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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que nenhum jogador fala de Robinho ou Dani Alves e tantos abraçam Cuca?

Cuca, técnico do Corinthians, durante jogo contra o Remo na Copa do Brasil - ALE VIANNA/W9 PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Cuca, técnico do Corinthians, durante jogo contra o Remo na Copa do Brasil Imagem: ALE VIANNA/W9 PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

27/04/2023 12h53

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Esta aí acima é a grande pergunta. Talvez nem precisasse de um texto depois dela. É uma pergunta que ecoa na minha cabeça desde aquela cena do abraço coletivo dos jogadores do Corinthians a Cuca, um cara que mal conheciam e conhecem, após a classificação dramática nos pênaltis.

Robinho está condenado por estupro coletivo. Há áudios públicos dele conversando com o amigo estuprador. Não há margem para dúvida ou contestação. Mas nenhum - eu repito, NENHUM - jogador de futebol brasileiro usou as redes sociais para falar algo sobre o tema ou, que seja, colocar lá um emoji de vomitinho. Nada. Necas. Nem uma palavra.

Cuca também é condenado. Pelas leis de hoje, seria por estupro. Em 1987, foi coação a menor. Sim, é um caso mais distante, no lugar e no tempo, mais nebuloso e ele alega inocência. Mas ele é condenado. Con-de-na-do. Que mensagem os jogadores do Corinthians mandam para a sociedade e as mulheres ao abraçar Cuca daquele jeito. E o senhor Róger Guedes? Por que tem tanta certeza da inocência de Cuca?

Cuca pode ser um baita gente boa aos 60 anos, não duvido disso. Mas o Cuca de 60 anos precisa revisitar a merda que fez ou da qual participou de alguma forma o Cuca de 24 anos. O Cuca de 60 anos é um homem feito, rico e de sucesso na carreira, coisa que não teria acontecido se o Cuca de 24 anos tivesse pago o devido preço. A conta chega uma hora. Eles acham e falam que é lá no Céu, eu prefiro contas pagas na Terra mesmo, sei lá se existe Céu.

Aliás, um Cuca que saiu do Corinthians com postura de vítima. E ainda, de alguma forma bem sutil, transferindo a culpa para as filhas. Ele aguenta o tranco, mas a família - de mulheres -, não. É isso o que está ali nas entrelinhas do "preciso proteger minha família".

Esses caras não perderam nem 5 minutos da vida para refletir sobre tudo o que aconteceu de quinta-feira passada para agora. Eles já devem ter visto e/ou participado de dezenas de cenas de assédio. Está aí o caso Daniel Alves - outro que não foi criticado por qualquer jogador de futebol brasileiro - para provar como esses caras se sentem acima do bem e do mal. Têm esposas, filhas, mães, mas não conseguem se colocar no lugar de uma mulher - ou melhor, se sentem deuses que podem decidir quem são as mulheres "de bem" e quem são as "putinhas" à disposição para seus impulsos sexuais. As interesseiras. Os pedaços de carne.

O que, afinal, é o mundo do futebol fora dos treinos e das quatro linhas? Será que não está na hora de mudar? Estariam todos debaixo de um gigantesco telhado de vidro e, daí, o silêncio? Está claro que, se jogares Daniel Alves ou Robinho no meio de um jogo de futebol, eles serão abraçados e não xingados ou ignorados.

Esta é a cultura do estupro. O estupro não está só no cara que arrasta uma mulher e a violenta atrás da moita. Está nas pequenas cantadas, olhadas, passadas de mão e beijos forçados no Carnaval. A cultura do estupro está no abraço a Cuca e na fala de Róger Guedes depois da saída do técnico. A cultura do estupro está nos relatos do que falaram alguns comunicadores gaúchos em 1987. A cultura do estupro está na vitimização de quem tem culpa, no completo menosprezo por quem é vítima.

A cultura do estupro está no silêncio, no abraço e nas atitudes canalhas do mundo do futebol.