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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Enquanto Bolsonaro desfila todo o seu machismo, os demais candidatos calam

Jair Bolsonaro (PL) durante debate para as eleições presidenciais - Reprodução/Youtube
Jair Bolsonaro (PL) durante debate para as eleições presidenciais Imagem: Reprodução/Youtube

Colunista do UOL

28/08/2022 23h49

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O debate tinha começado fazia pouco mais de uma hora quando a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura, fez sua pergunta. A reação de Bolsonaro à pergunta viajou à raiz da misoginia e do machismo: agressiva, fora de tom, vulgar, sugerindo que o que a jornalista sentia por ele era algum tipo de atração.

Enquanto Bolsonaro falava suas barbaridades, Ciro sorria largamente como quem acha engraçado o que está escutando.

De todas as reações possíveis ao que dizia Bolsonaro, sorrisos largos estavam entre as piores.

Logo depois da cena lamentável, nem Ciro, nem Lula, nem o candidato do Novo foram capazes de falar a respeito do que disse Bolsonaro a Vera.

Nenhum dos apresentadores citou o ocorrido, reprovou ou se indignou.

Passou como se nada tivesse acontecido. A única reação foi mesmo a risada larga de Ciro.

Calar é compactuar. Calar é diminuir. Calar é autorizar.

Na sequência, as candidatas mulheres se colocaram contra o que viram e ouviram. Foram elas que marcaram o ocorrido como inaceitável e inegociável.

Jair Bolsonaro é o mesmo que, enquanto deputado, disse a uma colega que só não a estuprava porque ela não merecia. O tipo de violência que uma frase dessas inaugura é inominável.

No Brasil, a cada dez minutos uma mulher é estuprada - e esses são números sub-notificados.

Jair Bolsonaro foi eleito presidente sem jamais esconder o que sente por mulheres, que já chamou de fraquejadas.

Ontem, até interagir com Vera, o presidente em exercício estava tentando se controlar. Mas bastou uma pergunta que ele considerou indigesta para deixar sair todo o seu ódio pelas mulheres. Um ódio bastante profundo e que, quando não pode ser represado, sai em forma de violências e truculências verbais.

O elogio que Bolsonaro fez ao estupro quando era deputado, uma das declarações oficiais mais delinquentes já dadas, não é sequer citado ou usado contra ele em debates, o que dá a medida de como a cultura da violência de gênero está estruturada na sociedade.

Depois da agressão à jornalista, a organização do debate não se pronunciou. Vera Magalhães não teve sequer uma sugestão para direito de resposta.

A agressão misógina e descabida ficou por isso mesmo. Como se fosse parte do jogo.

No terceiro bloco, Bolsonaro decidiu que seria adequado falar de temas de interesse das mulheres com ninguém menos que Ciro Gomes, mesmo podendo, pelas regras, perguntar a qualquer uma das candidatas.

A interação entre os dois candidatos foi um show de desconhecimentos e explicações cheias de masculinidades tóxicas, ambos se atacando mutuamente em suas misoginia e machismo.

O candidato do Novo não poderia ficar de fora desse circo de masculinidades toscas, claro.

Quando teve sua chance de falar sobre políticas públicas para mulheres, chamou algumas vezes a lei Maria da Penha de lei Maria da Paz, revelando o mais absoluto descaso e desinteresse pelo tema.

Lula usou seus dois minutos finais para prestar uma acanhada e desprezível solidariedade a Vera Magalhães.

A misoginia foi para o centro do debate, num espetáculo grotesco, ofensivo e detestável puxado por Bolsonaro e compactuado por Ciro, que ao final bem que tentou falar a respeito das ofensas a Vera Magalhães, mas foi incapaz de dizer qualquer coisa minimamente decente ou útil.

Ao encerrar, Bolsonaro se despediu usando slogan criado pelo fascismo na Europa: Deus, Pátria, Família. Nós sabemos profundamente de que tipo de família ele está falando, e do papel da mulher nesse arranjo.

Foi assim que o candidato e atual mandatário colocou tudo em perspectiva deixando cristalinamente claro para quem estiver disposto a escutar que a luta nessa eleição é entre manter vivo o pequeno vestígio de democracia que ainda nos resta ou ceder de vez ao fascismo bolsonarista.