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OPINIÃO

Opinião: Vitórias recentes do Brasil diminuem força das narrações ufanistas

Galvão Bueno é o sinônimo da narração ufanista na TV brasileira - Reprodução/TV Globo
Galvão Bueno é o sinônimo da narração ufanista na TV brasileira Imagem: Reprodução/TV Globo

Rui Dantas

Colaboração para o UOL, em São Paulo

27/07/2021 17h11

Por muitos anos o Brasil se acostumou a ouvir narrações esportivas excessivamente arrebatadas e ufanistas. Aquelas que misturam "voz sorriso e emoção à flor da pele", características evidentes no estilo de Galvão Bueno e Luciano do Valle, por exemplo.

Os dois narradores se firmaram e reinaram praticamente sozinhos nos anos 80 e 90. A cobertura global era baseada no tripé: futebol, F-1/F-Indy e vôlei, que, a bem da verdade, eram os únicos esportes à época nos quais o Brasil tinha boas condições de êxito. As vitórias nos outros esportes não passavam de conquistas esporádicas e passageiras, talvez à exceção do judô nas Olimpíadas e do tênis, com o fenômeno Guga.

Com tão poucos esportes para fazer os brasileiros se orgulharem, foi natural o aparecimento desse tipo de narração emocional, passional, ultranacionalista (e aqui não estamos falando de política). Só que este estilo causa, para alguns, lágrimas de emoção e, talvez para um número tão expressivo quanto, espasmos de irritação.

Em geral, todos os esportistas citados nessas narrações eram ou são tão exageradamente elogiados ou tão desabridamente protegidos em momentos de baixa performance, que naturalmente aparece o questionamento: "O narrador está falando isso para valorizar a própria transmissão?".

Aí vira(va) aquele festival: "De-fe-saaaa-ça de AAAAAAAAlison", "Que goooolaço da rainha. É por isso que ela é a raiiiiiiiinha. Maaaaarta. Maaaaarta. Sensacionaaaaal". Ou, quando condescendente, neste caso, com voz quase embargada e serena: "Hoje não é o dia do Neymar".

Nestes momentos não há separação silábica e nem repetição de vogais no meio das palavras. Equilíbrio é o nome do jogo na narração dos erros das estrelas esportivas. Lembro de, nos anos 90, um colega de Redação passou dias imitando a narração da eliminação brasileira da seleção masculina de futebol nas Olimpíadas de Atlanta-96, feita por Galvão Bueno.

O jogo era Brasil x Nigéria, e, naquela edição, o "gol de ouro" (ou "morte súbita") poderia definitivamente selar o resultado na prorrogação: "Lá vai Kanu, ele é perigoso... Acaaaaaabôôô..." O bordão de Galvão Bueno: "É TETRAAAA!!! "É TETRAAAA!!! "É TETRAAAA!!!", quando Roberto Baggio chutou para o fora o pênalti que deu o título da Copa de 94 para o Brasil, é, para os mais jovens hoje, exagerado e alvo de chacota, dado o tom exagerado da narração.

Outra questão que marca este estilo de narração é a grande quantidade de platitudes. Um exemplo claro foi o que ocorreu na transmissão do jogo Brasil x Hungria, nesta segunda (26), partida de handebol feminino. Em um ataque claro da seleção brasileira, Luís Roberto, um dos maiores entusiastas desse tipo de narração exagerada, estava ensinando que as brasileiras tinham que fazer gol na goleira húngara...

Ora, é óbvio que elas tinham que marcar no gol da goleira adversária. E todo o time estava posicionado para tanto. A fala tentava explicar as regras do esporte, mas soou totalmente desnecessária e inadequada naquele momento.

Outro ponto é a multiplicação dos comentários que terminam com: "coração na ponta da chuteira"," coração na ponta da raquete"," coração na ponta do remo". Fico perguntando onde estará o coração, quando entrar o brasileiro Thiago Braz, ouro no salto com vara, em 2016, no Rio.

Com a possibilidade de medalhas ou de boas participações do Brasil, mesmo que sem conquistas, em modalidades que eram absolutamente improváveis há algumas décadas essa necessidade de engrandecer e tornar maravilhoso algo que era só humano, caiu em desuso.

Fica exagerado transformar qualquer coisa em algo absolutamente fantástico, em conquista intergaláctica. Ou, ao contrário, perdoar com voz embargada, aquilo que, desculpe, é condenável, tipo Neymar rolando na Copa do Mundo da Rússia.

Com a popularização da "zoação dos memes", esses narradores são naturalmente a bola da vez da tiração de sarro. Ponto, então, para Everaldo Marques, que, com estilo de narração de TV paga, mais comedida, mandou bem nas transmissões do surfe. Trouxe emoção na dose certa, sem pieguice, fazendo o espectador torcer. Até porque o produto falava por si só.