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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Eliminado, Utah Jazz enfrenta questões sobre sua identidade e seu futuro

Nicolas Batum e Reggie Jackson se cumprimentam em partida entre Utah Jazz e Los Angeles Clippers - Adam Pantozzi/NBAE via Getty Images
Nicolas Batum e Reggie Jackson se cumprimentam em partida entre Utah Jazz e Los Angeles Clippers Imagem: Adam Pantozzi/NBAE via Getty Images

Vitor Camargo

Colunista do UOL

21/06/2021 04h00

Esse ano deveria ser diferente para o Utah Jazz.

Entre 2017 e 2020, Utah foi um dos times mais consistentes de toda a NBA: todo ano, o Jazz vencia cerca de 50 jogos, tinha uma defesa Top5 da liga e jogava um basquete coletivo e eficiente. E então chegava a pós-temporada, e Utah era eliminado seguindo o mesmo roteiro: um time que jogasse mais baixo e espaçasse a quadra iria forçar Gobert para longe do aro, colocaria o francês defendendo em espaço para neutralizar sua proteção de aro, e destruiria Utah com os chutes de fora. Enquanto isso, seu ataque de movimentação de bola sofreria contra defesas mais especializadas nos playoffs, e a falta de um jogador capaz de botar a bola embaixo do braço e criar para si e para os companheiros iria fazer com que o ataque estagnasse e não conseguisse gerar bons chutes o suficiente para compensar. Foi assim contra Golden State (sem Kevin Durant) em 2017; contra os Rockets em 2018 e 2019; e contra o Denver Nuggets dentro da bolha em 2020.

Mas 2021 deveria ser diferente. Cansado desse roteiro, Utah fez uma série de movimentos inteligentes para que esses problemas não se repetissem, e impulsionar um time de playoffs preso no segundo escalão a ser um legítimo candidato ao título. Bojan Bogdanovic, que perdeu a bolha por lesões, estava de volta para adicionar outro arremessador e criador ao time. Mike Conley, vindo de um 2020 perdido por lesões e falta de entrosamento, finalmente foi All Star e deveria adicionar outro jogador capaz de quebrar defesas a partir do drible nos playoffs. Alguns jogadores do banco - notavelmente Clarkson - deram um passo à frente, e mesmo Rudy Gobert teve a melhor temporada da carreira e pareceu mais confortável do que nunca quando precisou defender mais longe do garrafão rumo ao seu terceiro prêmio de DPOY. E Donovan Mitchell, brilhante nos playoffs da bolha, parecia ter elevado seu jogo ainda mais e se tornado o pontuador individualmente dominante que faltava ao time nas horas críticas. Utah parecia pronto para dar o famigerado salto e se estabelecer como candidato ao título.

E, na maior parte do ano, foi exatamente o que vimos. Utah teve a melhor campanha da NBA na temporada regular E o melhor saldo de pontos, mantendo sua defesa de elite (#3 geral) mas também tendo o quarto melhor ataque da temporada, uma máquina extremamente entrosada e coletiva de movimentação de bola e chutes de fora. Chegando nos playoffs, Utah eliminou com propriedade um jovem e empolgante time do Memphis Grizzlies apesar de performances espetaculares de Ja Morant; a única derrota do Jazz no confronto foi com Mitchell fora e Gobert em problemas de falta, e nas quatro vitórias o time esteve em controle do começo ao fim e demonstrou uma maturidade e confiança impressionantes. Mesmo no começo da série contra os Clippers, Utah soube explorar as vantagens que tinha no confronto e se ajustar dentro da sua identidade para abrir vantagem. E, quando Kawhi Leonard machucou e ficou de fora do resto da série após o Jogo 4, Utah parecia ter caminho livre para sua primeira final de conferência desde 2007. Ao invés disso, Utah tomou duas viradas nos Jogos 5 e 6 e se viu novamente precocemente eliminado em uma pós-temporada na qual tinha grandes aspirações.

Utah pode apontar para alguns fatores externos que justifiquem a derrota: os incríveis e insustentáveis 52 3PT% que LA arremessou na sua grande virada do Jogo 6, a lesão que tirou Conley dos primeiros cinco jogos da série, o tornozelo de Mitchell que fez a estrela do time jogar no sacrifício as últimas partidas. Tudo isso é verdade. Mas também é verdade que essa eliminação decepcionante foi semelhante demais às anteriores, com os mesmos problemas já conhecidos, e isso levanta sérias questões sobre o modelo atual do time.

Assim como contra Golden State e Houston, Utah foi derrotado por um Clippers que se encontrou em uma formação mais baixa, com cinco jogadores de perímetro. Eu já falei muito a respeito de como isso é problemático para a defesa dos Jazz e Rudy Gobert, então não vou repetir, mas é exatamente o tipo de adversário para o qual Utah tinha se preparado e deveria ter uma resposta, e não foi o que aconteceu. O roteiro foi exatamente o mesmo dos outros anos: o espaçamento da formação baixa dos Clippers neutralizou Gobert na defesa, e a marcação de muitas trocas dos Clippers novamente matou as movimentações de bola do ataque de Utah, que muitas vezes pareceu incapaz de criar bons chutes quando não fosse Mitchell destruindo no mano-a-mano. Apesar de todas as movimentações e contratações que o time fez para dar um salto nos últimos anos, Utah foi novamente eliminado pelo mesmo tipo de time e mesmo estilo de jogo que passou anos se preparando para superar - e um sem um titular importante (Ibaka) E seu melhor jogador em Kawhi Leonard.

Talvez mais interessante é que, apesar disso, eu ainda acho que Utah acertou em praticamente todos os movimentos que fez. Eles adquiriram o PG All Star que precisavam, mais um ótimo chutador em Bogdanovic, preencheram o elenco com os jogadores certos, fizeram tudo que precisavam para adereçar suas fraquezas. Não consigo pensar em um único erro - um contrato equivocado, uma troca desastrosa - que você possa apontar e dizer "Yep, foi aqui que eles estragaram tudo". Todo o processo foi ótimo, só não trouxe o resultado desejado.

O que, de certa forma, talvez seja ainda pior. Se você teve um resultado ruim por causa de um erro, você pode trabalhar para corrigir e ratificar esse erro; mas se você acertou em tudo e ainda não conseguiu chegar perto de onde queria, talvez aquilo que você construiu simplesmente não seja bom o suficiente. E esse é o grande dilema que essa eliminação do Jazz trouxe para o primeiro plano: talvez tudo que o time construiu, toda a base em cima da qual esse time foi montada, simplesmente não seja bom o suficiente para vencer nos níveis mais altos da NBA moderna. E embora eu não ache que o Jazz deva implodir o elenco e começar de novo, a situação salarial da equipe torna bastante difícil que Utah consiga fazer grandes mudanças para tentar novamente subir os degraus que faltam.

Nesse sentido, o elefante na sala é Rudy Gobert. O francês é um excelente jogador, e um dos melhores defensores de interior da história da NBA; mas, em uma NBA que cada vez mais se volta para o jogo de perímetro e a versatilidade decorrente, Gobert simplesmente não tem os recursos para manter a eficiência nos playoffs. É o que Draymond Green chamou de "Jogadores de 82 jogos ou jogadores de 16 jogos": jogadores como Gobert são excelentes para a temporada regular, alguém que oferece um piso alto e um sistema defensivo consistente sozinho, mas quando os playoffs chegam eles não são bons o suficiente em tantas coisas para sobreviver fora das suas características.

O Jogo 6 escancarou esse dilema para Utah com muita clareza. Ficou óbvio, no segundo tempo, que Gobert não podia ficar em quadra: LA não estava atacando o garrafão, o que inutilizava sua proteção de aro, e se Gobert ficasse perto da cesta o Clippers jogava 4 vs 5 no perímetro e chutava de três; mas, se Gobert saísse para a linha dos três, virava alvo fácil em espaço. Em geral, o Jazz tentou colocar Gobert no chutador menos perigoso do Clippers para minimizar essa deficiência; LA contra-atacou colocando esse jogador no lado fraco e criando uma leitura fácil e óbvia quando Gobert saísse na ajuda. Foi assim que Terrence Mann conseguiu tantos chutes livres de três, e como Beverley acertou essa bola decisiva:

E esse era o dilema de Utah: Gobert não podia ficar em quadra por não conseguir compensar isso no ataque, mas você vai simplesmente tirar de quadra seu principal jogador, o pilar de todo seu sistema dos dois lados da quadra? Vai usar Gobert por 15 minutos por jogo e no resto fica sem pivô, saindo totalmente das suas características? E vale a pena pagar um contrato máximo por um jogador que você só vai manter em quadra por tão pouco tempo nas horas decisivas, travando a construção do resto do elenco?

Utah não tinha uma resposta ou um meio termo para essas perguntas, e por isso que perdeu; Gobert ficou em quadra até o fim, e os Clippers exploraram isso para vencer o jogo. E, cada vez mais, fica aparente que o Jazz não vai conseguir voos mais altos com essa identidade. Esse é o ponto central das perguntas que Utah precisa encarar: como contornar - ou pelo menos equilibrar melhor - sua própria identidade com as limitações que elas oferecem em pós-temporada, e como Gobert se encaixa ou não nas respostas.