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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que é machismo usar a frase "nem todo homem" no debate sobre violência

Daniel Alves comemora com jogadores da seleção na partida entre Brasil e Suíça pela Copa do Mundo do Qatar - Carl Recine/Reuters
Daniel Alves comemora com jogadores da seleção na partida entre Brasil e Suíça pela Copa do Mundo do Qatar Imagem: Carl Recine/Reuters

Colunista do UOL

26/01/2023 12h30

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Assim que começamos a falar da cultura do estupro e de como mulheres são submetidas a violências diárias apenas por serem mulheres aparecem as vozes que dizem "nem todo homem faz isso".

É quase imediata a reação de alguns diante de nossas denúncias e reclamações. Eles escutam o que dizemos e então precisam deixar claro que nem todo homem age nesses termos violentos.

Vou explicar por que a frase é machista e misógina.

Se estamos debatendo violências contra a mulher estamos falando de uma estrutura de poder.

Não estamos falando da minha vida ou da vida da minha mãe exatamente.

Estamos falando de como todas as mulheres são socializadas para se moldar a essa estrutura que as oprime, abusa, assedia, violenta, estupra e mata apenas por serem mulheres.

O homem que interrompe o debate para dizer "pera lá! Nem todo homem faz isso" está na verdade dizendo o seguinte: eu não sou esse cara.

Então vejamos: o rapaz interrompe um debate sobre a trágica situação das mulheres no mundo para dizer "olhem para mim. Vejam como sou legal e estou com vocês".

Não é sobre ele o debate. Mas ele dá um jeito de fazer ser.

"Nem todo homem" abusa, bate, mata, estupra, assedia, violenta. Claro que nem todo homem faz isso.

Eu conheço homens maravilhosos e alguns são mais sensíveis a esse tema do que muitas mulheres. Homens que entenderam esse mundo, seu papel nele e se comportam como aliados, como amigos e como companheiros de vida.

Então gente, sim, nem todo homem comete atrocidades contra mulheres.

Mas absolutamente todos os homens se beneficiam de uma sociedade organizada nesses moldes machistas e misóginos.

Nem toda mulher é feminista, mas todas são vítimas de uma sociedade organizada nesses moldes machistas e misóginos.

Usar a carta do "nem todo homem" é exibir um tipo de carência infantil que não tem muito como a gente curtir.

Até porque o cara que não comete violências diretas contra nossos corpos e almas já entendeu a profundidade do debate e resiste à tentação de chamar a atenção para si.

O "nem todo homem" só pode ser dito por aqueles que estão bastante à vontade dentro de uma sociedade construída sobre uma base machista, na qual o centro das atenções é sempre ele e, por isso, nem pensam duas vezes para fazer o assunto ser sobre si e suas supostas qualidades.

O uso do recurso enfraquece a luta das mulheres contra os horrores do machismo e da misoginia e, portanto, colabora para que a cultura do estupro siga intacta.

Falar de como você é bacana não nos ajudará. Continue sendo bacana, por favor, mas não precisa se paparicar publicamente.

A dica que eu daria é: resistam à tentação de fazer o debate ser sobre como você é um cara bacana.

A questão é maior, mais urgente e menos carente.