Milly Lacombe

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Palmeiras e Crefisa: uma história tão improvável quanto fascinante

Quando foi entrevistada no Roda Viva da TV Cultura, a mandatária do Palmeiras, Leila Pereira, começou a contar a história que deu no casamento entre a Crefisa, uma de suas empresas, e o clube. O corpo jornalístico ali reunido para entrevistá-la não deu bola.

É uma das complexidades de fazermos uma entrevista: se chegamos com a pauta prontinha - como devemos fazer - e não tiramos os olhos do papel é possível que deixemos de dançar conforme a música que a entrevista toca. Porque toda entrevista tem seu ritmo e, se for uma entrevista séria, ele não tem como ser antecipado. Podemos tentar controlar o andamento, mas sempre fracassaremos se estivermos olhando apenas a pauta e deixando de escutar o que diz a entrevistada.

Não houve naquela noite quem se interessasse pelos detalhes do encontro entre Crefisa e Palmeiras. Estavam mais interessados saber por que Leila não teve filhos, por que falava de suas empresas como "as empresas de meu marido" ou por que não esteve fisicamente presente na final da Libertadores feminina de 2022. Uma pena.

A história do encontro entre a patrocinadora e o clube é, além de curiosa, importante na medida em que, possivelmente, foi ela que mudou o curso da história para o Palmeiras.

Um dia, Leila Pereira, então principal executiva da Crefisa, chegou em casa e disse ao marido, empresário e palmeirense fanático: por que não patrocinamos o Palmeiras? José Roberto Lamacchia não entendeu, não passava pela cabeça dele uma coisa dessas. Ele era torcedor, não patrocinador. Leila insistiu e entrou na chave do "por que não?". Mas, não sendo conselheira do clube, não sendo amiga de ninguém no conselho, não tendo nenhuma entrada, não sabia como fazer.

Decidiu seguir por onde parecia mais razoável: pegou o telefone geral do clube e ligou. Atendeu uma telefonista, numa espécie de central telefônica, e Leila disse que queria falar com o presidente porque estava interessada em patrocinar o Palmeiras.

Ao contexto: o ano era 2015, o Palmeiras vinha de um 2014 tenso depois de brigar para não ser outra vez rebaixado, como tinha sido em 2002 e 2012, estava sem patrocinador, a fase que era considerada ruim hoje é entendida como "de reconstrução".

A telefonista do clube, talvez achando que a ligação era um deboche, desligou. Leila tentou outras vezes até ser levada a sério.

Enfim conseguiu um horário com o então presidente Paulo Nobre. Frente a frente, negociaram valores e fecharam acordo.

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Teria sido muito bacana saber mais detalhes de todo esse passo-a-passo, assim como o ambiente durante o primeiro encontro entre Leila e Paulo.

Desde então, Leila tomou gosto pelo negócio do futebol. Primeiro como patrocinadora, depois como conselheira, finalmente como presidente.

O Palmeiras estaria onde está sem ela? A resposta passa por fazermos outras perguntas: Haveria ainda Abel sem Leila? Haveria Gomez? Haveria Veiga, Zé Rafael? Haveria equilíbrio nas contas?

São perguntas pertinentes. Paulo Nobre teve a coragem de recuar e olhar para as raízes do clube. Foi seguido por quem deu continuidade ao trabalho bem feito e, depois, pela ousada empresária que ignorou conselhos e dicas sobre como deveria agir para, seguindo sua teimosia e intuição, escrever uma história de tremendo sucesso em muitas frentes dentro do clube.

O Palmeiras consegue manter sua camisa menos profanizada do que seus concorrentes por ter apenas dois patrocinadores - ambos empresas de Leila Pereira. Outras, como a do Corinthians, estampam muitas marcas em meio à numeração, nome dos atletas e o sagrado escudo. Haja talento para encaixar tudo em tão pouco espaço. Fica medonho? Fica. Mas quem está ligando?

Quando as camisas passaram a ser vendidas para patrocinadores, na década de 80, foi um escândalo. Muita gente chamando a atenção para a perda do espaço do sagrado naquilo que chamamos de manto. Isso ficou para trás. Agora podem meter no uniforme o que for: na meia, no calção, no sovaco se for preciso.

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Não debatemos mais o ramo de atuação dessas empresas: quem reclama de bancos deveria reclamar de casas de apostas. Menos nocivo seria ter o Botequim do Augusto na camisa, mas o Boteco do Guto não paga as contas dos clubes hoje.

O Palmeiras talvez fique sem a Crefisa porque o contrato vai vencer e há, agora, muitos interessados em se associar a um uniforme tão competitivo - não era assim quando Leila chegou.

Se acabar, a história desse casamento terá sido de absoluto sucesso. Um sucesso que pode ser medido em grana, em taças e em Leila Pereira, que jamais teria se aproximado do clube se não tivesse sido invadida por um ímpeto tão amalucado quanto apaixonado de um dia perguntar ao marido: e se a gente patrocinasse o Palmeiras?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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