV, é cada vez mais uma decisão financeira. As escolas de samba sabem disso. Após reuniões com outras emissoras, a conclusão dos diretores das agremiações foi que, se é difícil vender na Globo (líder de audiência e dona da maior equipe comercial), dificilmente seria mais fácil em outro canal ou plataforma.

Para as escolas de samba a crise nas TVs é um problema imenso. Os direitos de transmissão dos desfiles estão entre as principais fontes de receita.

"De fato tivemos uma queda de receita", diz Sidnei Carriuolo, presidente da Liga-SP. "Mas conseguimos repor uma parte do valor perdido de TV com novos patrocínios e venda de ingressos. Teremos um ano de arquibancadas lotadas".

Sobre um eventual fim do Carnaval na TV, Carriuolo avalia ser pouco provável por ser "um evento muito tradicional", mas afirma que a Liga tem alternativas se um dia isso acontecer.

"Fizemos a transmissão do Grupo de Acesso 2 deste ano no YouTube e foi um sucesso. Tudo feito pela própria Liga e com transmissão HD", diz Carriuolo.

Dos entrevistados pela coluna, Carriuolo foi o único que aceitou a ser citado no texto. Procurada, a Globo não comentou.

O faturamento no YouTube é uma fração do valor pago pelas TVs, mas o mercado está se transformando rapidamente. Quem sabe no futuro o apresentador Casimiro, que é recordista mundial de audiência no streaming, também não passe a transmitir os desfiles e concorra com a Globo também pelo Carnaval.

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