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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Governo salva bilionários (de novo) e imagem da elite só piora no SXSW

Bill Gurley e Tim Ferriss durante apresentação no SXSW 2023; investidor justificou resgate ao banco SVB - Guilherme Ravache
Bill Gurley e Tim Ferriss durante apresentação no SXSW 2023; investidor justificou resgate ao banco SVB Imagem: Guilherme Ravache

Colunista do UOL

14/03/2023 04h00

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Bill Gurley, investidor bilionário e sócio da Benchmark, foi um dos participantes do SXSW, na segunda-feira, em um painel com Tim Ferriss, apresentador do "The Tim Ferriss Show". Logo no início, Gurley disse às centenas de pessoas na plateia que falaria sobre a quebra do banco SVB, mas apenas no final da apresentação. A quebra do SVB tem sido assunto recorrente no SXSW.

Quem assistiu à Super Pumped: A Batalha Pela Uber, irá lembrar de Gurley. Interpretado na série por Kyle Chandler, Gurley é o principal investidor do Uber.

Durante a apresentação, Gurley defendeu a atuação do governo americano ao salvar o SVB. Disse ainda que o acontecimento foi um cisne negro, um evento impossível de prever.

"Para as pessoas que esperam que toda startup tenha que engolir se escolherem o banco errado, não tenho certeza se isso é particularmente razoável", disse ele. "Todos em Wall Street achavam que estava tudo bem, então por que cada CFO de cada startup deveria ser tão bom ou melhor do que todos em Wall Street para avaliar o SVB?"

Gurley disse ainda que seria pior se as pessoas perdessem a confiança no setor bancário. Ele também comparou a crise atual com a crise financeira de 2008, quando o governo salvou os grandes bancos.

"Há 14 anos o governo resgatou o Goldman Sachs depois que Warren Buffett investiu no banco. Então, ele salvou os acionistas do banco", e acrescentou que "agora, o governo está salvando os depósitos. No mínimo, devemos refletir sobre o que aconteceu no passado antes de lançarmos muitos dardos contra o que está acontecendo aqui".

Bilionários merecem tratamento especial?

Gurley está certo, uma crise generalizada no sistema bancário é bem pior que o resgate de uma dezena de bilionários. Mas isso não significa que seja justo ou correto. As notícias de festas e bilionários comemorando o resgate do SVB enquanto voavam em seus jatinhos de Austin para a Califórnia também não ajudam.

Além disso, ironicamente, são investidores de capital de risco como Gurley e boa parte da elite do Vale do Silício que circula pelo SXSW que defendem ferrenhamente menos regulação e um governo menor.

A contradição é ainda maior se lembrarmos que as pessoas gastam milhares de reais para irem até Austin ver e ouvir as previsões da elite do mundo da tecnologia sobre o futuro. Em boa parte, essa é a mesma elite que não conseguiu prever o estrago da queda da taxa de juros, o colapso das redes sociais, a crise do streaming, e que ao longo de três dias, "quebrou" junto com o SVB.

Se uma parte significativa desta elite intelectual global foi incapaz de prever o colapso do SVB, por que seriam melhor que qualquer outro para apontar o futuro para os outros?

Obviamente o SXSW vai muito além do Vale do Silício. Cabe lembrar que em sua origem o festival começou como um evento de música. À medida que o Vale do Silício se tornou onipresente em nossas vidas, também acabou "dominando" o festival.

Problema de imagem no Vale do Silício

O Vale do Silício tem uma crise de imagem. A exemplo do Uber, do qual Gurley foi investidor, a promessa das gigantes de tecnologia se mostra bastante inferior à realidade. O Uber prometia revolucionar o transporte público mundial, mas se mostrou um problema empobrecendo motoristas no mundo todo.

O motorista que me levou no meio da madrugada do aeroporto ao hotel em Austin, disse que já estava dirigindo há 14 horas. Falou ainda que dormiria 2 horas no carro e depois continuaria a jornada para aproveitar que havia muitas corridas na cidade por causa do SXSW.

"O Uber está pagando muito pouco, temos de tentar fechar a conta nessas oportunidades". Note que este é um motorista trabalhando no país mais rico do mundo. O motorista anterior tentou aplicar o golpe de cancelar a corrida jurando que o aplicativo não cobraria (o que não era verdade). A tentativa é de recolher a taxa de cancelamento sem ter de gastar gasolina ao ficar parado e não precisar aceitar uma corrida curta.

Para evitar o problema, o Uber informa que "a taxa de cancelamento é calculada dividindo-se o número de viagens canceladas pelo parceiro pelo número de viagens aceitas. O cálculo considera os últimos 30 dias em que o parceiro utilizou o aplicativo", imforma o site da plataforma. Ou seja, o problema é tão comum que o Uber criou uma regra específica.

Assim como o Uber, o Google, a Meta (dona do Facebook e Instagram), o Twitter e tantas outras empresas que há alguns anos eram admiradas e apontadas como exemplo de inovação, agora parecem corporações em situação até pior que as empresas tradicionais.

Boa parte dos demitidos do Google, Meta e Twitter descobriram terem sido desligados por email ou quando tentavam passar o crachá e não conseguiam entrar.

Para os bilionários do Vale do Silício (e obviamente eles não estão apenas na Califórnia, também estão na Faria Lima e todos os grandes centros de poder), o governo é ruim até que você precise dele gastando bilhões para salvar os investidores.

Oportunidade para o SXSW evoluir

A crise do SVB e das big techs é uma oportunidade para o SXSW evoluir. Com centenas de palestras, encontros casuais, eventos e apresentações de cinema e música, o evento segue atraente. O Vale do Silício, nem tanto.

Aliás, muitas das apresentações nos palcos principais se tornaram repetitivas após anos trazendo os mesmos palestrantes falando das maravilhas da tecnologia (ou uma turma que se especializou em prever o apocalipse digital).

A recorrência de palestras em torno do tema ChatGPT é um exemplo. A tecnologia existe há pelo menos cinco anos, mas agora é o assunto da moda. No ano passado, foram as NFTs e metaverso, dois temas que praticamente desapareceram nesta edição.

Por outro lado, grandes questões como a Guerra da Ucrânia e o aquecimento global, apesar de sua urgência e relevância, parecem relegadas a painéis secundários.

Até mesmo as empresas do Vale do Silício parecem estar em debandada. Os patrocinadores e participantes cada vez mais são as empresas de fora do Vale do Silício. O Itaú e a Porsche, dois dos principais patrocinadores deste ano, são exemplos. Juntas as empresas somam 170 anos de existência e atuam em mercados altamente regulados.

O SXSW, apesar da lotação e dos momentos de desorganização, ainda proporciona inúmeras possibilidades de encontros casuais e insights. A imagem de forma geral é bastante positiva entre os participantes. O mesmo não se pode dizer do Vale do Silício.

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