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Olhar Olímpico

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Mistura de surfe com vela entra na Olimpíada e brasileiro já é 2º do mundo

Mateus Isaac, brasileiro da vela - Divulgação/IFCA
Mateus Isaac, brasileiro da vela Imagem: Divulgação/IFCA

26/04/2022 04h00

Dos sete ouros conquistados pelo Brasil em Tóquio, três vieram de esportes tradicionalmente disputados no mar. Em Paris-2024, esse número pode aumentar. Mateus Isaac, um paulistano de 27 anos, saiu na frente no processo de adaptação à prancha à vela IQFoil, nova classe olímpica da vela, e assumiu na semana passada a vice-liderança do ranking mundial, gabaritado pelo título de uma etapa do circuito mundial conquistado na Espanha no mês passado.

A vela brasileira já tem uma história de sucesso semelhante. Martine Grael e Kahena Kunze foram das primeiras a se dedicarem ao 49erFX, tão logo esse barco foi anunciado como parte do programa olímpico da Rio-2016, ainda no final de 2012. Os frutos colhidos todo mundo conhece: dois ouros olímpicos e seis medalhas em Mundiais de 2013 para cá.

Assim como as hoje bicampeãs olímpicas, Mateus tem história na vela, mas só se tornou protagonista com a chegada de classe na qual todo mundo parte quase do zero. "Eu tentei a RS:X, mas eu não gostei do material. Quando eu tinha de 17 para 18 anos, teve um Mundial em Búzios e eu fui Top10 dos últimos. Eu não estava me divertindo", admite. Ele foi 51º naquela competição em 2013, sua penúltima na vela olímpica.

O retorno, ano passado, veio na esteira de uma mudança no programa olímpico da vela, que atualiza a lista de entre 10 e 11 classes a cada novo ciclo. Para Paris, as alterações foram radicais — e aqui cabe um duplo sentido. Foi adicionada uma competição de kitesurf (prancha puxada por uma espécie de pipa, e a antiga a RS:X, disputada nas últimas quatro Olimpíadas, deu lugar à IQFoil.

Ambas se encaixam como provas de windsurf (prancha à vela), mas há diferenças notáveis entre elas. Na RS:X a prancha fica o tempo todo em contato com a água, enquanto na IQFoil a prancha flutua, e o que toca o mar é a quilha, ou foil (daí o nome). E por causa disso, a característica do atleta muda. Na RS:X, o peso ideal no masculino é entre 70kg e 75kg. Na IQFoi, de 85kg a 90kg. Bom para Mateus, que tem 90kg.

Sem muito sucesso na RS:X, apesar de ter começado na vela cedo, levado regularmente pelo pai de São Paulo até Ilhabela, onde treinava, Mateus foi aprovado em uma universidade do Havaí e lá se tornou atleta profissional do PWA World Tour, um circuito mundial de windsurfe em IQFoil.

"É como se fosse a Fórmula 1 do windsurfe", explica Mateus, que chegou a ganhar uma etapa desse circuito, em 2018. "Mas não é a mesma coisa que a classe olímpica. Primeiro porque no PWA o material evolui todo ano, igual Fórmula 1 mesmo, e na Olimpíada é o IQFoil igual para todo mundo. Além disso, no PWA é só a favor do vento, em velocidade, e na Olimpíada é em circuito, tem que andar no contravento também", resume.

Foi em busca de conhecimento sobre técnicas de competição que Mateus procurou Bruno Prada, duas vezes medalhista olímpico como proeiro de Robert Scheidt na classe Star, muito menos radical. "Ele sabe toda a parte tática da regata, que eu tenho um déficit, toda a parte de velejar contra o vento. Ele sabe de processos, táticas. Além disso, o Bruno está na vela há milhões de anos, tem muita experiencia com campanha olímpica, como todo o processo. Sabe quais campeonatos participar qual evento focar melhor, quanto tempo passar fora de casa. Ele tem muita bagagem que eu não tenho."

Bruno e Mateus formam um time com Giovanna Prada, filha do medalhista olímpico, e também atleta de IQFoil, prata no Pan Júnior, disputado no ano passado. Os três moram e treinam em Ilhabela, no litoral de São Paulo. "A gente está tentando trazer mais gente para treinar com a gente, porque é melhor homem treinar com homem e mulher com mulher, tem muita diferença", diz Mateus.

No primeiro Mundial da nova classe, realizado em agosto do ano passado, ainda sem contar com os windsurfistas que migraram da olímpica RS:X, ele foi 19º colocado. Em evolução, já contra uma flotilha maior e mais diversificada, foi terceiro no Europeu, em Marselha, na França. Este ano, fez um ouro e uma prata nas duas primeiras etapas do circuito válido para o ranking mundial, ambas na Espanha.

Este mês, ele fez sua reestreia em uma grande competição de vela olímpica, o Troféu Princesa Sofia, também na Espanha. Apesar de desempenho ruim nas últimas três regatas, ele foi sexto colocado, atrás de dois britânicos, dois italianos e um holandês. Na Olimpíada, cada classe só terá um barco de cada país.