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Diego Garcia

REPORTAGEM

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Sócios ocultos e paraísos fiscais aparecem em antigos contratos corintianos

Reprodução/Wikipedia
Imagem: Reprodução/Wikipedia

Colunista do UOL

29/05/2021 04h00

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O sócio-diretor por trás da empresa em paraíso fiscal dona da Go Sports, ex-patrocinadora que sumiu sem pagar o Corinthians, é o mesmo que já havia causado problemas em outros contratos com o clube. Segundo documentos obtidos pela coluna, Clifford Michael Gruen é ligado às empresas Apollo e Vector, que também tinham laços em offshores e sumiram sem que os pagamentos acordados fossem cumpridos.

Cidadão brasileiro, Gruen era o único sócio-diretor da Avia Sports durante parte do período do contrato entre Go Sports e Corinthians. Na ocasião, a Avia, localizada no paraíso fiscal de Delaware (EUA), estado que tem um nível de sigilo financeiro considerado dos maiores do mundo, tinha 99,99% da sociedade da Go Sports. O outro 0,01% era de Helenilto Aureliano Pontes, que assinava como representante e procurador da offshore americana.

História no Corinthians começou em 2016

O envolvimento dos dois com o Corinthians começou em 2016, quando o clube acertou um contrato de R$ 27 milhões com a Apollo para a exploração de publicidade nas costas do uniforme e pelo uso de mídias sociais. A Apollo era dividida em duas empresas, fundadas no mesmo ano do acordo, que somadas tinham um capital de R$ 11 mil.

Uma era a Apollo Sports Capital S.A, com Gruen como acionista, presidente do Conselho de Administração e diretor-presidente, e Pontes como membro do conselho de administração — a empresa deu baixa na Receita em 2019. A outra, chamada Apollo Sports Solutions S.A, também tinha Gruen como diretor-presidente e conselheiro, assinando pela empresa, e Pontes como conselheiro administrativo.

A Apollo Sports Solutions era um fundo de investimentos cujo capital saltou de R$ 10 mil para R$ 121 milhões. Na ocasião, o aporte responsável por essa valorização foi feito metade pela da empresa Café Bom Dia e metade pela inclusão de terrenos de uma empresa chamada Marjorie, que era propriedade de duas offshores, Accra e Marjorie Overseas, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.

Registros e documentos extraídos junto à Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Receita Federal vistos pela coluna revelam que ela pertencia a um fundo chamado San Francisco Fundo de Investimentos em Participações. Em 2017, a administradora desse fundo era uma corretora que tinha dois administradores posteriormente denunciados pelo Ministério Público Federal por esquema de empresas de fachadas para viabilizar desvios milionários - o processo hoje se encontra em sigilo.

De acordo com outro documento de 2019, um outro fundo com nome similar — e várias outras coincidências — chamado San Francisco Venture Capital LLC, também com sede no paraíso fiscal de Delaware, tinha como único sócio-diretor Clifford Michael Gruen. Helenilto Pontes era apontado como representante e procurador.

O sigilo do paraíso fiscal de Delaware impede de saber quem são os investidores por trás da empresa. Nos casos da Avia e San Francisco, a reportagem encontrou documentos disponíveis em processos públicos que apontavam Gruen como sócio-diretor de ambas. Em um dos documentos, inclusive, era dito que as duas faziam parte de um mesmo grupo, chamado "Grupo San Francisco".

O acordo do Corinthians com a Apollo era de três anos, mas fracassou em quatro meses. Em fevereiro de 2017, a patrocinadora parou de pagar, em contrato que a protegia juridicamente. O então presidente Roberto de Andrade disse que a empresa honrou apenas "um ou dois meses". No fim das contas, o clube levou R$ 1 milhão, dos R$ 27 milhões prometidos.

No caso da Vector, ela assumiria os serviços de pagamento do Corinthians em troca de uma remuneração de 4% e mais R$ 0,50 por operação. Ainda pagaria R$ 1,5 milhão na entrada, mais R$ 1,5 milhão caso algumas metas fossem atingidas. O acordo foi assinado em outubro de 2015. Em maio do ano seguinte, Clifford Michael Gruen acabou nomeado administrador e diretor presidente da Vector. O acordo foi rescindido um ano depois do início, sem pagamento de multa rescisória.

Os nomes, as presenças de offshores, os contratos inacabados e a ausência de contrapartidas após certo período são procedimentos são semelhantes ao que ocorreu com a Go Sports.

Coincidências aparecem em outros parceiros do Corinthians

Nos documentos obtidos pela coluna referentes à Apollo e à Vector, Gruen e Pontes dizem residir no mesmo endereço, no bairro do Itaim Bibi. O local é também o endereço do escritório Advocacia José Silva, segundo registro na Receita Federal. Representante do escritório também aparece em contratos da Apollo.

