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Vida de agente nos EUA: Fellype Gabriel recomeça após aposentadoria precoce

Fellype Gabriel virou empresário de futebol nos Estados Unidos, onde reside após aposentadoria - Reprodução/Facebook
Fellype Gabriel virou empresário de futebol nos Estados Unidos, onde reside após aposentadoria Imagem: Reprodução/Facebook

Bernardo Gentile

Do UOL, no Rio de Janeiro

01/06/2021 04h00

Após disputar o Campeonato Carioca pelo Boavista, em 2018, Fellype Gabriel recebeu uma sondagem do Orlando City. O ex-jogador de Flamengo, Botafogo e Vasco já tinha casa na cidade americana e não pensou duas vezes. Ele começou a treinar pelo novo clube, que passou por mudanças na diretoria e cancelou o acordo com atleta. Pego de surpresa, o meia analisou propostas para voltar ao futebol brasileiro, mas tomou decisão surpreendente: a aposentadoria.

Com filhos na casa dos 14 anos, Fellype Gabriel pensou na família e entendeu que o melhor seria morar nos Estados Unidos de forma definitiva. Quem o acompanhou durante a carreira conhece o bom relacionamento com os clubes que defendeu. Além disso, ele sempre mostrou um carinho especial com jogadores jovens e muitas vezes fazia o papel de empresário. Até que ele percebeu que era isso que queria fazer da vida após a aposentadoria e oficializou sua transição para agente de futebol.

Fellype Gabriel ao lado do filho em escolinha de futebol nos Estados Unidos - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

"Não tive mais a oportunidade de seguir no Orlando City e, como já estava por aqui, pesou a qualidade de vida que temos que é bem boa. Segurança, família, tudo. Resolvi ficar. Eu já passava as férias com minha família nos Estados Unidos desde 2015. Já moramos fora várias vezes: Portugal, Japão e Emirados Árabes. Então percebemos que a questão da segurança e da qualidade de vida era diferente. Pensando em criar meus filhos, decidimos ficar e me aposentar", disse ao UOL Esporte.

"Quem viaja como turista está a passeio, é diferente. Não vê como é a cidade a fundo, o dia a dia. Quando fica mais tempo, vê o outro lado. Tem vida sem ser apenas parque de diversão, que é o que a maioria faz. Sou muito tranquilo e gosto muito da cidade. Tem para todos os gostos. Tem bastante brasileiros também. Teve um ano que 30% dos alunos na escola do meu filho eram brasileiros", completou.

Fellype se aposentou com 34 anos e tinha muita lenha para queimar. Porém, ele buscou entender como seria a vida da família, mais especificamente dos filhos, e não pensou duas vezes na decisão de permanecer nos Estados Unidos. Ele cita a diferença no sistema de educação e o incentivo que os americanos dão ao esporte desde cedo como fundamental e decisivo.

Alexandre Pato em sua estreia pelo Orlando City, no Estados Unidos - Divulgação/Orlando City - Divulgação/Orlando City
Imagem: Divulgação/Orlando City

"A movimentação que eles fazem pelo esporte é impressionante. O basquete é o pioneiro, mas tem o futebol americano e o nosso, o soccer, que tem crescido muito. Tem crescido até mais que o basquete. As escolinhas aqui se chamam academia, que são quase um clube em termos de estrutura. Meu filho joga em uma em que estão 2.800 alunos. Só na categoria dele são quatro times. Estrutura muito boa, ainda falta qualidade de profissional, falta melhorar isso. Mas americano quando faz alguma coisa gosta de fazer bem feito", afirmou o ex-jogador rindo.

MLS e brecha no mercado

O agora empresário vê um crescimento flagrante na MLS (Major League Soccer), principal liga dos Estados Unidos. Após contratarem medalhões para promover o esporte no país, os americanos mudaram a chave e já tratam a modalidade como uma grande oportunidade de negócio. Isso fica comprovado com as contratações de jogadores jovens e com potencial de venda para o campeonato local.

"Os clubes aqui são franquias, é profissional. Viram que precisam de destaques para serem inseridos como um mercado atraente. Vários jogadores dos EUA jogando na Europa, perceberam a mudança e foram atrás de jogadores mais novos. Já tinham sul-americanos. Bastante colombianos, argentinos, mas os brasileiros só começaram a chegar nos últimos dois anos", disse.

Recentemente, clubes da MLS contrataram Alexandre Pato (agente livre), Brenner (São Paulo), Talles Magno (Vasco) e Soteldo (Santos). A mudança de postura faz com que o Brasil se torne um parceiro que tem tudo para ficar ainda mais próximo nos anos seguintes. Fellype Gabriel busca se especializar nos termos da liga local, com muitas regras bem específicas, para ser um elo entre as partes.

"Estamos em contato com empresários que já trabalham aqui no mercado da MLS. Aqui nos EUA, eles têm um sistema próprio, então, precisa aprender tudo nos mínimos detalhes. Limite de estrangeiro, vaga, teto salarial. É todo um processo. Se um jogador tem contrato em um clube, você não pode simplesmente rescindir. Ele precisa ser encaixado em outro clube. Estou me relacionando diariamente com pessoas que vivem isso há anos para me consolidar. Vejo essa brecha que posso ocupar bem. MLS e Brasil têm tudo para aumentar essa parceria e podemos ajudar nisso", projeta Fellype.

