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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Efeito Americanas' vai além do BBB 23 e ameaça TVs e grande mídia

"Efeito Americanas" vai além do BBB 23 e ameaça TVs e grupos de mídia com queda de verbas de publicidade - Reprodução / TV Globo
'Efeito Americanas' vai além do BBB 23 e ameaça TVs e grupos de mídia com queda de verbas de publicidade Imagem: Reprodução / TV Globo

Colunista do UOL

27/01/2023 04h00

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Resumo da notícia

  • Um dos sintomas do rombo da Americanas foi o BBB 23 perder um dos seus principais patrocinadores
  • A gigante do varejo era uma das maiores anunciantes do país, gastava cerca de R$ 700 milhões por ano em publicidade
  • Para preservar o caixa e pagar as dívidas, Americanas deve reduzir drasticamente investimentos em marketing e publicidade
  • Mercado Livre, Via Varejo e Magalu devem ocupar o espaço deixado pela Americanas, mas movimento deve ser lento enquanto o setor recupera a confiança
  • Bancos também podem reduzir investimentos em mídia e aumentar o valor que cobram das empresas para conceder empréstimos
  • O segmento de mídia historicamente trabalha de maneira alavancada e com alto endividamento

Não bastassem os últimos anos de agravamento da crise econômica, pandemia e crescente fragmentação do mercado de mídia e publicitário com o aumento da concorrência do streaming e das redes sociais, agora as agências e grupos de mídia também terão de lidar com o rombo das Americanas.

Ainda levará tempo para conhecermos a extensão do impacto do calote de R$ 41,2 bilhões das Americanas, mas o estrago não ficará limitado aos balanços dos bancos, fornecedores e pessoas físicas que estão na lista de credores da varejista.

Quando as Americanas cancelaram sua participação no BBB, abrindo mão de uma cota de patrocínio que custa R$ 105 milhões, ficou claro que o problema na varejista era enorme. Mas deixar o espaço comercial mais disputado do Brasil foi a primeira peça a cair de um dominó.

A edição mais recente do Agências & Anunciantes, elaborado pelo Meio & Mensagem, aponta as Americanas como o oitavo maior anunciante do Brasil. Em 2021, a varejista investiu quase R$ 700 milhões em campanhas publicitárias. Mas com a entrada na recuperação judicial as Americanas deverão priorizar o caixa, reduzindo drasticamente investimento em outras áreas como publicidade.

As Americanas são um anunciante tradicional de grandes grupos de mídia, incluindo o UOL. Mas desde o segundo semestre do ano passado, o comportamento começou a mudar. Alegando que o cenário eleitoral polarizado havia piorado as perspectivas de venda, a varejista cancelou até campanhas na Black Friday, principal período de vendas da marca.

A notícia pegou os veículos de surpresa: a Black Friday é o pico de investimentos em mídia e vendas do setor. Mas como a empresa teria um novo CEO e o cenário eleitoral realmente era ruim, ninguém estranhou.

Mas perder as Americanas não foi o único problema. Quando souberam do cancelamento das campanhas da rival (ou descontos em alguns casos) os concorrentes foram a diversos veículos de mídia exigir que os preços deles fossem reduzidos. O resultado foi uma piora geral de faturamento no setor de mídia e uma Black Friday fraca em publicidade para muitos grupos.

O rombo das Americanas não ficou limitado à TV e veículos tradicionais. Segundo a lista de credores das Americanas, o Google tem R$ 91,7 milhões a receber; o Facebook, R$ 11,5 milhões; e o LinkedIn, R$ 437,3 mil. Veículos de mídia tradicional usualmente recebem as verbas por meio de suas agências.

Agência também sentem impacto

A WMcCann, agência de publicidade da Americanas, aparece no ranking do Cenp-Meios como a maior do país. Na lista de credores da Americanas, a McCann Erickson, como a agência era chamada antes de mudar de nome, tem R$ 23,4 milhões a receber. Não está claro se as verbas de publicidade haviam sido pagas adiantadamente, ou se o valor ainda não foi faturado e posteriormente entrará na recuperação judicial.

Questionada, a WMcCann disse que "a parceria entre Americanas e WMcCann segue seu curso normal, com suas atividades e pagamentos, seguindo o previsto na lei de recuperação judicial. O relacionamento da agência com a varejista é de longa data, com muitos cases de sucesso, e se manterá, especialmente em um momento desafiador como esse".

Como a dívida entrou na recuperação judicial, possivelmente o valor a ser pago caia mais de 70% e o pagamento aconteça em até dez anos. Nada garante que será desta forma, mas foi o que aconteceu na Editora Abril, que também teve sua recuperação coordenada pela Alvarez & Marsal, que agora realiza a mesma tarefa nas Americanas.

Crise de confiança do setor

Perder os milhões de investimentos das Americanas é péssimo para o mercado, mas, segundo o analista de um banco internacional, pode ficar pior se acontecer uma crise de credibilidade no setor varejista. "As empresas de varejo, tanto as pequenas quanto as grandes, estão em um setor que precisa muito de crédito. Se existir desconfiança dos bancos que financiam essas operações, elas devem sofrer bem mais".

Ou seja, outras gigantes do varejo podem enfrentar dias difíceis. A agência de risco Fitch em dezembro já previa um cenário adverso, antes mesmo do escândalo das Americanas. "As varejistas brasileiras enfrentarão um ambiente de negócios adverso em 2023, caracterizado por baixo crescimento econômico, manutenção de elevadas taxas de juros e incertezas quanto à sustentabilidade de uma inflação baixa. A capacidade de ajustar investimentos e custos será chave para a preservação dos perfis de crédito das empresas".

Os bancos também devem reduzir os investimentos em mídia para compensar o prejuízo com o rombo das Americanas em seus balanços. Na crise, as verbas de marketing e mídia estão entre as primeiras a serem cortadas, o que significa menos dinheiro no mercado de publicidade.

Aumento do custo de crédito

O "Efeito Americanas" pode obrigar os bancos a reservarem em balanço bilhões de reais para cobrir o risco de calote da varejista. Na resolução 2.682, o Banco Central orienta as instituições financeiras a provisionar até 100% do valor da dívida que esteja em atraso há mais de 180 dias.

Além de reduzir o lucro dos bancos, a medida pode diminuir o crédito a grandes empresas. "O que vai acontecer e já tem acontecido é um aumento no spread", diz Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research. O spread é a diferença entre os juros que os bancos pagam quando o seu dinheiro é investido em algum produto oferecido por eles e os juros que eles cobram nos empréstimos ou financiamentos.

"Se antes a empresa captava a CDI+ 1, por conta dessa maior diligência, maior cuidado dos bancos e receio que o problema se espalhe para outros setores, ou outras empresas, então eles estão sendo mais restritivos na concessão de crédito", diz Ferrer, e acrescenta, que a consequência é "o mercado exigindo um spread maior para poder tomar o risco das companhias, porque obviamente tem o receio de que outras empresas tenham essas mesmas práticas".

Nos grupos de mídia o alto endividamento é comum. Nos Estados Unidos, a Warner Bros. Discovery deve US$ 53 bilhões e a Disney, que já teve uma dívida superior a US$ 63 bilhões em 2020 após a compra da 20th Century Fox, atualmente deve cerca de US$ 52 bilhões. No Brasil, onde a maior parte das empresas do setor tem capital fechado e não são obrigadas a divulgar resultados, há menos visibilidade.

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