Topo

Pole Position

GP que mostrou a Massa situação difícil com Alonso na Ferrari faz 10 anos

Lance aconteceu durante rodada de pit stops no GP da China - Ferrari
Lance aconteceu durante rodada de pit stops no GP da China Imagem: Ferrari

Colunista do UOL

18/04/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Houve um antes e depois na carreira de Felipe Massa e, embora haja quem culpe o grave acidente na classificação para o GP da Hungria de 2009 pela queda de rendimento do piloto, uma série de eventos e especialmente um GP que completa 10 anos neste sábado explicam muito melhor por que o piloto que chegou bem perto de ser campeão em 2008 nunca mais venceu uma corrida até sua despedida da categoria, em 2017.

Há 10 anos, era disputado o GP da China, quarta etapa da temporada 2010. Depois de ter um duelo equilibrado com Kimi Raikkonen nas temporadas 2007 e 2008, sendo inclusive beneficiado por ordens de equipe no final do segundo ano e se tornando o candidato ferrarista ao título, em campeonatos muito disputados entre Ferrari e McLaren, Felipe tinha voltado ao grid nove meses após o acidente com um novo companheiro: a Scuderia tinha inclusive demitido Raikkonen, campeão de 2007, para realizar um "desejo de consumo" antigo e contratar Fernando Alonso, considerado o melhor piloto da época.

Quando foi para a China, Massa já sabia que não tinha voltado exatamente para a mesma equipe: na primeira corrida, Alonso foi agressivo na largada e o ultrapassou para vencer o GP do Bahrein. Na segunda, na Austrália, o brasileiro ouviu sua primeira ordem de equipe do ano, e decidiu não abrir para o espanhol. Chegou na China como líder do campeonato mas, nas contas de Alonso, isso só era possível porque o companheiro o segurou em Melbourne e porque o espanhol teve um problema de motor na terceira corrida, na Malásia.

A Scuderia não se adaptou tão bem ao circuito de Xangai e Alonso se classificou em terceiro. Massa, em sétimo. Com a pista bastante fria e nuvens carregadas, a corrida prometia ser complicada. Alonso pulou na ponta na largada mas logo começou a chover, e o espanhol foi um dos que correu para os boxes - aproveitando um Safety Car acionado na primeira volta por conta de um acidente - para colocar pneus intermediários. Logo ficaria claro que Alonso tinha queimado a largada e ele foi punido, caindo para fora da zona de pontos. Por um erro seu, ele foi parar atrás de Massa.

A chuva não caiu de vez - na verdade, diminuiu bastante - então os pilotos que estavam com os pneus intermediários começaram a ter dificuldades e os que não pararam, abriram vantagem. Nesse cenário difícil, Lewis Hamilton, com a McLaren, foi abrindo caminho no meio do pelotão, enquanto seu companheiro Button liderava. O inglês sempre teve como sua grande qualidade não apenas saber ler bem mudanças nas condições de pista, mas também a capacidade de seguir com pneus de pista seca mesmo quando ela começava a ficar úmida. E aquele domingo em Xangai, logo em uma de suas primeiras corridas pela McLaren, seria uma prova disso.

Quando a chuva apertou e o Safety Car foi chamado à pista, Alonso já tinha encostado em Massa e a Ferrari preferiu chamar os dois juntos ao box. Quando fez a primeira parada, Massa espalhou na brita na entrada do box, então tomou mais cuidado da segunda vez. Alonso viu a brecha e o passou por dentro, poucos metros antes da linha que marca o início dos boxes e que não permite ultrapassagens. Com isso, fez a parada primeiro, deixando Massa esperando sua vez.

Após a prova, o chefe Stefano Domenicali disse que foi apenas um "incidente de corrida" e que o time só tinha visto o que tinha acontecido depois, pela TV. Uma declaração no mínimo estranha, já que cada piloto tem de usar seu próprio jogo de pneus, então a equipe viu quem chegou primeiro e, obviamente, sabia qual era a posição de pista dos dois antes da parada. O brasileiro terminou a corrida em nono e Alonso chegaria em quarto, superando as duas Red Bull, algo que parecia pouco provável após o erro inicial.

Lá na frente, Button lucrou com sua decisão inicial de não parar no final da primeira volta e venceu, ainda que tenha sido perseguido por Hamilton, com pneus mais novos, nos giros finais. O inglês chegou a 1s5 do compatriota, com Nico Rosberg em terceiro com a Mercedes.

Após a prova, Massa cobrou uma posição mais enérgica de Domenicali, que teria lhe dito que, da próxima vez, a situação se inverteria. Mas logo percebeu que Alonso já tinha ganhado a batalha política dentro da equipe.

"Honestamente, eu nunca tive esse tipo de poder na Ferrari, não tão forte", disse Massa no depoimento publicado no livro "My Greatest Defeat" ("Minha grande derrota", em inglês, título que não foi lançado no Brasil, e que conta com entrevistas de vários pilotos sobre momentos delicados de suas carreiras). "Sempre tive uma relação boa com ele, mas nunca gostei do jeito como ele trabalhava. Fora do carro, ele sempre era legal com você, mas Fernando tem duas personalidades. Ele tem duas caras. Às vezes não dá para entender por que ele tem que ser assim, sabe? Ele tem uma personalidade como piloto e outra fora. E ele tem muito poder. Politicamente. Para batê-lo, não basta ser seu dia. Com o poder que ele tem, você precisa de tudo."

O fato de a Ferrari estar totalmente focada em Alonso acabou ficando transparente três meses depois, no GP da Alemanha, disputado exatamente um ano após o acidente de Massa. O brasileiro liderou toda a prova, mas ouviu nas voltas finais que estava mais lento que Alonso. Como na época as ordens de equipe não eram liberadas, isso era uma forma velada de pedir que ele abrisse para o espanhol, que estava a 47 pontos do líder do campeonato, em quinto na tabela naquele momento, mas com nove corridas ainda para o final.

A mensagem foi dada de maneira muito explícita pelo engenheiro de pista de Massa, Rob Smedley, depois que o britânico sugeriu que o próprio Domenicali o fizesse. A tensão no pitwall foi gerada justamente pelo que tinha sido conversado após a prova da China. A maneira como a mensagem foi passada acabou gerando uma multa para a Ferrari por usar ordens de equipe.

No final das contas, Alonso se recuperou no campeonato e chegou muito perto do título daquele ano, fortalecendo ainda mais sua posição na Ferrari. O espanhol, contudo, foi substituído por Sebastian Vettel no final de 2014 sem ter conseguido ser campeão pela Scuderia.

Mas será que o prestígio interno de Massa seria diferente se ele tivesse ganhado o campeonato de 2008? "Não acho que teria mudado", diz o brasileiro. "O Fernando tinha muito poder."