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Olhar Olímpico

Diretor do legado por 20 dias, padrinho de Flávio nunca foi trabalhar

Marcello Magalhães, novo diretor da EGLO, e Jair Bolsonaro - Reprodução/Facebook
Marcello Magalhães, novo diretor da EGLO, e Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução/Facebook

03/03/2020 13h39

Quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) resolveu não renovar a existência da Autoridade de Governança do Legado Olímpico (AGLO), no último dia de junho do ano passado, os militares que comandavam a Secretaria Especial do Esporte foram pegos de surpresa. Tiveram que refazer todo o planejamento e, em agosto, apresentaram ao governo um plano para tocar o legado olímpico com 27 pessoas (ante 95 cargos existentes na AGLO).

O plano, porém, nunca foi posto em prática. Todos os nomes indicados pela secretaria foram rejeitados para que Marcelo Magalhães Reis, padrinho de casamento de Flávio Bolsonaro e velho conhecido da família presidencial, fosse nomeado como diretor, em dezembro. Marcelo tomou posse em 5 de fevereiro e, pelos 20 dias seguintes, não se tem notícia de que tenha comparecido para trabalhar no Parque Olímpico da Barra. Na quinta (27), ele foi nomeado secretário especial de Esporte, à custa da saída dos militares que nunca viram seu plano colocado em prática.

"O Marcelo é desconhecido por nós. Ele não foi em nenhum momento indicado por nós. Se perguntar quem é o Marcelo (Magalhães), eu não faço a menor ideia. Eu simplesmente desconheço. Nossa equipe estava pronta em agosto. Nós tínhamos uma responsabilidade enorme pelo legado, foi um investimento de R$ 2 bilhões do governo federal, e não podíamos deixar aquilo ali sem estar bem administrado. Perdemos essa queda de braço. Perdemos para quem? Não tenho essa resposta. Nossa equipe não conseguiu nomear ninguém. O Marcelo pediu todos os cargos para ele. Nós com a disciplina castrense, respeitamos", afirmou o coronel Marco Aurélio Souto de Araújo, ainda hoje o secretário adjunto da secretaria - como Magalhães ainda não tomou posse como secretário, Araújo é quem comanda a pasta hoje.

Procurado, Magalhães disse que "quem tem que comentar são as pessoas que comandavam a pasta" e que, por isso, não fará comentários. Uma denúncia já foi feita à ouvidoria do Ministério da Cidadania apontando a existência de "fraude" no serviço público.

Após a publicação desta reportagem, Magalhães informou que teve um encontro no dia 14 de janeiro com a GL Events, que administra a Arena da Barra, para discutir que a empresa assumisse o Parque Olímpico. A privatização do legado, porém, não é atribuição dele, mas do Ministério da Economia. Magalhães também informou que teve "inúmeras" agendas com o ministro Osmar Terra (MDB-RS). Nenhuma delas consta na agenda do agora ex-ministro.

Legado largado

Quando a AGLO chegou ao fim, Araújo foi designado pelo então secretário de esporte, general Décio Brasil, para resolver o principal pepino da gestão. O projeto apresentado incluía o esporte cuidar da operação do legado, a secretaria executiva do Ministério da Cidadania cuidaria dos contratos e o Ministério da Economia dos estudos para a desestatização (privatização).

Para isso seria necessário o presidente Jair Bolsonaro assinar um decreto criando o novo escritório, o EGLO, o que só aconteceu no começo de dezembro. "Fizemos o que estávamos ao nosso alcance. A Secretaria Especial do Esporte fez o que estava ao seu alcance, mas não tínhamos a caneta. Essa estrutura foi criada em dezembro com prazo de validade até metade do ano. Só que o próprio Ministério da Economia diz que a desestatização precisa de um ano. Essa estrutura é muito precária. Não dá tempo de fazer a desestatização", avisa Araújo.

O coronel que foi o principal responsável, na prática, por cuidar para que o legado olímpico não fosse completamente abandonado, diz que não sabe por que o projeto "travou". "Montei uma equipe de 27 pessoas. Não tinha nenhum amigo, nenhum apadrinhado. Eu seria o responsável por isso, o deputado Luiz Lima (PSL-RJ) esteve comigo, viu a formação da nossa equipe, mas o troço não andou. Quando foi criado por um decreto, não conseguimos nomear as pessoas que a gente queria", reclama.

A única pessoa nomeada até hoje (e já exonerada) foi Marcelo Magalhães. De acordo com Araújo, o empresário tomou posse em 5 de fevereiro, mas nunca sequer se comunicou com a secretaria à qual era subordinado. Ainda segundo o coronel, o novo secretário passou 20 dias sem comparecer ao Parque Olímpico da Barra, onde fica a EGLO.

"Do dia em que ele tomou posse até o dia de hoje eu não posso te garantir onde ele trabalhou e como ele trabalhou. Mesmo tendo o vínculo, ele não se reportava a mim e ao general Brasil, só ao ministro. Não sei por qual razão. Eu sei que as informações que eu tenho é que na Barra ele não se fez presente durante todos esses dias. O que ele ficou fazendo eu não tenho essa informação", diz Araújo.

