Milly Lacombe

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O Agro é burro

Estudo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura estimou que catástrofes climáticas ocorridas entre 1991 e 2021 geraram perdas de US$ 3,8 trilhões, cerca de 20 trilhões de reais, ao setor agropecuário em todo o mundo. Seria apenas trágico se não fosse também absurdo, já que uma das indústrias que mais colaboram para o caos climático é justamente a do agronegócio. O que dizer de uma indústria que trabalha arduamente pela sua própria extinção?

Não é possível que achemos normal que o modelo de negócio do Agro siga nesses termos mesmo tendo conhecimento de que, se nada mudar, a experiência humana nesse planeta será interrompida. Mas vá lá. Que o Agro não esteja nem aí para como nossas vidas acabarão. Ainda assim, será que ele não se importa em provocar a própria destruição?

Pelo visto, não.

Claro que essa reflexão só faz sentido para aqueles que sabem que o clima está sendo alterado pela ação humana e que desmatar e queimar a Amazônia, o Cerrado e demais biomas causa inundações no Rio Grande do Sul, no Piauí, no Rio etc, e calor sufocante durante o ano inteiro no resto do país. Bem mais confortável, sem dúvida, é fingir que nada disso é verdadeiro, que a culpa pela calamidade é da chuva, e seguir a vida até onde der. Encarar o abismo não é para qualquer um. Pelo menos até que você e sua família sejam alcançados pela próxima grande seca ou grande cheia é possível ir vivendo desse modo acolhedoramente negacionista.

Levantamento parcial da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revela que as tempestades registradas desde 29 de abril no Rio Grande do Sul geraram pelo menos R$ 8 bilhões em prejuízos financeiros. Dentro disso, a agropecuária soma R$ 1,161 bilhão de perdas numa conta que está longe de ser totalizada. O que podemos afirmar é que o Agro é o setor mais vulnerável ao aquecimento global provocado pela ação humana.

Aqui seria importante lembrar que o pequeno agricultor não faz parte do Agro da mesma forma que o proprietário do Renegate não será supertaxado quando finalmente começarmos a cobrar altos impostos de bilionários.

O Agro, como ficou popularmente conhecida a cadeia produtiva relacionada à agricultura e à pecuária, é composto de corporações e não de pequenos agricultores ou de pessoas que trabalham na agricultura familiar. Se você tem seu sitiozinho e faz aí seu cultivo para vender, por mais que isso possa ferir seu ego, você não é o Agro.

Lembro que durante a última eleição presidencial eu vi um Uno bem baleado trafegando por uma estrada de Minas Gerais com um adesivo onde se lia "Eu sou o Agro" ao lado da foto de Jair Bolsonaro. Minha vontade era abrir a janela e berrar: não, você não é o Agro, meu querido.

Por que, então, o Agro, em vez de seguir fazendo seu lobby para destruir leis que protegem a natureza, não começa a pensar em um novo modelo de negócio que evite terminar por destruí-lo?

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Vejam, não estou aqui pedindo sequer para que o Agro pense nas nossas vidas mas apenas que pense na sua própria existência e continuidade. O que faz seus principais atores seguirem atuando de modo tão predatório e estúpido? Por que não sentam à mesa com aqueles e aquelas que de fato estão lutando pela sobrevivência da espécie, que são as populações originárias, e pensam em alternativas de curto, médio e longo prazo?

A primeira reação é achar que o Agro é burro e que por isso não consegue alterar a rota. O capcioso dessa pergunta é que, quando o Agro tiver concluído suas ações destrutivas sobre esse planeta, será tarde demais para encontrar uma explicação. Lamentavelmente, falta muito pouco para esse dia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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