O escritório foi citado em reportagem da coluna por ser envolvido em ação de improbidade administrativa aberta pelo Ministério Público, assim como Helenilto Pontes. Eles são acusados de envolvimento em esquema de testas de ferro com o ex-prefeito de Americana Diego de Nadai. As partes negam as denúncias do MP.

Em 2019, Gruen e Pontes voltaram a aparecer no Corinthians. O clube assinou com a Go Sports em janeiro, por R$ 125 mil por mês, em acordo que teria validade até fevereiro deste ano e que previa a exploração de parceiros do patrocinador nas camisas de jogo, treino e viagem dos times de futsal e basquete. Também incluía o licenciamento de um token por uma plataforma digital, denominado Timãocoin, hoje indisponível.

O negócio das criptomoedas seria tocado por uma empresa chamada Footcoin. Pesquisa na Junta Comercial mostra que Gruen era conselheiro da empresa, enquanto Pontes era diretor financeiro. Quem se apresentava como presidente era José Rozinei da Silva, que não aparece nos registros de uma Footcoin vistos pela coluna.

Porém, existia uma segunda Footcoin, com os mesmos Helenilto e Rozinei como sócios e declarando residirem no endereço do escritório. Hoje, ela se chama Kipstone. Que, por sinal, também patrocinou o Corinthians, como mostrou o portal Meu Timão.

Mas também existem duas empresas chamadas Kipstone. A segunda tinha Gruen como diretor financeiro — ele renunciou em agosto de 2019. Já Pontes era o presidente. Hoje, a empresa mudou de nome.

Em 2019, o portal Meu Timão ainda divulgou que a empresa Polidoc fechou patrocínio de dois anos com o basquete. Dissolvida em maio desse ano, a empresa tinha, em 2019, Gruen, Pontes e uma das advogadas do Advocacia José Silva como sócios — o escritório também mudou de nome e hoje se chama J. Delinski.

José Rozinei da Silva, aliás, é quem dá nome ao Advocacia José Silva, mas não aparece entre os sócios do J. Delinski na Receita - ele peticiona com os dois logos em processos na Justiça. O escritório afirmou que a mudança de nomes foi porque um sucedeu o outro em direitos e obrigações e o número de registro foi mantido.

Outro ponto em comum é que Apollo, Vector, Kipstone e Polidoc possuem o mesmo endereço registrado, no bairro do Brooklin, em São Paulo. Em alguns outros documentos, o local é citado, inclusive, como sendo também o endereço de Gruen, como no registro da Footcoin na Junta Comercial.

Por fim, segundo a coluna constatou em registros americanos, a San Francisco Venture Capital teria sido investidora da Kipstone, da Go Sports e da Polidoc. A Thinkseg, que patrocinou o Corinthians em 2019, também é citada nos documentos.

O que dizem os envolvidos

Procurado, o Corinthians entende que os contratos mencionados pela reportagem foram encerrados em procedimentos jurídicos noticiados em 2016 e 2017, com as manifestações oportunas das gestões à época.

A reportagem não conseguiu contato direto com Gruen, Pontes e Rozinei Silva. Enviou, então, perguntas ao escritório J. Delinski, que os representa.

A resposta foi que "questionamentos diversos extrapolam limites a respeito dos nossos clientes que, conforme já dito anteriormente, estão protegidos pelo sigilo e confidencialidade permeados na relação 'advogado/cliente', e, portanto, não nos manifestaremos a respeito".

Acrescentou que, "no que diz respeito ao Sr. Clifford Michael Gruen e a empresa Avia, vale mencionar que todas as exigências e requisitos legais, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos da América, foram respeitados, não havendo qualquer impedimento ou irregularidades nos atos comercialmente praticados".

O escritório ameaçou cinco vezes processar a coluna. "Nossos clientes se encontram regulares e em conformidade com o disposto na legislação brasileira, seja ela do Banco Central do Brasil nos termos do Decreto Lei nº 1.060/69, ou até mesmo a Receita Federal do Brasil e qualquer tentativa de vincular fatos isolados com o intuito de macular a imagem do escritório e de seus clientes será rebatida com rigor através da propositura de ações judiciais competentes".

A reportagem reitera que todos os documentos divulgados foram encontrados em processos públicos.

Helenilto Aureliano Pontes, por meio do escritório, já havia dito que o contrato do Corinthians com a Go Sports não foi estabelecido diretamente com o clube, mas por uma empresa de publicidade intermediária (Gotcha) que, segundo ele, se ressalta como idônea e de grande expressão no mercado, primando sempre pelo disposto na legislação e preceitos comerciais de interesse mútuo.

"Contudo, a expectativa do contrato foi frustrada não atingindo o êxito pretendido, razão pela qual o contrato foi rescindido. O contrato com o clube foi feito com base na total transparência e dentro de políticas de compliance exigidas e não há qualquer irregularidade na relação comercial existente", disse Pontes.

A coluna fica à disposição caso qualquer nome citado na coluna queira entrar em contato para se manifestar ou contestar as informações.