O Olhar Olímpico publicou ainda em dezembro que havia um desconforto muito grande da grande ala militar no alto escalão da Secretaria de Esporte com a nomeação de Magalhães. Mas, de acordo com Araújo e outras fontes ouvidas pelo blog nos últimos dias, a demissão do general Brasil foi uma completa surpresa.

"Da forma como foi feita, tem que ter uma razão. Muitos já me perguntaram (o motivo da demissão do general) e eu não tive essa resposta. O general também não teve. O general desagradou de alguma forma, não sei. Se existe ligação é entre o general e o desgaste que houve na nomeação do Marcelo. Desde que apareceu o nome do Marcelo houve um atrito pelo fato de o Marcelo não falar conosco, começou uma ferida. Não acredito que tenha sido o resultado do que foi feito na secretaria que causou a demissão", avalia o coronel.

O braço direito do antigo secretário não fala diretamente, mas o Olhar Olímpico apurou que, entre os militares, não há dúvidas de que o atrito com o padrinho de casamento de Flávio Bolsonaro derrubou Décio Brasil. E, ainda que os demais 18 militares com cargos na secretaria estejam "no escuro", sem saber se serão exonerados, a tendência é que a grande maioria (se não todos) saia.

Casa arrumada

Aguardando o momento em que será exonerado, uma vez que não tem "clima" para permanecer na secretaria com Magalhães, Araújo lamenta não poder dar continuidade ao trabalho no momento de colher os frutos do que foi feito ao longo de 2019. Ele e o general Décio Brasil chegaram à pasta em abril, depois da demissão do também general Marco Aurélio Vieira, e primeiro precisaram "arrumar a casa".

"Todos nós quando viemos para cá assumimos o compromisso de uma administração técnica. Pegamos um balcão de negócios, principalmente em SNELIS (Esporte, Lazer e Inclusão Social) e na Lei de Incentivo. Fomos corrigindo rumos. O trabalho foi longo, mas prazeroso. A gente estava fazendo um trabalho em prol dos interesses do Brasil. Até apresentar resultado isso leva tempo. A máquina é pesada. Nossa esperança era apresentar em 2020 excelentes resultados", disse.

O primeiro comandante da secretaria foi o general Vieira, que ficou pouco mais de 100 dias no cargo e foi embora sem ter conseguido nomear praticamente nenhum dos seus indicados, perdendo uma queda de braço com o então ministro da Cidadania, Osmar Terra. Brasil teve mais liberdade, mas inicialmente teve que lidar com um indicado do ministro na poderosa SNELIS: o ex-jogador de futebol Washington Cerqueira, que saiu em novembro, para a CBF. Para o lugar dele, aí sim os militares puderem escolher uma substituto: a ex-nadadora Fabíola Molina.

"O general (Brasil) teve um apoio bom para nomear seus principais secretários e diretorias. Esse andamento foi melhorando a cada dia. Refizemos a SNELIS, fizemos uma limpa, tiramos gente de administrações anteriores que estava atrapalhando o processo. A gente estava muito otimista, com uma equipe muito boa", diz. A SNELIS comanda, entre outros programas, as pequenas obras de equipamentos esportivos por todo o país e, por isso, tem o maior orçamento.

Araújo explica que a prioridade dos militares não era criar novos programas, mas arrumar a casa. "Quando a gente assumiu a secretaria, ela tinha um passivo de muitos problemas, principalmente combate a corrupção, descaso, desmandos. Tinha muita coisa para acertar, principalmente a Lei de Incentivo. Fomos criticados por não criamos mais programas, principalmente na área de lazer e inclusão social. Nossa prioridade não era criar programas, era pegar os existentes e aperfeiçoá-los. Quando se tem poucos recursos, você tem que priorizar a qualidade dos recursos. Dar celeridade na lei de incentivo, nos processos, para que a gente pudesse apoiar maior parte de projetos possíveis. Foi um grande desafio. Apresentar palanque político não era o foco, nunca foi o foco nosso. Para 2020, sim, nossa ideia, com nossas finanças saneadas, nossos processos arrumados, a gente poderia até pensar em dar saltos mais altos."

Após oito meses trabalhando dentro da secretaria, Araújo diz que entende a decisão do governo de acabar com o Ministério do Esporte, mas reconhece que houve perdas para o esporte. "Eu acho que o Ministério do Esporte perdeu virando secretaria. Os processos são complicados. Se a gente for olhar só pelo ângulo do esporte, ele merece ser só um ministério. O governo tinha essa plataforma de enxugar e aí tem que priorizar algumas áreas e o esporte não foi priorizado pelo governo. Eu acho que a nova estrutura ela prejudica o funcionamento de todos os processos de um antigo ministério, mas é um esforço que tem que ser feito. Eu entendi bem isso aí. A gente estava atendendo bem as demandas da secretaria", avalia.