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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Jornais se calam, mas La Liga precisa agir após noite da vergonha em Madri

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Nenhuma linha. Nada. Nada de nada. Nas capas dos cinco principais jornais generalistas e dos quatro esportivos da Espanha, não há uma menção sequer sobre o vergonhoso domingo vivido no estádio Civitas Metropolitano, em Madri.

Ontem, o Real Madrid venceu o Atlético de Madrid por 2 a 1, mantendo os 100% de aproveitamento e a liderança isolada do Campeonato Espanhol. Rodrygo fez um gol e "bailou". Mas transformar a polêmica da semana, que culminou no que vimos ontem, em um debate sobre como comemorar gols seria promover uma gigantesca passada de pano para a própria sociedade espanhola, que precisa se manifestar mais fortemente contra o racismo presente e vivo.

Eu vivi na Espanha e posso falar com propriedade. Aqui no Brasil, a natureza do racismo é muito pior, se é que é possível elencar esse tipo de coisa. Aqui, vivemos o racismo estrutural, enraizado na sociedade. Os negros nunca foram compensados pelos séculos de escravidão e hoje ainda pagam o preço disso. Têm menos chances e convivem com a violência policial e não-policial, ficando apenas nisso para simplificar as coisas. Na Espanha, é um outro tipo de racismo, que se mistura com xenofobia. É um contexto histórico diferente e uma realidade também diferente nos dias de hoje. Na Espanha, imigrantes têm muito mais chances do que os negros natos no Brasil.

Falo isso apenas para não ficarmos na bobagem de "a Espanha é um país racista". As generalizações são horrorosas. Há racismo lá, há aqui também, há em muitos lugares. E precisamos lutar contra ele sem meias palavras ou meias atitudes.

A discussão sobre comemorações de gols com dancinhas, no meu ponto de vista, não é pautada por racismo e xenofobia - teve até jogador (ou ex-jogador em atividade, depende do ponto de vista) falando disso de forma leviana. Pode até haver essa conotação isoladamente. Mas, na essência, é uma dessas polêmicas vazias que movem programas de futebol. Sabemos bem, porque esse tipo de discussão já aconteceu no Brasil várias vezes ao longo das últimas décadas.

Mas ela ganhou outra conotação quando, em um programa de besteirol da TV espanhola, um cidadão chamou as dancinhas de "macaquice" quando se referia a Vinícius Jr. Ele se desculpou, pode não ter tido intenção, enfim. Pouco importa. O importante é que, a partir daí, de eventos assim, sociedades crescem. A reação ao que vimos na semana é fundamental para forjar um ambiente melhor. O que se viu não foi exatamente isso, a reação existiu, mas de fora para dentro.

O Real Madrid demorou a reagir, como mostrou o correspondente do UOL, Thiago Arantes. E não houve nos meios de comunicação uma super reação, como haveria aqui no Brasil - estamos à frente da Espanha na exposição de racistas e o barulho que se faz quando esse tipo de coisa acontece. Simeone e o Atlético de Madrid não fizeram questão alguma de mostrar apoio a Vinícius Jr, não houve uma reação importante por parte de La Liga e seus sócios. E o resultado de tanta passividade foi o que vimos no Metropolitano ontem.

Gritos de "macaco" para Vinícius Jr dentro e fora do estádio, com direito a um macaco de pelúcia com a camisa do Real Madrid sendo ostentado orgulhosamente por um cretino. Ao contrário de outros eventos de racismo em um estádio de futebol, já vimos vários nos últimos anos, não foi coisa de dois ou três. Foi uma manifestação generalizada, grotesca, que faz com que possamos, sim, falar de "torcida do Atlético de Madrid" ao nos referirmos ao caso.

A resposta em campo foi dada por Rodrygo, que marcou um golaço e dançou. E Vinícius, que jogou muito. Mas a resposta em campo é irrelevante, ela precisa vir de fora. Já sabemos que a mídia é importantíssima para gerar burburinho e discussões entre as pessoas. E é muito decepcionante, mas muito mesmo, perceber que as capas dos jornais espanhóis simplesmente ignoram o que aconteceu ontem.

Vai ser difícil jogar a sujeira para baixo do tapete, no entanto. O correspondente internacional mais importante da Espanha, o inglês Sid Lowe, abre sua matéria sobre o jogo no "The Guardian" dizendo que "os gritos racistas direcionados a Vinícius Jr ofuscaram a vitória do Real Madrid". É tema no Brasil, é tema na Inglaterra, é tema na França, onde o "L'Equipe" destaca em sua versão online os cânticos racistas. As imagens correm o mundo, e La Liga não pode se dar ao luxo de transmitir para o mercado a imagem de uma instituição que passa pano para racismo.

Veremos quais serão os próximos passos e que tipo de punição haverá para o Atlético - se é que haverá. La Liga e a sociedade civil espanhola não podem se calar, como lamentavelmente fizeram os jornais do país.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado no texto, o estádio do Atlético de Madri se chama Civitas Metropolitano, e não mais Wanda Metropolitano. O erro foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL