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Vinte e Dois

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Favoritos iniciam playoffs da NBA com derrota. Quais devem se preocupar?

Jonas Valanciunas, do Memphis Grizzlies, contra a marcação de Rudy Gobert, do Utah Jazz, nos playoffs da NBA - Chris Nicoll/USA TODAY Sports
Jonas Valanciunas, do Memphis Grizzlies, contra a marcação de Rudy Gobert, do Utah Jazz, nos playoffs da NBA Imagem: Chris Nicoll/USA TODAY Sports

Vitor Camargo

Colunista do UOL

25/05/2021 04h00

O primeiro fim de semana dos playoffs da NBA acabou, e foram dois dias espetaculares; das oito partidas disputadas, três foram decididas na última posse de bola, e apenas uma acabou com diferença superior a 11 pontos. Esse começo intenso continua a tendência vista nos play-ins, e aos poucos a promessa de uma pós-temporada histórica vai se tornando realidade.

E um dos temas que se destacou nessa primeira leva de jogos foram as zebras. Quatro dos oito favoritos foram derrotados nos Jogos 1, dentro de casa, para perder o mando de quadra das séries - o que, naturalmente, sempre liga o sinal de alerta e aumenta a expectativa por grandes surpresas. Mas será que deveria?

Esse é o grande dilema com Jogos 1 de séries de playoffs, especialmente aqueles que apresentam algo que vai na direção oposta ao esperado: o quanto do que estamos vendo é apenas um ponto fora da curva, algo aleatório que não vai se repetir nos próximos jogos e, portanto, não deveria afetar nossa expectativa futura, e o que é realmente uma tendência chave que pode ter passado desapercebida nas análises prévias mas que pode alterar toda nossa visão da série? Separar essas duas coisas é extremamente difícil, em parte porque a linha entre elas é muito tênue, e pode facilmente levar a exageros.

Pegue por exemplo a vitória do Memphis Grizzlies sobre o Utah Jazz, talvez a zebra mais inesperada da rodada. Você pode apontar diversos fatores importantes na vitória de Memphis - a grande atuação de Dillon Brooks, o jogo físico nos dois lados da quadra, a batalha dos turnovers - e todos eles são importantes, mas ao mesmo tempo é impossível negar o gigantesco impacto que foi para o Jazz ter Rudy Gobert em problemas de faltas. O favorito a DPOY jogou apenas 25 minutos, e Utah foi +9 nesses minutos, mas -12 sem o pivô em quadra. Isso foi parte crucial da vitória de Memphis no Jogo 1, mas dificilmente algo que deva servir de base para os próximos jogos: foi a primeira expulsão de Gobert em toda a temporada, e não é algo que o Grizzlies possa contar todos os jogos.

É claro, você pode - e deve - analisar também o que levou a essa expulsão, pois pode ter algo concreto por trás do acontecimento. O jogo físico de Memphis no garrafão, por exemplo, sem dúvida contribuiu para mais contato, e é algo que vai continuar causando problemas. Mas algumas das faltas foram de pura frustração por parte do pivô, e algumas jogadas 50-50 que foram contra o francês. Dificilmente algo que possa ser interpretado como sendo a base para o futuro. A ausência de Donovan Mitchell é mais significativa, mas é uma questão mais extra-quadra do que tática, e ele deve voltar para o Jogo 2. Até aqui, não é motivo suficiente para acreditar que o Jazz não continue favorito na série.

E por vezes você tem o que simplesmente aconteceu com o Clippers: a forma como o jogo se desenrola é basicamente igual ao esperado, e o seu adversário simplesmente jogou melhor do que você dentro da proposta da partida. Eu escrevi sobre a série que, para Dallas ter chances, Luka Doncic precisava ser o melhor jogador em quadra, e foi exatamente o que aconteceu no Jogo 1: o esloveno dissecou a defesa do Clippers do primeiro ao último minuto, fez os passes certos, e Dallas fez chover da linha dos três pontos. De certa forma, isso já era esperado: Doncic é um gênio no pick-and-roll e a defesa do Clippers nesse tipo de jogada deixa muito a desejar, então essa vantagem sempre esteve com Dallas. O Clippers também reagiu como o esperado e tentou dobrar a marcação para tirar a bola das mãos do camisa 77 e forçar outros jogadores a decidirem as posses de bola; é o que todos os times têm buscado fazer, e alguns conseguiram com muito sucesso - só que dessa vez os coadjuvantes de Dallas acertaram seus arremessos (47% de três pontos) e castigaram a estratégia.

