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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Governo trata challenger como Mundial para justificar bolsa a tenistas

Beatriz Haddad Maia Bia - Divulgação/Wilson
Beatriz Haddad Maia Bia Imagem: Divulgação/Wilson

02/02/2022 14h52

A regra do Bolsa Atleta é clara e a mesma há quase duas décadas. Recebem o benefício da categoria internacional (R$ 1.850 ao mês) atletas que são os três melhores de suas provas em nível mundial, pan-americano ou sul-americano. Mas a Secretaria Especial do Esporte abriu uma exceção para que tenistas profissionais, que estão entre os mais bem remunerados atletas olímpicos do país, tenham o benefício sem cumprir esses critérios.

Para solicitar a bolsa, uma atleta precisa indicar o evento no qual atendeu os critérios de elegibilidade. E cabe à confederação de cada modalidade, antes, apontar quais são os eventos válidos, além daqueles apontados pelo COB: Pan Júnior e Olimpíada. Por exemplo, no skate, ainda que diversos brasileiros tenham vencido torneios mundo à fora, só o Mundial de Street Skate Feminino (que teve Rayssa Leal como medalhista de bronze) foi listado como apto à bolsa internacional. Os demais podem receber, no máximo, a bolsa Nacional, de R$ 925.

O tênis, porém, ganhou direito a exceção. A CBT indicou como "Mundial" ou "Sul-Americano", no adulto e nas categorias de base, exatamente os eventos em que brasileiros chegaram no mínimo à semifinal, entre os três primeiros (como não há disputa de bronze no circuito do tênis, as competições têm dois terceiros colocados).

Segundo a CBT, o torneio que valeu como Campeonato Mundial no tênis de simples feminino adulto foi o W25 de Rio do Sul, que teve Carol Meligeni e Laura Pigossi entre as três primeiras. Mesmo tendo fechado o ano como 246ª do mundo, Carol terá direito a Bolsa Atleta como se fosse medalhista mundial de simples.

Bia Haddad Maia, que fechou 2021 na 82ª colocação do ranking da WTA, poderá pedir Bolsa Atleta como a 3ª melhor do mundo na categoria etária "intermediária", que segundo o edital é "júnior/juvenil". Isso porque a CBT indicou o W80 de Tyler, nos EUA, como o "Campeonato Mundial" de simples feminino juvenil. O torneio é adulto, a categoria juvenil vai até 20 anos no tênis e Bia tem 25 anos. Desde o ano passado ela já recebe Bolsa Atleta como juvenil, por não se encaixar nos critérios para receber como adulta.

O modelo se repete para beneficiar outros atletas. O Challenger de Tallahassee, que teve Orlando Luz e Rafael Matos como campeões e João Menezes eliminado na semifinal é, para CBT e para o governo, o Mundial de Duplas na categoria "iniciante", que o edital prevê que seja infantil (normalmente sub-17 ou sub-16). Rafael Matos tem 26 anos. Atualmene ele recebe bolsa como juvenil.

No adulto, o Mundial foi o Open de St Petersburg, que teve Bruno Soares campeão e Marcelo Demoliner chegando à semifinal. Já na categoria intermediário (juvenil) o Mundial foi o Challenger de Campinas, onde seis brasileiros foram ao menos semifinalistas, incluindo Felipe Meligeni, de 23 anos, mais um que já recebe como juvenil. As indicações vão permitir que praticamente todos os principais tenistas profissionais do país tenham acesso ao Bolsa Atleta, caso apresentem inscrição até o próximo dia 18.

A portaria de 2021 que regula o Bolsa Atleta aponta que a categoria internacional é 'destinada aos atletas que tenham integrado a seleção nacional de sua modalidade esportiva, representando o Brasil em campeonatos ou jogos sul-americanos, pan-americanos ou mundiais, obtendo até a terceira colocação em competições reconhecidas pela confederação da modalidade como um dos principais eventos, e que continuem treinando para futuras competições oficiais internacionais".

Na ausência de um "Campeonato Mundial" assim denominado, cabe a cada confederação dizer qual é o "principal evento" que o substituta. Mas, quando há um circuito mundial, como é o caso do tênis, deve valer o ranking final: "Na indicação de eventos de modalidades esportivas disputadas em competições constituídas por várias etapas, será considerado elegível o atleta participante que alcançar, no mínimo, a terceira colocação na classificação geral e final do circuito da competição", diz a portaria.

Procurada, a Secretaria do Esporte alega que não há irregularidade porque o parágrafo terceiro do artigo quinto da portaria estabelece que "os eventos internacionais que não tiverem brasileiros entre os três primeiros colocados, poderão ser substituídos por evento da mesma categoria (internacional), desde que constem no Calendário Esportivo da Entidade e respeitem os critérios previstos nesta portaria".

Já a CBT, após a publicação da reportagem, disse que "a indicação de torneios do Bolsa Atleta é feita conforme a avaliação do departamento técnico e de esportes da entidade, de forma que os atletas do país tenham melhores chances de serem contemplados e obterem importantes recursos para o desenvolvimento na modalidade", ressaltando que as indicações têm a chancela do Ministério da Cidadania e da Secretaria Especial do Esporte. A entidade não explicou por que afirma ao governo que torneios sabidamente profissionais, vencidos por atletas adultos, são das categorias juvenil e infantil.