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Lei em Campo

13 de maio: o esporte nem sempre silenciou na luta contra o racismo

13/05/2020 12h54

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O dia 13 de maio - a Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil, foi assinada em 13 de maio de 1888 - deve ser sempre lembrado, não só pelas lutas já vencidas pelos negros no Brasil, mas como uma data para reforçar que o caminho da justiça e de uma igualdade de fato ainda precisa ser seguido. Uma luta que já contou com personagens importantes do esporte brasileiro, que hoje andam calados.

O apoio à diversidade tem sido uma batalha de vários movimentos ao redor do planeta. Vários movimentos sociais, como também influenciadores, artistas e atletas se manifestaram de diversas maneiras sobre a importância do respeito e da necessidade de inclusão. Mas no futebol, personagens importantes do esporte estão ausentes, o que é uma pena.

É preciso lembrar de Leônidas da Silva, de Reinaldo, Wladimyr.

O esporte sempre foi um catalisador de transformações sociais pelo mundo. Ele ajudou na luta contra o racismo, contra a discriminação aos mais pobres, até na abertura democrática brasileira durante os anos da ditadura.

Levantamento do Obervatório do Racismo mostra que as manifestações de injúria racial têm crescido no esporte. A verdade é que a democracia das raças ainda é uma falácia, inclusive no futebol.

É importante entender que a sociedade evolui, e o esporte não pode ficar preso a costumes discriminatórios. Ele precisa evoluir e integrar, aproximar e acolher a todos. No Brasil a Justiça Desportiva não deve permitir mais comportamentos discriminatórios. Para isso, ganhou um aliado.

Para ajudar, o novo Código Disciplinar da FIFA, uma espécie de lei do futebol, aumentou o cerco ao combate ao preconceito no futebol, uma preocupação necessária do movimento esportivo.

Lei o artigo que Marcelo Carvalho, responsável pelo Observatório do Racismo no Futebol, escreveu sobre importantes manifestações de atletas no combate ao racismo.

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A cada novo pronunciamento de um atleta americano sobre racismo, violência policial contra os negros ou questões políticas nos Estados Unidos, eu me pergunto - e vejo tantos outros arguirem: e os atletas negros brasileiros, quando vão se posicionar?
Nestes momentos, lembro de um evento em São Paulo com a presença de uma jornalista americana que questionou os participantes: como a sociedade brasileira - e principalmente os negros - encaram os casos de racismo com os atletas de futebol? Qual a reação com tamanha quantidade de jovens negros assassinados?

Ela não entendia como um país com 52% da população negra não estava na rua protestando. Não estava boicotando produtos que não dão visibilidade aos negros. A jornalista não compreendia como os atletas negros não estavam organizando um boicote ou paralisação de suas atividades nos campeonatos, em solidariedade aos que sofreram discriminação racial.

A jornalista estava no Brasil para ser correspondente de alguns veículos de comunicação americanos que gostariam de entender o país que iria sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. E as respostas para todas as suas perguntas foram negativas.

Apesar de notáveis trabalhos de grupos que chamam a atenção da sociedade para a desigualdade, para o genocídio do povo negro e para os casos de racismo que acontecem diariamente, a mobilização não é comparável aos exemplos dos Estados Unidos.
Será que falta para nós, brasileiros, heróis como Tommie Smith, John Carlos e Muhammad Ali, entre tantos outros?
O craque da NFL Colin Kaepernick, recentemente, se ajoelhou em protesto na execução do hino americano. "Não vou me levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime os negros e pessoas de cor. Para mim, isso é mais importante que o football, e seria egoísta da minha parte virar a cara. Há corpos na rua enquanto os responsáveis recebem licença renumerada e ficam impunes por assassinatos", declarou Kaepernick.

Mas atletas brasileiros nunca mostraram sua inconformidade contra o racismo?
Nunca se rebelaram contra o sistema?

E aqui corremos o risco de dizer não de forma imediata. Assim, vamos esquecer de valorizar atletas como Aida dos Santos - que, sem nenhum apoio, treinador e tênis, e com uniforme próprio, entrou para a história conquistando o quarto lugar no salto em altura nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964. Sem apoio por ser mulher e negra.

Ou Leônidas da Silva, primeiro grande ídolo do futebol brasileiro profissional, o primeiro jogador do Brasil a ser reconhecido mundialmente.

O inventor do gol de bicicleta.

O atleta que, aos 19 anos, saiu do país para buscar o profissionalismo, e que ajudou a inaugurar o próprio profissionalismo no Brasil - profissionalismo este fundamental para a abertura crescente do esporte aos negros.

Leônidas da Silva é quem podemos chamar de primeiro garoto-propaganda do futebol brasileiro: além do chocolate Diamante Negro, vendido até hoje, ganhou dinheiro anunciando todo tipo de produto, inaugurando lojas e participando de conferências. Era a identificação de sucesso dos negros - e mesmo com tamanho sucesso, peitava os dirigentes e valorizava ser negro.
E o que dizer de Reinaldo e a saudação Black Power?

José Reinaldo de Lima, centroavante do Atlético-MG, tinha costume de comemorar os seus gols com o punho erguido e fechado, em memória aos Panteras Negras e à luta do movimento negro nos Estados Unidos, que tinham essa mesma saudação.

