Topo

Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

As histórias de superação que levaram o Phoenix Suns de volta às finais

Monty Williams e Chris Paul, do Phoenix Suns, se abraçam para comemorar título da Conferência Oeste da NBA - Gary A. Vasquez/USA TODAY Sports
Monty Williams e Chris Paul, do Phoenix Suns, se abraçam para comemorar título da Conferência Oeste da NBA Imagem: Gary A. Vasquez/USA TODAY Sports

Vitor Camargo

Colunista do UOL

02/07/2021 04h00

Foi difícil mas nada nunca veio fácil para o Phoenix Suns. Essa é a franquia que, no seu primeiro ano de existência, teve a chance de escolher Kareem Abdul-Jabbar e perdeu o lendário pivô no cara ou coroa. Uma franquia que dois anos atrás estava sendo mais falada pelo incidente no qual o dono do time trouxe um bode (no inglês goat, que é o acrônimo para Greatest Of All Time, ou "Maior de Todos Os Tempos") para o escritório do que por qualquer pretensão séria de título. Mas, enfim, o torcedor dos Suns pode comemorar, porque o tão esperado dia finalmente chegou: pela terceira vez na sua história, a primeira desde 1993, o time está nas finais da NBA.

A primeira experiência dos Suns nas finais foi em 1976, liderados pelo grande Paul Wesphal, e foi uma gigantesca zebra. Phoenix tinha vencido apenas 42 jogos na temporada regular e era considerado um enorme azarão contra o então campeão Golden State Warriors nas finais do Oeste. Avançou graças a uma briga dentro de quadra que fez o melhor jogador adversário, Rick Barry, se voltar contra seus companheiros (não, sério, é verdade; meu livro sobre NBA traz a história completa, caso queira os detalhes).

Nas Finais, Phoenix protagonizou uma série histórica contra o Boston Celtics, que incluiu um jogo chamado de "O Maior Jogo da História da NBA", mas acabou sendo derrotado por 4 a 2 (de novo, recomendo meu livro para quem quer os detalhes desse jogo histórico e da série em geral). Os Suns demorariam 17 anos para voltar às Finais da NBA, na temporada de 1992/1993. Dessa vez, o time teve a melhor campanha da NBA e era liderado pelo então MVP da liga, Charles Barkley, mas encarou pela frente um homem chamado Michael Jordan, que PULVERIZOU Phoenix naquela série rumo ao seu terceiro título.

Os Suns deste ano, no entanto, são diferentes. Ao contrário do azarão de 1976, o atual elenco teve a segunda melhor campanha de toda a NBA e tem mando de quadra. Ao contrário do time de 1993, não tem um Michael Jordan ou um bicho papão como o Chicago Bulls esperando do outro lado da chave (o Milwaukee Bucks teria sido um adversário à altura antes da lesão de Giannis, mas dificilmente será o caso agora). Esta é a chance de ouro para uma das franquias mais tradicionais da NBA conquistar seu primeiro e tão merecido título. E pode ter certeza que é nisso que Phoenix está completamente focado

A temporada mágica dos Suns não é espetacular apenas pelos méritos esportivos e a chance do título inédito. A arrancada é a culminação de uma série de histórias lindas de superação e resiliência, uma validação para a trajetória de dois indivíduos incríveis e quem sabe um final feliz para algumas histórias muito pessoais.

A principal e mais óbvia história de superação dessa classificação é a da própria franquia. Nos 10 anos desde a saída de Steve Nash, os Suns foram basicamente uma das grandes piadas da NBA: a franquia liderada por um dono incompetente, com um carrossel de técnicos indo e vindo, na qual ninguém queria estar e que parecia um cemitério de talentos, com escolhas altas de Draft, que só viravam decepções e fracassos. As coisas começaram a mudar ano passado, com a espetacular performance da equipe dentro da bolha da Disney, mas ainda existiam dúvidas legítimas sobre o quão real isso era e o quanto vinha de um cenário atípico.

A aquisição de Chris Paul na offseason foi uma aposta no primeiro, e o time colheu os benefícios. O armador foi o toque final para dar coesão e hierarquia a um elenco talentoso, que fez todas as peças se encaixarem no lugar certo. E, dado todos os estigmas desses dez anos, ver os Suns chegando nas Finais com três jovens talentos criados em casa (Booker, Bridges e Ayton) confere um sabor especial a tudo. O que isso significa para a franquia e seus fãs é indescritível.

