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Rodrigo Mattos

Por que maior transferência de Maradona custou 10% da ida de Neymar ao PSG

Diego Maradona, no centro, cercado por marcadores ingleses na Copa do Mundo do México, em 1986 - Peter Robinson - EMPICS/PA Images via Getty Images
Diego Maradona, no centro, cercado por marcadores ingleses na Copa do Mundo do México, em 1986 Imagem: Peter Robinson - EMPICS/PA Images via Getty Images

30/11/2020 04h00

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A morte de Maradona causou uma comoção no mundo e na Argentina por ser uma personagem que marcou uma era do futebol. Uma época anterior à expansão da comercialização do esporte que o transformou em um negócio de entretenimento global. Justamente por isso, a maior transferência do jogador argentino representou uma pequena fração da grande transação do "novo futebol".

Ressalte-se primeiro que Maradona não foi um jogador vendido por qualquer preço: era reconhecido como um dos maiores craques dos anos 80 e valorizado de acordo com essa qualificação. Não foi barato para o Barcelona lhe tirar do Argentino Juniors e do Boca Juniors (que o dividiam e o negociaram por US$ 7 milhões). E foi ainda mais caro para o Napoli levá-lo para brilhar na Itália.

Tomemos essa última transferência como referência. Segundo o ex-presidente do Napoli, Corrado Ferlaino, em entrevista ao jornal "AS", a transação com o Barcelona custou ao clube entre US$ 10 milhões e US$ 11 milhões a valores da época. Um cálculo da inflação no período na moeda americana atualiza o valor para US$ 27 milhões (ou 22,6 milhões de euros).

Bem, com se sabe, Neymar deixou o mesmo Barcelona pelo PSG pela multa de 222 milhões de euros. Essa cifra ainda não foi quebrada, embora tenha se tornado relativamente comum o pagamento de multas acima de 100 milhões de euros em transações europeias.

E como se chegou a essa discrepância de valores? Na década de 90, portanto quando Maradona estava perto do final da carreira, as competições europeias foram reformuladas. A Champions League, como a conhecemos hoje, surgiu em 1993 em uma parceria da UEFA com a empresa de marketing Team. Um ano antes, a revolução no futebol inglês levou à criação da Premier League, basicamente idealizada por motivos capitalistas, de algum de dinheiro.

A transformação das competições provocou uma explosão das receitas com televisão, marketing e ingressos. Atualmente, a Champions League gera 3 bilhões de receitas anualmente, sendo dois terços distribuídos aos clubes.

Desde então, o futebol europeu e mundial vive uma aceleração de receitas e, por consequência, do dinheiro destinado à formação de times. Levantamento da empresa Deloitte mostra que o clube mais rico do mundo em 2004/2005, o Real Madrid, ganhara 275 milhões de euros. Na última temporada, o mesmo relatório apontou que o Barcelona, clube com maior arrecadação, atingiu 841 milhões de euros de receita. Ou seja, triplicou-se a receita de clubes em 15 anos.

O Napoli, casa italiana de Maradona, teve renda de 200 milhões de euros no último ano do futebol europeu. Ou seja, teria dinheiro para comprar nove Maradonas. Quando contratou o argentino, a transação foi um enorme esforço financeiro do clube e de seu jogador.

Apenas nos últimos sete anos, triplicou-se os valores gastos com contratações no futebol mundial. De 2012 para 2019, esse montante saltou de US$ 2,7 bilhões para US$ 7,3 bilhões, segundo o relatório de transferências anual da Fifa.

Até o futebol brasileiro e sul-americano tem experimentado uma expansão de receita nos últimos dez anos, especialmente depois que a Libertadores passou a ter uma lógica mais comercial.

A era em que Maradona foi protagonista é a primeira em que as transferências de jogadores atingem os milhões de dólares e que o continente europeu passa a atrair os craques sul-americanos em maior número. A seleção brasileira de 1982 teve uma debandada de seus craques irem parar em times italianos. Mas a revolução comercial que se seguiu esse movimento faz com que aqueles brilhantes jogadores tenham preço no máximo de atletas medianos no futebol atual.

Em um artigo no "New York Times", o jornalista Rory Smith defendeu que a perda de Maradona foi tão sentida porque ele foi o símbolo de uma era anterior ao futebol corporativo atual. "Maradona, e tudo que ele representa, estariam relegados ao passado. Ele se tornaria, em seus últimos anos, um avatar do que o futebol foi um dia, para inspirar nostalgia do que perdemos."

A comparação entre as transferências de Neymar e Maradona, com 33 anos de diferença, demonstra que o seu ponto está correto. E a morte de Maradona talvez represente o epílogo desse futebol romântico antes de executivos o transformarem em um grande negócio, para o bem ou para o mal.