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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Milly: Mede-se tamanho de um time pelo peso do rival. Parabéns, Palmeiras

Palmeiras de 1972: (da esquerda para a direita, de pé) Eurico; Leão, Dudu, Luis Pereira, Alfredo e Zeca; (agachados) Edu, Leivinha, Cesar, Ademir da Guia e Nei - Arquivo/Estadão
Palmeiras de 1972: (da esquerda para a direita, de pé) Eurico; Leão, Dudu, Luis Pereira, Alfredo e Zeca; (agachados) Edu, Leivinha, Cesar, Ademir da Guia e Nei Imagem: Arquivo/Estadão

Colunista do UOL

26/08/2021 18h04

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Eu cheguei a São Paulo na década de 70. Meu pai arrumou um emprego na cidade e a família se mudou do Rio para essepê. Lembro do dia da mudança, de entrar em casa e, entre caixas, ligar um aparelho de TV preto e branco. Devia ser um domingo? Não sei e minha mãe não lembra. O que sei é que na TV dois times jogavam bola. Não eram nem o Fluminense, nem o Flamengo, nem o Vasco, nem o Botafogo; e eu só conhecia esses times. "Esses são Corinthians e Palmeiras", disse meu pai passando pela sala com caixas nas mãos. "Qual é qual?", perguntei, e ele apontou. Mas em minutos eu já tinha me esquecido qual era qual e a imagem branca e preta não ajudava. Devo ter perguntado "qual é qual?" pelo menos mais dez vezes. E por dez vezes meu pai apontava paciente e sorridente. "O Palmeiras é o time dos italianos", ele informou. Pois então estava decidido: eu seria palmeirense. Não havia como escapar desse destino já que minha mãe nasceu numa cidadezinha bem perto de Roma, meu sangue é metade italiano e eu tinha que torcer para aquele time. Mas qual era qual?

O tempo passou, minha história de amor pelo Corinthians é uma outra história, mas minha história de simpatia com o Palmeiras é essa história. Eu nunca detestei o rival. Claro que já xinguei, já amaldiçoei, já chorei, já me desesperei por causa do Palmeiras, mas sempre existiu em mim uma enorme admiração. Não apenas pela ligação com a Itália, mas por ter sido a torcida que pegou o "Porco" e se apropriou dele. Que tipo de torcida é capaz de ter essa sagacidade, esse tipo de humor?

Inúmeras vezes fui ao Palestra Itália ver o Palmeiras jogar. Quase entrei clandestina num bar subterrâneo (ou assim eu registrei) para ver de dentro a torcida torcer. Já me misturei a palmeirenses nas arquibancadas do Palestra, já aplaudi gols, já me emocionei com algumas jogadas e viradas.

E me apaixonei por palmeirenses que são algumas das pessoas mais encantadoras e sensíveis que conheci. Quando achava que queria ter filhos, recorri ao Sergio, meu lindo, gostoso e brilhante amigo, mas chegamos a um embate porque seu pai, Nabil Cury, a pessoa que mais amou o Palmeiras que já conheci (ao lado de Edson Rossi, meu eterno mentor), não estava suportando a ideia de correr o risco de ter um neto corintiano.

Tudo isso escrevi para chegar aqui: Nabil nos deixou há dois dias. Foi embora cedo demais, pouco antes de ver o time que ele tanto amou completar 107 anos. Não faz sentido que pessoas lindas, sensíveis, justas, engraçadas, divertidas e dançantes vão embora assim tão cedo, assim sem dizer tchau, assim sem dar um último abraço. Hoje, em homenagem aos 107 anos, Nabil estaria com a camisa, tomando uma cervejinha ou um uisque, brindando às cores que ele reverenciou nessa vida.

Eu já simpatizava com o Palmeiras antes de saber da morte do seu Nabil. Mas agora, diante da notícia, minha admiração cresceu ainda mais. Vá em paz, meu amigo. Vá ver seu Palmeiras de um lugar mais decente, menos violento, mais justo, mais harmônico. A vida é um instante e a gente logo se reencontra. E obrigada por me dar de presente esse amigo sincero, sensível, engraçado e brilhante que é o Sergio.