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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

E se o Chelsea voltar a ser irrelevante? Tudo terá valido à pena?

12/03/2022 04h00

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A invasão da Rússia à Ucrânia "congelou" Roman Abramovich e, consequentemente, o Chelsea. O bilionário russo é um oligarca, aliado de Putin, e o governo britânico decidiu sufocar financeiramente esses caras para que eles pressionem o mandatário russo a acabar com a guerra. Segundo a imprensa local, o Reino Unido não pretende "tirar o Chelsea do jogo". O alvo é outro. Mas, como o clube pertence a Abramovich, as consequências estão se avolumando. Ontem, contas bancárias e cartões de créditos foram todos bloqueados. O Chelsea não pode ser vendido e nem ingressar dinheiro - ou seja, não pode vender produtos, entradas para os jogos, assinar contratos, etc.

A compra do Chelsea pelo russo foi a primeira a ter gerado um impacto importante no futebol europeu. Fundado em 1905 e localizado em um bairro chique de Londres, o Chelsea sempre foi um coadjuvante. Tinha estádio, torcida, um título inglês, três Copas da Inglaterra e até mesmo dois títulos europeus (a extinta Recopa). De clube médio do país, saltou a um grande da Europa.

Comprado em 2003 por 140 milhões de libras (incluindo as dívidas pagas), o Chelsea virou uma marca global. Ainda demorou nove anos para dar lucro, mas hoje é um dos dez clubes mais rentáveis do mundo. Nestas duas décadas, ganhou cinco vezes a Premier League e a Copa da Inglaterra, duas vezes a Champions League, outras duas a Europa League e ainda levou o Mundial de Clubes da Fifa neste ano - só para falar dos mais importantes.

Desde o início, vários jornais ingleses destacavam os negócios suspeitos em que Abramovich estava envolvido. Ele ficou bilionário com menos de 30 anos de idade, as amizades certas na época da dissolução da ex-URSS o transformaram em um magnata do petróleo. Estima-se que tenha despejado 1,5 bilhão de libras (mais de 10 bilhões de reais, na cotação de hoje) em duas décadas no Chelsea. Para que? Por que?

Apesar das denúncias de propinas e lavagem de dinheiro, o governo britânico sempre fechou os olhos. Não só para Abramovich, mas para vários empresários ou fundos internacionais que passaram a atuar no futebol do país - inclusive representantes de ditaduras ou países também em guerra, como a Rússia está agora. Os eventos na Ucrânia expõem a hipocrisia que faz do futebol inglês o mais rico do planeta. Os negócios suspeitos de antes (sempre foram suspeitos) e de agora não importam tanto.

De qualquer maneira, chegamos à pergunta lá de cima. Se você fosse torcedor do Chelsea, estaria sentindo o quê? E se o clube voltar à irrelevância de antes, terá valido à pena?

O nome do clube ganha uma mancha. Talvez o próximo dono não tenha tanto interesse em investir como Roman fazia. Pode ser que a nova realidade seja bem diferente.

Nestes 19 anos, os torcedores do Chelsea comemoraram títulos que nem nos melhores sonhos imaginavam ganhar. Vamos pensar na pior das hipóteses: que tudo dê errado na era pós-Abramovich. Que o Chelsea se apequene e ganhe, das torcidas rivais, a alcunha de clube "artificial", ganhador imoral de tantas coisas. Terá valido à pena?

Só um torcedor do Chelsea poderá dar essa resposta. E certamente haverá muitas diferentes. Creio que muitos dirão que os rivais também fazem contratações com dinheiro de origem suspeita, também têm donos envolvidos com picaretagens e política.

Foram 19 anos de muito sucesso, tempo suficiente para formar uma ou duas gerações de torcedores, que seguirão consumindo e acompanhando o Chelsea mundo afora. Possivelmente, a maior parte dos fãs do clube dirão que sim, valeu à pena - apesar do russo.

O exemplo do Chelsea é interessante se pensarmos que o Brasil acaba de entrar na era dos compradores de clubes. Vai ter picareta, vai ter dinheiro sujo ou mal explicado, mas vai ter também muito título para um ou outro clube. Se bem conheço a lógica do torcedor apaixonado por aqui, que se dane de onde vem a grana, o que importa é ser campeão. Mas olho: é bem diferente uma situação de mecenas ou patrocínios milionários e outra de o clube efetivamente pertencer a alguém que pode jogar nome e história na lama.