Fellype Gabriel comemora o segundo gol do Botafogo na vitória por 3 a 0 sobre a Portuguesa - Agif - Agif
Imagem: Agif

Outros tópicos da entrevista

Empresário

Eu via alguns empresários que deixavam os moleques largados e ficava meio chateado com isso. Só estavam do lado quando tudo estava bem. Mas quando o jogador precisava, ele sumia. Me incomodava. Foi o que mais me motivou a virar empresário após aposentar. Tem muito menino talentoso que, às vezes, não tem a oportunidade. Mercado é um pouco complicado, os torcedores não entendem como funciona os bastidores... Eu vi muita coisa acontecer e sei como funciona. Tudo é orientação. Quero entender o atleta que tenho, entender as dificuldades que ele tem, até problemas familiares. Isso ajuda no desenvolvimento do ser humano e do trabalho. Um pode precisar de psicólogo, outro de alimento em casa. O conhecimento é importante, precisa entender todos os lados.

Ajuda a jovens

Eu sempre tive relação muito boa com jogadores novos. Levava para minha casa e fazia churrasco com eles. Principalmente no Botafogo... Sassá, Vitinho, Gilberto, Dória... Sempre tentei ajudar porque passei pelas dificuldades que eles passavam naquele momento e sabia como era. Quando subi, o Zinho e Junior Baiano eram consagrados e me ajudaram muito. Sentia que tinha que retribuir com os meninos. Às vezes, os mais experientes dão uns cortes e sei que faz parte, mas nunca gostei. Tentava dar moral e inserir o mais rápido possível. Isso acaba me ajudando também nesse momento.

Japão e uma nova visão

Fui para o Japão e achei que ia deitar nos caras. Chegou o primeiro treino e não vi nem a cor da bola. Aquela "toqueira", não erravam passes. Eles a 100km/h e eu a 60. Comecei a entender que eles procuravam tudo, eles queriam melhorar, evoluir e corriam atrás. Foi aí que mudei como atleta. Eu era muito técnico e achava que ia conseguir resolver tudo daquele jeito. Foi aí que passei a buscar parte tática, ser ainda mais profissional. Antes, acabava o treino e eu ia para casa, mas os japoneses faziam academia, massagem... Entendi que precisava de um algo a mais, me dedicar mais. Ganhei cinco quilos de massa muscular em três meses. E quando volto para o Brasil, no Botafogo, estava muito bem preparado. Deu tudo certo. Fiz gol na estreia, depois teve clássico com Vasco e marquei três gols. Caí nas graças da torcida.

Botafogo

O Botafogo me marcou muito, cheguei à seleção brasileira. Minha saída do clube já foi questão financeira. Eles precisavam vender. Vitinho estava no banco e jogando muito bem. Eles precisavam botar para jogar, mas tinha eu, Seedorf e Lodeiro. Os três voando, time encaixado. Mas precisava de dinheiro, não fechava as contas. Situação financeira sempre foi complicada. Uma hora a conta vem, não tem jeito. Parece que estão tentando fazer um trabalho sério agora, mas é um trabalho difícil porque tem penhoras e tudo mais. Situação difícil. Tenho acompanhado a questão da SA e entendo ser a única saída para o Botafogo respirar, conseguir retomar de vez. Fico triste de ver Botafogo e Vasco nessa situação.

Seedorf, o "chato do bem"

Seedorf foi um absurdo. Quando ele chegou eu vi que o que eu passei a fazer no Japão era o correto. Ele chegava cedo, fazia os treinamentos dele vendo o ipad. Um cara que se cuidou muito. Se [eu] tivesse esse entendimento desde novo, poderia ter evitado algumas lesões. Isso poderia me ajudar de alguma forma. Ele era um chato do bem. Aprendi demais com ele, era o jogador mais colado com ele, até porque tudo ele me pedia. Queria fazer uma reunião e me pedia para organizar. Tive que falar para ele maneirar porque estava pedindo reunião toda hora. Era tudo para ajeitar, organizar. Quando chegou, ele queria mudar tudo de uma vez e pedi calma, dizendo que não conseguiria daquele jeito, que jogador brasileiro tem bloqueio com algumas coisas ainda. Fui tentando ajudar e foi positivo, parceria que aprendi demais. Suguei o máximo que pude dele. Parte tática, profissionalismo. Ele reclamava de jogador usando chinelo, dizia que o pé era instrumento de trabalho e deveria estar protegido. Ele era bem chato com esse tipo de coisa, questão de suplementação. Ele não queria que o nutricionista fosse entregar o suplemento, mas que os jogadores fossem buscar. Tive que explicar que os brasileiros não iam buscar porque não dão valor a isso. Ele queria que cada um entendesse que tinha que se cuidar e não que tivessem babás dizendo o que precisavam fazer. Realmente acontece isso no Brasil, e lá fora é diferente.