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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em transe fantasiado de desabafo, presidente da Fifa aprofunda o horror

Jair Bolsonaro ao lado do presidente da Fifa, Gianni Infantino - KARIM JAAFAR/AFP
Jair Bolsonaro ao lado do presidente da Fifa, Gianni Infantino Imagem: KARIM JAAFAR/AFP

Colunista do UOL

19/11/2022 16h14

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Demorei para ver a performance de Gianni Infantino, presidente da Fifa, falando, já no Qatar, a respeito do que estava sentindo com a Copa.

Numa sala de imprensa, em tom dramático, deixando que as frases saíssem lentamente, parecia acreditar que estava levando às lágrimas seus ouvintes.

"Hoje me sinto qatari [pausa dramática]. Hoje me sinto árabe [pausa dramática]. Hoje me sinto africano [pausa dramática]. Hoje me sinto gay [pausa dramática]. Hoje me sinto PCD [pausa dramática]. Hoje me sinto um imigrante trabalhador [pausa dramática]"

Infantini saiu listando tudo o que achou que poderia causar emoção. Só não falou que se sentia mulher, obviamente. Essa seria a humilhação mais profunda.

Terminada a performance, silêncio constrangedor.

Na sequência, ele emenda os absurdos cometidos acima com um discurso anti-colonizador dizendo que europeus deviam se envergonhar com o que fizeram no mundo por três mil anos e parar de querer dar lição de moral nos outros.

Sim, deviam.

Mas se Europeus devem se envergonhar por tudo o que envolve o processo de colonização (genocídios, explorações, extorsões, maus tratos, assassinados, escravizações, saques...) como aceitar realizar a Copa dentro de um país que atualizou todo esse horror?

O fato de o horror estar acobertado por práticas empresariais de gestão não deveria diminui nossa repulsa.

Uma pessoa que trabalhe doze horas por dia, sete dias por semana, sem direitos trabalhistas, com o passaporte retido e sem condições básicas de higiene é, a rigor, uma pessoa escravizada.

Por que a Fifa, tão anti-colonizadora, aceitou que uma Copa fosse realizada nesses termos?

A ginástica retórica do italiano - que diz saber o que é preconceito porque enquanto teve cabelo na cabeça o cabelo era ruivo - não colou e, ao não colar, soou alucinatória e hipócrita.

Tudo ficou ainda pior quando o diretor de relações com a imprensa da Fifa, Bryan Swanson, disse que era gay e se sentia à vontade no Qatar.

Um homem branco, milionário e poderoso, gay ou hétero, se sente em casa até no inferno, querido Swanson.

A "coletiva" dos dirigentes da Fifa no Qatar às vésperas do pontapé inicial da Copa vai entrar para a história como um dos momentos mais pífios e vergonhosos do futebol.

Não há dinheiro que torne eloquente ou explicável o fato de uma Copa do mundo estar sendo disputada em um país tão violento a todas as minorias políticas do mundo.