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'Meu pai herdou estigma sobre goleiros negros', diz jurista Silvio Almeida

O jurista e professor Silvio Almeida - Alex Deitos/Divulgação
O jurista e professor Silvio Almeida Imagem: Alex Deitos/Divulgação

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/06/2020 23h41

O jurista e filósofo Sílvio Almeida falou sobre o racismo no futebol, em entrevista ao Troca de Passes, do SporTV, hoje. Para sustentar seu argumento de que o futebol pode ser uma arma antirracista, ao mesmo tempo em que é atravessado por uma estrutura racista, o professor de Direito falou sobre a trajetória de seu pai, o ex-goleiro Barbosinha, que defendeu o Corinthians na década de 1960.

"O futebol é uma coisa contraditória e complexa. No futebol, você tem forças e energias fundamentais para a luta antirracista. Se não fosse o futebol, eu não estaria aqui. Eu sou um professor de Direito, mas o futebol permitiu que meu pai construísse algo para me dar possibilidades de estudar. Ao mesmo tempo, o futebol é atravessado pelo que tem de pior na sociedade, como o racismo. Por que meu pai teve o apelido de 'Barbosinha' - por causa do goleiro da seleção, o Barbosa. E eu notei que o apelido do meu pai era por conta de eles serem negros. E meu pai não herdou apenas o apelido, mas o estigma sobre os goleiros negros", comentou Almeida.

O autor do livro "Racismo Estrutural" seguiu com seu raciocínio: "o que o racismo produz sobre o corpo negro? Produz a ideia de que quem produz racionalidade e merece confiança são os brancos. Então, goleiros, dirigentes e treinadores são cargos de confiança, por isso há poucos negros nessas posições".

"Vejam como o futebol trata a questão racial. Vejam como é permitido no futebol o livre mercado do ódio. Parece que as pessoas vão ao estádio com passe livre para ofender racialmente trabalhadores. Há uma espécie de pacto silencioso para que no futebol as ofensas raciais sejam absorvidas. A imprensa esportiva também absorve e difunde o racismo no futebol", acrescentou.

Almeida ainda falou sobre como é impossível desvincular esporte de política, economia e da sociedade como um todo. A partir deste argumento, o jurista afirmou que as manifestações antirracistas de esportistas têm se tornado mais comuns por estarem crescendo na sociedade.

"Futebol não é só futebol. Futebol é política. Futebol é economia também. Não dá para imaginar transformações sociais que não afetem o futebol. A manifestação dos jogadores é por algo que arrebentou no mundo. Alguma coisa está muito diferente. A questão racial ganhou uma urgência. (...) Todos se sentem responsáveis por fazer algo. O futebol não é administrado de maneira democrática. Veja as posturas da Fifa em relação a manifestações políticas dentro do futebol. Os jogadores negros passam por racismo na sociedade, que depois cobra que eles tenham posições políticas sobre questões complexas que a maioria das pessoas não sabe falar a respeito", complementou.