Mas ainda melhor é o significado desse feito para dois dos protagonistas do Phoenix Suns de 2021, dois homens que ajudaram a dar cara e forma ao time que está a quatro vitórias de se sagrar campeão. Um deles, claro, é Chris Paul. Por qualquer ótica possível, trata-se de um dos maiores armadores da história do basquete, um gênio que vai se aposentar diretamente para o Hall da Fama e que tem sido uma superestrela desde que primeiro pisou em uma quadra de NBA. Mas, apesar de todo o seu brilhantismo individual, seus 16 anos de carreira também sempre foram marcados por uma falta de sucesso coletivo das suas equipes, ilustrado pelo fato de que Paul nunca tinha chegado sequer a uma final de conferência antes de 2018, e muito menos a uma final de NBA até ontem.

Seus times sempre foram competitivos, mas sempre sofreram pela falta de um nível extra para os playoffs, geralmente misturando vitórias impressionantes com grandes decepções e derrotas frustrantes - algumas por lesões, algumas por enfrentar adversários melhores e algumas por sua própria culpa. Paul não precisava de um título ou de Finais de NBA para ser um dos maiores de todos os tempos, é claro, mas a falta das conquistas coletivas sempre pairava como sombra sobre sua genialidade, algo que sempre seria usado contra ele e seu legado da mesma forma que acontece com outro lendário armador dos Suns, Steve Nash. Uma Final de NBA e um título colocariam um ponto final nessas dúvidas e deixariam Paul livre para ser apreciado pelo que foi, não pelo que deixou de ser.

E vendo o Jogo 6 das finais do Oeste, com Phoenix vindo de uma derrota em casa e precisando vencer em Los Angeles para evitar um Jogo 7 decisivo, ficou claro que Paul sabia exatamente a importância dessa vitória para seu time e seu legado. Desde o primeiro minuto, ele jogou com sangue nos olhos, com a agressividade singular de quando sente a importância do momento. Ele sempre foi um excelente passador e criador, alguém que sabe muito bem a importância de envolver os companheiros e que prefere distribuir a pontuar; mas, quando sente cheiro de sangue, é capaz de colocar a bola embaixo do braço e dominar o jogo tão bem quanto qualquer superestrela do basquete.

Seu segundo tempo, com o Suns a 24 minutos das Finais, foi uma aula de mestre, uma demonstração de genialidade e perfeição basquetebolística: 31 pontos (19 no quarto período) em 12-16 nos arremessos, um show de dribles, finalizações, chutes de longe e um repertório infinito para chegar no lugar que quer da quadra e acertar seu famoso chute de meia distância. Um espetáculo de um jogador que sabia exatamente a importância do momento. Ver grandes craques da história se aposentando sem um título não é incomum na NBA, mas não posso deixar de ficar feliz que Paul tenha a chance de escapar desse grupo antes do fim da sua carreira.

Outro personagem por quem eu talvez esteja ainda mais feliz por essa conquista do que Paul é o técnico Monty Williams. O armador e o treinador têm uma ligação longa e pessoal, desde a época que Williams comandou Paul no New Orleans Hornets (hoje Pelicans), e esse é um dos motivos que levaram CP3 aos Suns nessa offseason. Monty Williams não só fez um trabalho ótimo como técnico, como também é - até onde podemos saber - uma das melhores pessoas da NBA, alguém universalmente amado e respeitado por jogadores e executivos em igual medida enquanto ser humano, fazendo muitos trabalhos fora das quadras e marcante pelo apoio que sempre dispensa para aqueles que passam por alguma tragédia ou dificuldade pessoal.

O caso de Craig Sager, durante sua batalha com o câncer, talvez seja o mais famoso deles. Monty recebeu o primeiro Prêmio Craig Sagar dado pela NBA para alguém que represente valores de amor, compaixão e lealdade dentro do esporte. E tudo isso enquanto lidava com sua própria tragédia pessoal: a morte, em um acidente de carro, de sua esposa Ingrid Williams em 2016, uma dor inimaginável que de alguma forma fez Monty Williams ser ainda mais presente e aumentar seus esforços para ajudar os outros e seus trabalhos fora das quadras.

Ao fim do Jogo 6, quando a realidade do feito finalmente se assentava dentro dos vencedores, o abraço entre Monty e Paul - ilustrado na foto dessa coluna - acabou sendo a representação perfeita de um momento que traz à tona o lado mais humano dos esportes: dois homens unidos por um laço gigantesco compartilhando a glória de uma história de superação que aquece o coração por motivos que vão muito além das quadras de basquete.

Só mais quatro vitórias separam os Suns da glória eterna.