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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A seleção brasileira na encruzilhada

Richarlison comemora com Neymar na vitória do Brasil sobre o Equador - Buda Mendes/Getty Images
Richarlison comemora com Neymar na vitória do Brasil sobre o Equador Imagem: Buda Mendes/Getty Images

Colunista do UOL

05/06/2021 20h21

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Encruzilhada, ensina o professor e jurista Silvio Almeida, é coisa boa. É na encruzilhada que a gente pode optar pelo caminho a seguir, é o lugar onde novas possibilidades de trajeto nos são oferecidas. É ali que a gente para, reflete e faz escolhas.

A seleção brasileira de futebol masculino está numa dessas situações agora. Pode optar por se manifestar contra a realização da Copa América no Brasil durante a pandemia - se colocando ao lado da solidariedade, da lógica humanitária e da empatia -, ou pode se curvar às pressões de Brasília, calar e jogar.

O ambiente por lá deve estar agitado, como sugere a entrevista que Casemiro deu ao repórter Erik Faria: o grupo estaria unido em nome do que parece que é o desejo unânime de não entrar em campo, mas sofrendo pressão para não se posicionar. O que revela a falta de respeito que a CBF tem à liberdade de expressão. Casemiro justificou o silêncio alegando "respeito à hierarquia", mas hierarquia que impede subordinados de se expressarem mais parece autoritarismo, despotismo, arbitrariedade, opressão.

No sábado à tarde, chega da capital federal a informação de que um assessor do presidente da República diz que os jogadores não deveriam desafiar o presidente: Bolsonaro vê como questão de honra a realização da Copa América em solo nacional. Podemos apenas especular como o presidente estaria se articulando para não passar pelo que considera o mico de ser desautorizado pelos jogadores.

Podemos também especular o que estaria acontecendo dentro do grupo que reúne atletas e comissão técnica. Tomando por base as palavras de Casemiro, estariam unidos por um único desejo. Acontece que dentro de qualquer grupo de seres humanos há pensamentos e ideias diferentes e às vezes conflitantes, e não há nada de errado com isso. Opiniões são mesmo diferentes porque são construídas com base em experiências de vida diferentes, e é na conversa e no diálogo que se alcança um consenso.

Mas não estamos falando de consenso para decidir se o grupo vai jogar com meias brancas ou cinzas, nem mesmo consenso sobre detalhes de logística da viagem ao Paraguai. Estamos falando entre uma decisão que vai colocar a seleção ao lado da consciência ou ao lado da violência. E sabemos que no grupo há jogadores que se consideram amigos de Jair Bolsonaro, e há outros que costumam se manifestar politicamente alinhando-se a causas humanitárias, contrárias às de Bolsonaro, portanto, como Richarlison.

Nessa matemática, Tite e Richarlison poderiam ser os articuladores de uma mobilização que faria o grupo optar pelo bom senso e não entrar em campo. Outros jogadores, alheios a motivações políticas, poderiam concordar em nome de férias (motivo mais que legítimo), e outros tantos poderiam se convencer de que o momento pede algum gesto de empatia diante do massacre que a população brasileira está sofrendo. Mas deve também existir aqueles que estão, nesse exato instante, recebendo chamados autoritários direto de Brasília. É a vida: quando a gente faz pactos com o Diabo, o Diabo tende a cobrar, cedo ou tarde.

Seria um momento importante para que a seleção decidisse fazer história. Quem sabe conseguir até começar a recuperar a moral dessa camisa amarela, tão surrada por manifestações proto-fascistas. Quem sabe se essa atitude revolucionária de não entrar em campo seria capaz de devolver a uma parte da população o orgulho pelo time, pelas cores, por valores nobres e solidários.

Não temos como saber. Tudo até aqui é especulação. Menos a encruzilhada. Essa é real, muito real. E a ela temos - sempre - que agradecer. É ali, onde os caminhos se cruzam, que o encantamento costuma acontecer.