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Agente conta felicidade de Abel com clube e família: "Está completo!"

Abel Ferreira já teve pelo menos 15 procuras do exterior para deixa o Palmeiras - Heber Gomes/AGIF
Abel Ferreira já teve pelo menos 15 procuras do exterior para deixa o Palmeiras Imagem: Heber Gomes/AGIF

Colunista do UOL

27/10/2022 14h16

A um passo de conquistar o Brasileirão, dependendo apenas de uma vitória diante do Fortaleza, na próxima quarta-feira, Abel Ferreira continua de corpo e alma no Palmeiras, com quem tem contrato até dezembro de 2024. Não tem balançado nem sequer com as notícias sobre um eventual interesse da seleção brasileira.

Em entrevista exclusiva ao Blog, Hugo Cajuda, empresário do treinador português desde os tempos de Braga, contou detalhes do dia a dia do amigo e cliente, que já ergueu cinco troféus no Verdão, e também aproveitou para fazer uma leitura especial dos últimos três anos do vitorioso e exigente trabalho no futebol brasileiro.

Quais são as principais mudanças do Abel Ferreira que chegou ao Palmeiras para o Abel Ferreira que está muito perto de ser campeão do Brasileirão?

A parte mais óbvia tem a ver com a quantidade dos troféus que conseguiu vencer, sobretudo pela relevância e dificuldade, não só a nível nacional, como a nível internacional, entrando num lote muito reduzido de pessoas que atingiram tais feitos. Agora, a parte mais importante é toda a experiência adquirida como profissional enquanto treinador e homem no campo pessoal e das relações. Hoje, está claro que Abel é um técnico ainda mais capacitado e melhor preparado para enfrentar os desafios da sua carreira, porque o processo formativo do treinador e homem nunca termina, sempre se vai transformando. Todas as experiências que ele enfrentou fazem dele alguém extremamente competente.

Para uma pessoa de mente aberta como ele, com desejo de aprender e de evoluir, viver num país culturalmente diferente, competir numa liga extremamente exigente e trabalhar com pessoas que têm pontos de vista e métodos até diferentes... tudo isso é como ter uma formação diária grátis de conhecimento. O Abel acrescentou muito ao Palmeiras, deu todas suas gotas de suor, energia e conhecimento, e todas as experiências vividas e relações construídas com jogadores, clube e torcedores fazem dele um técnico altamente preparado para qualquer desafio.

Quando vocês olham para trás, para o início das negociações com o Palmeiras, quais são as primeiras lembranças?

As primeiras lembranças que me ocorrem têm a ver mais com a transformação pessoal na vida dele e de cada um dos seus assistentes. É comum pensar que só porque os profissionais de alto nível do futebol têm um rendimento econômico superior em relação à maioria dos cidadãos então têm a obrigação de suportar de tudo. Mas não pode ser assim. Não deixam de ser humanos só porque têm um salário superior

A mudança foi radical. Não só mudaram de país como mudaram de continente. Cultura, liga, mentalidade, imprensa, estilo de vida, distância da família, entre outros. Isso para um profissional é mais simples, mas explicar para uma família inteira que também vai ter de fazer essa mudança, ou pior, que vai ter de ficar privada de pai, marido ou filho, é muito mais complexo. Com maior ou menor dificuldade, esse processo complexo foi ultrapassado. No plano profissional, por sua vez, foi muito simples.

Desde que se colocou a possibilidade de ir para o Brasil, o Abel e os assistentes abraçaram a ideia com os dois braços. A apresentação do clube e do projeto foram impecavelmente feitas pelo Presidente Galiotte, Zanotta, Barros e Cícero, e a partir daí a motivação era tal que não houve nem sequer um segundo para dúvidas. Parece que já pressentiam o que viria a acontecer.

Momentos bons foram vários, mas qual foi a passagem mais complicada do Abel no Palmeiras?

Não há carreiras sem derrotas, assim como não há vidas sem dias ruins. A história do Abel no Palmeiras é gloriosa, única, mas logicamente em três temporadas teve jogos que perdeu, finais que não ganhou, e isso dói. Faz parte do processo, porque nunca um treinador ganhou todas as competições que disputou, e nunca vai acontecer. Mas não ganhar uma final não é comparável ao sacrifício de não poder abraçar seus familiares, de não acompanhar e ser acompanhado pela sua família, filhos, esposa e pais.

Houve momentos em que o Abel esteve fisicamente e emocionalmente devastado, e que só ele próprio sabe o quanto lhe custou para ultrapassar tudo.
As vitórias, o sucesso, o dinheiro e o reconhecimento são situações que te geram conforto, enquanto o calendário sobrecarregado e o trabalho extenuante te ocupam a mente e o tempo para não pensar tanto na ausência dos seus. Nada resolve o problema de ser um homem de família e não poder estar com ela.

Foram momentos muito duros para ele, que, felizmente, conseguiu ultrapassar, também com o apoio e o carinho das pessoas do clube e dos torcedores no geral. Hoje, o Abel está completo a esse nível, porque tem sua família junto.

Como o Abel lidou com tantas propostas e sondagens de fora nos últimos meses? Chegou a balançar com alguma?