Reinaldo tinha uma posição forte contra a ditadura militar brasileira - talvez o maior motivo para o atleta não ter sido convocado para atuar mais vezes pela Seleção Brasileira. Em reportagem chamada "Reinaldo: Bom de Bola e Bom de Cuca", publicada pelo jornal independente Movimento em 1977, o atacante defendeu eleições diretas, anistia aos exilados e pediu o fim do regime ditatorial.
Em entrevista ao Correio Brasilienze em 2014, o jogador disse que resolveu falar porque achava que os atletas também deveriam opinar. "O futebol sempre foi considerado o ópio do povo, um instrumento da ditadura. Falei para mostrar que não era bem assim", disse Reinaldo ao jornal.

Na Copa do Mundo na Argentina, no primeiro jogo, Reinaldo fez o gol de empate contra a Suécia e comemorou com o punho cerrado para o alto. Depois deste ato, só fez mais um jogo. Ele afirma que o Almirante Heleno Nunes, então presidente da CBD, foi pessoalmente até a Argentina para tirá-lo do time.

Também não podemos deixar de lembrar de Jairzinho, o Furacão da Copa, que mesmo sem proferir uma declaração política obrigou a todos aqueles que o aplaudiam a render-se a seu cabelo Black Power, uma forma de aliar-se ao movimento americano em uma época em que o país vivia a ditadura, depois da dura repressão as revoltas estudantis.

Naquele momento, um opositor precisava manter a cautela. E Jairzinho, ao surgir em campo com seu cabelo, fez os alicerces do país tremerem.

E aqui voltamos a pergunta principal deste artigo: Será que atletas negros não têm e nunca tiveram a coragem de expor o racismo que existe no Brasil?

Será mesmo?
Ou será que a mídia fez questão de escondê-los? Ou de não proporcionar espaços de fala?

Não se pode esquecer que alguns heróis são fabricados - e outros escondidos - por quem comanda o jogo.

No Corinthians na década de 1980, surgiu um movimento conhecido por muitos como o maior movimento ideológico da história do futebol brasileiro: a Democracia Corintiana. Um de seus principais líderes era Wladimir, mas a maioria só lembra de Sócrates e Casagrande.

"Já ouvi de empresários: 'O pessoal do clube gostou do seu perfil, mas, me desculpe, você é preto'", disse Lula Pereira em 2013 para denunciar a falta de oportunidade para os técnicos negros. Esse é ou não é o tipo posicionamento que tanto esperamos?
Mas quantas outras vezes ele foi ouvido pela grande mídia?

A frase deveria ter gerado indignação e debate na sociedade brasileira a respeito da falta de oportunidade para negros como treinadores nas grandes equipes, mas não estampou nem camisetas como forma de protesto. De 2013 para cá, o que mudou?

O racismo está tão enraizado na sociedade brasileira que é incapaz de ouvir a voz dos oprimidos. A sociedade prefere se agarrar em seus próprios privilégios a lidar com o problema, e cada vez que uma voz se insurge bradando o que todos já sabemos existir, o risco iminente é ser esquecido, colocado no ostracismo ou demitido. Assim como já aconteceu com Lula Pereira, Andrade (o primeiro técnico negro campeão brasileiro, em 2009) e Gentil Cardoso, que ao comemorar o título do Carioca de 1952 disse: "Estou com as massas, e as massas derrubam até governantes". Foi demitido no dia seguinte.

Gentil comandou a seleção brasileira no efêmero Sul-Americano de 1959, mas após o torneio foi demitido, e afirmou que não foi chamado para comandar a Seleção por ser preto. "O racismo é um fato que a hipocrisia encobre", protestou após a escolha de Zezé Moreira pela CDB para a Copa da Suíça, em 1954.

De uma forma ou de outra, com protestos silenciosos ou com conquistas capazes de colocar a sociedade para refletir sobre a perversidade do racismo velado, muitos atletas brasileiros já levantaram suas vozes contra o racismo ou protestaram contra as injustiças sociais. Ou, então, abriram caminhos para outros negros em esporte predominantemente branco.

Contudo, seja no passado ou no presente, o que podemos afirmar é que grandes craques do futebol não levantaram a bandeira da luta contra o racismo. Ídolos que teriam suas vozes ouvidas e repercutidas pela mídia e pela sociedade.

Mas a intenção aqui nao é lamentar a ausência deste ou daquele, é chamar a atenção para dois futebolistas, da atualidade, com suas falas firmes e fortes: Aranha e Cristóvão Borges, ambos perseguidos nesse sistema racista que silencia quem se opõe a ele.
Talvez a pergunta mais correta não seja "Quando nossos atletas vão ter a coragem de se manifestar e expor o racismo que existe no Brasil?", mas sim: "Será que os próximos atletas que se manifestarem não vão ser silenciados, demitidos os condenados ao ostracismo?"

A nós, sociedade de modo geral, é necessário estarmos atentos e apoiar toda a manifestação de atletas contra o racismo e a opressão. Não devemos cair na velha história de que não lutamos - história essa que convenceu a tantos que a libertação da escravização veio das mãos benevolentes da Princesa Isabel ou pela exclusiva pressão inglesa, e não da luta de tantos abolicionistas. De nomes como André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama, todos negros e influentes, mesmo na época da escravização.

Para finalizar, um salve ao ginasta Ângelo Assumpção, que foi corajoso ao expor para todos o racismo mais cruel que nós negros sofremos: o racismo velado em forma de brincadeirinha.

Que seu exemplo seja seguido por todos os atletas e não atletas, brancos ou negros.

Que surjam novas e firmes vozes a denunciar o racismo e toda a sua nefasta consequência.

Por Marcelo Carvalho, responsável pelo Observatório Racial do Futebol