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Olhar Olímpico

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Bolsonaro faz nova alusão a área de desova de mortos pela ditadura

O presidente Jair Bolsonaro em evento na Hungria  - Bernadett Szabo/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro em evento na Hungria Imagem: Bernadett Szabo/Reuters

23/02/2022 12h38

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a debochar, nesta quarta-feira (23), da expressão "mandar para ponta da praia", uma gíria para designar lugar clandestino para interrogatório com tortura e eventual morte, prática adotada especialmente durante a ditadura militar brasileira.

Em cerimônia de remessa ao Congresso Nacional do Plano Nacional do Desporto (PND), Bolsonaro, rindo, questionou o medalhista olímpico André Domingos, que discursava para elogiar o governo, tendo o presidente ao seu lado, se o ex-corredor já "mandou alguém para a ponta da praia?". Domingos, que é secretário de esporte em Presidente Prudente (SP), respondeu que "já, várias vezes". Os dois gargalharam.

A fala veio logo depois de André Domingos afirmar que o secretário especial do Esporte, Marcelo Magalhães, que chegou ao cargo por indicação do senador Flávio Bolsonaro, de quem foi padrinho de casamento, estava "desenterrando um esqueleto que está enterrado há 24 anos". "Aí vem o Marcelo e desenterra o esqueleto e bota o projeto para andar", disse o medalhista olímpico — na verdade, o plano estava pronto quando a presidente Dilma Rousseff (PT) sofreu impeachment, faltando apenas a assinatura presidencial dada hoje.

Bolsonaro já havia feito referência à "ponta da praia" em 2018, antes de ser eleito. "Petralhada, vai tudo vocês para ponta da praia", afirmou na ocasião. À Folha, também em 2018, o professor de história da UFRJ Carlos Fico, especializado na ditadura militar brasileira, disse que ouviu de vários militares essa expressão.

Plano Nacional do Desporto

O PND está previsto na Lei Pelé, de 1998, mas demorou a sair do papel. Foi discutido nas três edições da Conferência Nacional do Esporte, em 2004, 2006 e 2010, mas a construção do seu texto andou em passo de tartaruga, por dificuldades de diálogo entre o Ministério do Esporte e outros ministérios envolvidos, especialmente da Educação.

Durante o governo Dilma Rousseff, em 2015, foi criada uma comissão para redigir uma versão concreta do PND, que estava pronto quando a presidente sofreu impeachment. Sob Michel Temer (MDB), o projeto chegou a ser remetido ao Conselho Nacional do Esporte (CNE) em 2018 e aprovado.

Mas Bolsonaro optou por dar passo atrás, não assinar o plano, e rediscuti-lo. "Com a mudança de governo, a Casa Civil achou por bem retornar o texto à Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania", disse o então secretário de Esporte, Décio Brasil, em 2019, quando um novo texto foi discutido e aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte.

Na época, o Ministério da Cidadania informou, em seu site, que a partir dali o PND passaria por "ajustes pontuais" discutidos no CNE, depois pelo jurídico do ministério, pelas equipes da Educação e da Defesa, e então seria enviado à Casa Civil para a assinatura do presidente. "A expectativa é de que o PND chegue ao Parlamento até o fim do ano (de 2019)", informou o ministério na época.

O governo Bolsonaro, porém, levou mais de dois anos além do previsto para finalizar o texto, o que só aconteceu depois de forte pressão do movimento Atletas Pelo Brasil. A versão enviada ao Congresso hoje já havia saído da Secretaria Especial do Esporte quando Marcelo Magalhães assumiu a pasta, no início de 2020.