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Olhar Olímpico

Vinte pitacos sobre a eleição do COB e a reeleição de Paulo Wanderley

Marco La Porta e Paulo Wanderley - Divulgação/COB
Marco La Porta e Paulo Wanderley Imagem: Divulgação/COB

07/10/2020 17h36

Um blog especializado em política esportiva e em esporte olímpico tinha, e teve, uma responsabilidade muito grande nessa que foi a primeira eleição de fato democrática no Comitê Olímpico do Brasil (COB) em quatro décadas. Por meses, e especialmente nos últimos dias, conversei com personagens dessa eleição, eleitores ou não, em on ou em off, para contar em primeira mão aos leitores o que acontecia nos bastidores de uma eleição quentíssima.

Naturalmente, também tenho opinião sobre os fatos narrados. Agora que a eleição acabou, queria dividir algumas observações com vocês:

- A vitória foi da chapa Paulo Wanderley/Marco La Porta sobre a chapa Rafael Westrupp/Emanuel Rego. Não houve, porque não há muitas razões para haver, um reconhecimento ao trabalho de Paulo Wanderley. Pelo contrário, o descontentamento é muito maior. O presidente só foi salvo porque Westrupp de "novo" não tem muita coisa, Emanuel assinou filiação ao sindicato dos cartolas ao criticar Carol Solberg e porque Wanderley tinha um vice muito bem quisto por seus pares.

- A eleição teve dois debates. Mas foi um terceiro, quase oculto, que fez diferença. Paulo Wanderley foi agressivo demais no debate promovido pela Câmara dos Deputados, enquanto Rafael fazia promessas vagas com muitas palavras bonitas. Observando dessa desvantagem, Paulo não participou do debate de ONG Sou do Esporte, na última quinta. Rafael e Hélio Meirelles trocaram gentilezas entre si e ataques, alguns exagerados, à gestão do COB. PW (Paulo é chamado assim nas conversas de Whatsapp) não estava lá para se defender.

- No dia seguinte ocorreria um debate entre os vices, também promovido pela Sou do Esporte. Se Paulo não foi ao primeiro, La Porta não deveria ir ao segundo. Mas o vice insistiu e, de última hora, anunciou que participaria. Não vi o debate (estava entrevistando Paulo Wanderley e Hélio naquela tarde), mas os relatos são de que La Porta saiu-se muito melhor do que Emanuel. Praticamente todos os membros da Comissão de Atletas acompanharam o debate, o que não haviam feito no dia anterior. Acabaram votando na chapa PW/La Porta

- Essa foi a eleição da traição. Rafael era aliado de Paulo Wanderley, mas virou um ferrenho opositor e candidato a presidente. Mauro Silva, do boxe, era candidato a vice na chapa de Alberto Murray mas desistiu da candidatura um dia depois do período de registro de chapa porque, segundo ele, a dupla não teria chance — não era bem assim, e explico o motivo mais para frente. Hélio Meirelles saiu candidato com apoio de cinco confederações, que prometiam ir até o fim de cabeça erguida, mas só teve dois votos.

- Paulo Wanderley tinha apoio de 20 confederações, mais as duas (golfe e boxe) que ficaram órfãs com a saída de Murray. Dessas 22, só duas (wrestling e golfe) oficialmente deixaram o "partido", e 36 horas antes da eleição. Os demais 20 presidentes continuam no grupo de Whatsapp de Paulo quando a urna foi aberta. Apoiado por essas 20 e pelo bloco dos 12 atletas, Paulo Wanderley teve 26 votos. Seis pessoas, no mínimo, traíram ou ele ou o combinado na Comissão de Atletas.

- Os atletas estiveram alijados de toda a discussão eleitoral, por mais que 12 membros da Comissão de Atletas (CACOB) tenham votado e, no final, decidido a eleição. Os três candidatos apresentaram propostas de governança, de transparência, de mudança de sede, de economia, de mais dinheiro para as confederações, de mais dinheiro para a CACOB, mas praticamente não houve debate sobre os rumos da diretoria que importa, a de Esporte. Eu, por exemplo, não sei dizer o que muda, para o atleta olímpico, na ponta final, ter vencido Paulo Wanderley e não Rafael ou Hélio.

- Digo também que os atletas foram alijados porque os membros da CACOB não seguiram nenhum protocolo para descobrir o que pensavam os atletas de suas modalidades. Os votantes podem ter pedido opinião a atletas mais próximos, mas não houve discussão, como classe, sobre o assunto eleição do COB. Além disso, os três mais bem votados na eleição da CACOB realizada no início de 2017 (Duda, Baby Futuro e Emanuel) não votaram. Com isso, ganharam direito a voto Marcelinho Machado e Hoyama, que receberam só três votos naquela eleição de atletas olímpicos. É uma representatividade muito baixa, quase nula.

- O COB errou, e a seleção feminina de rúgbi sevens consentiu, ao mandar a equipe para treinar em Portugal na semana passada. Convocada para a seleção, Baby Futuro deixou de votar. É injusto colocar uma atleta nessa situação. Ou treina com a seleção, ou vota. Não havia pressa em levar o time para Portugal, para treinar da mesma forma que já treinava em São Paulo. Sem ela e sem Duda, que mora e joga na Hungria, só um atleta em atividade votou: Arthur Zanetti. Os demais são aposentados.

- Emanuel Rego foi escolhido como vice de Westrupp para fisgar o voto dos atletas, mas falhou completamente. Como presidente da Comissão de Atletas do Vôlei de Praia (posto ao qual deveria ter renunciado enquanto estava no governo), atacou Carol Solberg e prometeu lutar para que atletas não possam dar opiniões políticas em competições. Mas não só isso. Não saiu em defesa da CACOB quando essa sofreu uma dura derrota e não pôde realizar eleições (o presidente do Skate, articulador do grupo de Rafael e Emanuel, suspendeu o pleito na Justiça). E, por fim, levantou a hipótese de voltar a licença, que ele disse que seria até o final do seu mandato, só para votar.