Lidou e lida com a naturalidade de um profissional que sabe que estudou e estuda, se preparou e se prepara, trabalhou duro e trabalha. Que procura ensinar e compartilhar o que sabe, mas que também aprende sempre com todas as experiências. Quando um profissional segue estes passos, sabe que está dando o melhor de si. Quando dá o melhor de si, está mais perto do sucesso e, com o sucesso, vem o reconhecimento geral.

Já recebi nos últimos três anos mais de 15 procuras concretas pelo Abel. Sem especificar nomes, por respeito aos clubes, posso adiantar que só em outubro tive possibilidades concretas da Premier League, da Liga Espanhola, da Liga Italiana e da Liga Francesa, e ele não se desviou um milímetro do foco do momento que é vencer o Brasileirão pelo Palmeiras, o único título que lhe falta ganhar.

É agradável ser reconhecido e desejado por outros clubes, mas ele faz o que o coração lhe diz. O coração dele é feliz no Palmeiras. O Palmeiras é o presente.

O Abel já tem noção da história que escreveu no Palmeiras?

Ele tem a noção exata, porque nada lhe foi dado até hoje, tudo foi conquistado. Tudo surgiu de muito trabalho físico e mental que ele coloca na sua profissão, e por isso valoriza muito as conquistas. Sabe o quanto teve se de empenhar para atingir o patamar de hoje. Mas a verdadeira noção, acho que vamos ter em cinco, dez ou 20 anos, quando ele não estiver mais no clube. Vai ser mais fácil verificar o impacto dele na instituição, o legado que vai deixar.

O Abel é o treinador que venceu mais provas internacionais pelo Palmeiras. Quebrou recordes nas competições que disputou. O legado que deixa é impressionante, porque não foi resultado de investimentos de dezenas de milhões de euros, como, por exemplo, em outros clubes. Já usou até ao momento 28 jogadores das categorias de base nessas conquistas. É um aproveitamento da estrutura do clube sem igual.

O mesmo foi visto nos outros clubes por onde passou e onde é continuamente acarinhado e reconhecido pelo profissionalismo, pela qualidade do trabalho produzido e pelas relações de amizade e carinho que nutre até hoje com as gestões dos antigos clubes. Ao contrário do que uma parte da imprensa às vezes insinua, o Abel é um profissional muito fácil de lidar, muito querido em todos os clubes por onde passou. Sem exceção. Jamais teve problemas com presidentes ou diretores. Zero. Basta ligar para eles e confirmar. Difícil é acompanhar o nível de exigência e profissionalismo dele, mas isso aí tem outro nome...

Como vocês, em conjunto, enxergam xenofobia sofrida pelo Abel no Brasil? Ora por parte da imprensa, ora por alguns colegas de profissão...

Para nós, portugueses, é difícil de entender determinadas coisas, porque nós recebemos estrangeiros há décadas no futebol português. Há hoje centenas de brasileiros em Portugal, lidamos com isso de forma muito natural. Se não me engano, na década de 1950 recebemos o primeiro treinador brasileiro, depois outros argentinos, suecos, ingleses, entre outros. Nas décadas de 80, 90 e 2000, já passaram dezenas de treinadores brasileiros por Portugal, como Marinho Peres, Felipão, Abel Braga, Carlos Alberto Silva, Paulo Autuori, e muitos outros, todos bem recebidos, e que até hoje deixam saudades. Qualidade não tem idade e nacionalidade.

É muito difícil entendermos determinados comportamentos de alguns jornalistas e, inclusive, de alguns colegas de profissão. Mas minha ideia vai ser sempre a de valorizar quem quiser contribuir para a melhoria e a evolução do futebol no geral, quem quiser contribuir, ensinar, compartilhar e também aprender tem o meu voto. Temos é de desvalorizar quem critica só porque sim, por causa de cor ou de país diferente. E mais: o Brasil tem excelentes treinadores, jovens e experientes. O Felipão, por exemplo, é finalista agora da Libertadores. Por isso, esse clima gerado às vezes é descabido

Vivemos num mundo competitivo, a concorrência existe em todas as áreas, e o futebol não é exceção. Poderíamos aproveitado o tempo perdido com desrespeito para estudar, trabalhar e no fundo estarmos mais preparados para batermos a própria concorrência.

Podia dar imensos exemplos, mas, novamente, vou dar o mais recente apenas: Felipão, um senhor que foi feliz em Portugal e fez os portugueses também felizes, e que sabe que tem os portugueses de braços abertos para recebê-lo sempre. Convém ainda dizer que não são os treinadores portugueses, argentinos ou uruguaios que acordam um dia do nada e resolvem pegar um avião paro Brasil. Pelo contrário. São os clubes brasileiros que procuram e estão procurando cada vez mais os treinadores estrangeiros.

Quanto ao resto, não vale a pena polemizar. Assistimos, ouvimos e registramos. Ponto

A seleção brasileira está no horizonte? E a seleção portuguesa?

Nenhum comentário sobre isso. O Abel está focado no Palmeiras, apenas no seu trabalho. Não vamos ser nós a criar qualquer foco de distração ou desestabilização em duas instituições (seleção brasileira e seleção portuguesa) tão importantes e com tanto significado para milhões de pessoas nas vésperas da maior competição que disputam.