Doncic - Harry How/Getty Images - Harry How/Getty Images
Luka Doncic, do Dallas Mavericks, fez a diferença em quadra
Imagem: Harry How/Getty Images

Em outras palavras, o que aconteceu no Jogo 1 estava sempre dentro das possibilidades; não houve nenhuma novidade tática ou surpresa técnica que virou o jogo para Dallas. Isso não quer dizer que não teremos novos ajustes táticos de ambos os lados para tentar melhorar suas chances - Ty Lue, do Clippers, já falou em usar mais Kawhi na marcação de Doncic - mas à primeira vista a derrota teve mais a ver com os jogadores de Dallas simplesmente tendo uma grande atuação, em especial seu candidato a MVP. Isso acontece; machuca, mas acontece. Pode acontecer mais três vezes e Dallas levar a série? Sem dúvida que sim, porque variância faz parte do esporte. Mas se você acreditava antes de tudo começar que o Clippers era o melhor time, um jogo é pouco para fazer você mudar de opinião.

Mas quando chegamos em Knicks vs Hawks, você começa a ver alguns pontos mais problemáticos - talvez insuficientes para uma conclusão, mas que começam a indicar algo novo. O Knicks mostrou dois grandes problemas na sua derrota contra Atlanta, e um deles era esperado: o ataque do Knicks, embora sólido na temporada regular, era bastante limitado em variações - o que costuma ser um problema em pós-temporada. Nos playoffs, você quer ditar os termos do confronto e atacar o ponto fraco do adversário, e o Knicks não faz isso bem. Seu ataque depende muito das bolas de fora criadas a partir de jogadas individuais e do estilo bullyball de Julius Randle, mas contra as defesas mais disciplinadas e preparadas da pós-temporada esses espaços tendem a diminuir e obrigar os ataques a serem mais criativos e variados, o que o Knicks não fez; pelo contrário, NY insistiu demais nas jogadas de isolação e acabou dependendo de arremessos ruins e contestados em boa parte do tempo. Seus melhores momentos no ataque vieram quando o time finalmente decidiu atacar Trae Young defensivamente, mas não era algo que o Knicks mantinha por muito tempo, e Young passava longos minutos escondido em alguma ameaça menor, preservando sua energia para comandar o ataque de Atlanta. NY não mostrou interesse durante a temporada em buscar missmatches, mas vai precisar fazer isso se quiser ter chance de pontuar consistentemente - e fazer Young gastar mais energia para limitar seu ataque.

Mas o que foi realmente preocupante para veio do outro lado da quadra. O Knicks teve uma ótima defesa na temporada regular principalmente por causa do seu esforço coletivo, mas individualmente o time carece de grandes marcadores. Que o time não tem alguém para defender Trae é claro, mas a expectativa era de que NY compensasse com sua defesa coletiva como fez na temporada regular. Esse era um dos pontos chave dessa série, e o que vimos no primeiro jogo foi um desastre por parte do Knicks. Sua defesa de pick-and-roll foi terrível, falhando miseravelmente em conter Young (e Lou Williams) no jogo a dois - e, quando tentou enviar ajuda defensiva, ela veio completamente confusa, com leituras incorretas e batendo cabeça, abrindo uma infinidade de passes fáceis e bolas de três livres para Atlanta. Na reta final do jogo, quando o Knicks ameaçou disparar no placar, Atlanta colocou a bola nas mãos de Trae e chamou um monte de variações de pick-and-roll para sua estrela, e a defesa do Knicks parecia um bando de colegiais vendo tudo aquilo pela primeira vez sem saber como defender. O resultado foi uma série de cestas e passes fáceis para Trae, e Atlanta virou o jogo.

Isso significa que o Knicks está ferrado na série? Não necessariamente. Um jogo é pouco para tirar qualquer conclusão (e se o Knicks simplesmente estava em um dia ruim?), e Thibodeau certamente vai fazer ajustes. Além disso, NY perdeu apenas por 2 pontos em um jogo onde tanto Randle como Barrett foram terríveis; eles provavelmente não repetirão essas atuações horrendas, e isso pode ser suficiente para o Knicks vencer mesmo se a defesa de PnR não se ajustar. Isso por si só já é motivo de esperança para NY.

Mas a questão sobre a capacidade do Knicks de defender Trae e o PnR de Atlanta era um dos pontos táticos chave da série, e uma que poderia afetar o seu resultado dependendo de como se desenrolasse. E se Atlanta continuar dominando esse ponto como foi no Jogo 1, se essa for a resposta real desse elemento crucial, é algo grande o suficiente para afetar e revisitar todas as nossas previsões de antes da série - e talvez mudar nossas expectativas para os próximos jogos.

Um jogo não deveria gerar pânico e descartar tudo que você pensava a princípio pela janela, mas ele pode nos fornecer pontos críticos para se ficar de olho - e o Knicks é o time (tirando Denver, mas desse falamos depois) que mais preocupa nesse sentido dessa primeira leva de jogos.