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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O futebol e o dia da diversidade indígena

Garrincha durante a Copa do Mundo na Suécia, em 1958 - ullstein bild Dtl./ullstein bild via Getty Images
Garrincha durante a Copa do Mundo na Suécia, em 1958 Imagem: ullstein bild Dtl./ullstein bild via Getty Images

Colunista do UOL

19/04/2022 13h49

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Dia 19 de abril não é o dia do índio. As populações nativas têm ensinado pra gente que esse dia, conforme ficou estabelecido, apenas acentua a opressão e reforça estereótipos. Se querem criar um dia para celebrar os povos originários dessa terra, então que seja, como sugere o educador Daniel Munduruku, o dia da diversidade indígena.

Diversidade que se traduz em centenas de povos, centenas de filosofias, centenas de línguas e tradições. Traduções que estavam aqui muito antes da invasão portuguesa. E tradições que também têm o futebol como parte da cultura.

Futebol jogado com os pés, com a cabeça, disputados ao longo do dia por diversão ou em torneios dentro e fora das aldeias.

Futebol feminino, futebol de crianças, futebol dos mais velhos.

Aprendemos que o futebol é uma ideia muito britânica e essa é apenas mais uma das mentiras que nos contam. Jogos como o futebol existem há mais de três mil anos pelo mundo inteiro. O que os ingleses fizeram foi regular o jogo. E o que a classe trabalhadora boleira e brasileira fez foi acrescentar ginga a ele.

A relação entre o futebol e as populações nativas é profunda a ponto de um dos maiores jogadores do mundo ser descendente de indígenas: Garrincha era descendente do povo Fulniô, que são os únicos indígenas do Nordeste que conservam seu idioma tradicional até hoje, driblando, assim, parte da opressão do colonizador.

Seria importante que soubéssemos mais sobre as pessoas que estavam aqui quando os colonizadores chegaram. Importante que compreendêssemos suas tradições, filosofias e línguas. Importante entender que esse país que se chama Brasil foi construído a partir de extermínios e de genocídios cometidos contra indígenas e negros e que, portanto, somos formados e formadas não apenas por essa história de horror e de violência, mas também por esses saberes tão ricos.

Dia 19 de abril não é o dia do índio, mas pode ser um dia para que a gente busque conhecer todas as filosofias que fazem parte da formação dessa nação. Culturas que são fundadoras do Brasil, línguas que são também nossas, tradições que deveriam ser de conhecimento público.

Dia 19 de abril poderia ser o dia da consciência indígena; um dia pra gente se orgulhar desses povos que lutam há cinco séculos pelo direito de existir numa terra que sempre foi deles.

Dia 19 de abril é apenas mais um dia de luta.

Para saber mais, basta prestarmos atenção. Representantes desses povos estão aí na luta por um país decente e inclusivo. Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Sonia Guajajara, Txai Suruí, Alice Pataxó, Adrielle Priscila, Joenia Wapichana, Celia Xakriaba, Lídia Guajajara, entre tantas e tantos outros estão falando e explicando. É tempo de escutar.

Deixo aqui uma dica de livro: A Queda do Céu, de Davi Kopenawa.