- E não só isso. Emanuel, que saiu da Secretaria de Alto Rendimento do governo federal sem sequer um programa para colocar no currículo, prometeu que, se fosse eleito vice, seria também diretor de Esporte. Um erro. Os atletas, ou ex-atletas, estão satisfeitos com a área de Esporte do COB e com a preparação para Tóquio. Faltando 10 meses para a Olimpíada, qualquer mudança seria um risco e o campeão olímpico deveria saber disso. .

- Iziane passou a semana passada em Portugal, com tudo pago pelo COB, pegou um avião e voltou para votar em Paulo Wanderley. Hortência (que não vota, mas influenciou o voto em bloco da CACOB) também viajou. Fabiano Peçanha também. Isabel Swan (outra sem voto) também. Agora, eles terão que lidar com as acusações, logicamente sem provas, de que os atletas votaram em Paulo Wanderley porque foram beneficiados pela viagem.

- O lugar da CBF não é no movimento olímpico. A confederação fez que estava se importando, fez campanha para Westrupp, pediu votos, fez lobby, mas, na hora da assembleia, como de costume, não enviou seu presidente, Rogério Caboclo. Não foi sequer um vice, mas alguém que, ao que consta, não tem cargo na confederação, Leonardo Ferraz.

- Outro que tem coisas muito mais importantes a fazer é o empresário Guy Peixoto, presidente da Confederação Brasileira de Basquete (CBB). Como pai ausente, tenta compensar a distância comprando mimos. A verdade é que queimou largada sendo o primeiro a anunciar publicamente voto em Westrupp mesmo tendo sido muito ajudado pelo COB. Apostou altíssimo, perdeu, e agora terá dificuldades para ser socorrido nas próximas vezes que pedir socorro — e terá que pedir.

- A candidatura de Alberto Murray parecia uma canoa furada na véspera da corrida eleitoral, como eu mesmo escrevi, e foi essa a justificativa oficial de Mauro Silva para desistir da chapa. Mas, mesmo fora da eleição, seus indicados tiveram algum sucesso. Georgios Hatzidakis estava envolvido no escândalo que derrubou Toninho Fernandes no atletismo e, mesmo concorrendo com nomes fortíssimos, teve 13 votos para o Conselho de Administração (provavelmente dos atletas e mais um). Os quatro presidentes de confederação para os quais ele sugeriu voto também foram eleitos. No fim, Murray poderia ter a confiança dos atletas e, com eles, chegar ao segundo turno como o cara da oposição.

- Surpreende que Jose Luiz Vasconcellos tenha sido o mais votado para o Conselho de Administração: teve 37 votos, provavelmente de todas as confederações, de dois membros independentes e de um atleta. Ele oficialmente estava no grupo de Paulo Wanderley, mas teve, ao que tudo indica, o voto de todo o grupo de oposição. Como ele conquistou a oposição? Não tenho a resposta, mas não apostaria que os seus pares o têm como exemplo de gestão.

- Devendo sua própria eleição aos atletas, Paulo Wanderley foi derrotado nas suas outras brigas. Os dois presidentes do grupo de Rafael que concorreram ao Conselho de Administração se elegeram, bem votados. O novato Rafael Nishimura, da escalada, que se recusou a tirar sua candidatura depois de uma votação interna no grupo de Paulo apontar que ele não seria eleito, também se elegeu, e bem votado. Vasconcellos teve boa votação graças à oposição e Alberto Maciel Junior, do taekwondo, teve o apoio dos atletas. Aos aliados mais próximos de PW sobraram só as últimas duas cadeiras.

- Na votação para a cadeira de membro independente do CA, vitória expressiva de Ricardo Leyser, ex-ministro e desafeto de Paulo Wanderley. O candidato do presidente, o delegado da Polícia Federal Rodney Rocha Miranda, teve só sete votos, quase um terço do eleito. No fim, a tentativa de intervir nessa votação, que deveria ser "independente", só fez mal à imagem do presidente.

- A eleição foi uma bagunça. O fato de COB não estar acostumado com democracia pode ser um atenuante, mas o processo todo foi muito ruim. Desde a marcação da eleição para outubro, quando todos esperavam novembro (atribuição do presidente), até o fato de a checagem de antecedentes só ter terminado a 10 dias da eleição. Até ali, ninguém era oficialmente candidato. Os protocolos sanitários foram perigosos — basta dizer que um presidente fez um teste para Covid porque estava com sintomas, foi jantar com os colegas, e soube na volta que estava doente. E, para piorar, um dirigente suspenso pelo Conselho de Ética por assédio sexual enviou representante para votar. O representante não votou, mas é claro, ao menos para mim, que qualquer documento assinado por alguém suspenso não tem validade.

- Presidente do Comitê Paraolímpico Internacional (IPC), Andrew Parsons deve estar arrependido de ter se metido na eleição do COB, como fiel escudeiro de Rafael Westrupp. Apostou alto e saiu derrotado. Sua trajetória vitoriosa, que o levou à liderança do movimento paraolímpico, não precisava disso.

- A eleição do COB é só o começo, ou quase começo, de uma série de eleições nas confederações, que vão até abril do ano que vem. Westrupp já se reelegeu no tênis, em um processo eleitoral para lá de estranho, e no badminton a situação manobrou para se manter no poder. A escalada fez eleição no primeiro semestre, enquanto gelo e neve respeitam o ciclo olímpico de inverno. As demais 30 terão eleições em breve. O Olhar Olímpico vai cobrir todas elas.

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