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Diego Garcia

REPORTAGEM

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MP liga parceiros do Corinthians a esquema de testas de ferro com prefeito

Entrada principal do Parque São Jorge, sede social do Corinthians - Reprodução/Wikipedia
Entrada principal do Parque São Jorge, sede social do Corinthians Imagem: Reprodução/Wikipedia

Colunista do UOL

14/05/2021 04h00

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Helenilto Aureliano Pontes era o nome do sócio por trás da empresa Go Sports no momento do fechamento de um contrato dela com o Corinthians que acabou na Justiça. Ivone Vaz Machado, sócia do escritório Advocacia José Silva, foi quem assinou em nome da empresa no documento. Em comum, uma ação do Ministério Público acusa o empresário e o escritório de improbidade administrativa.

O processo, ao qual a coluna teve acesso, tem mais de oito mil páginas e menciona um esquema de "testas de ferro". São réus Helenilto, o escritório Advocacia José Silva e mais 11 acusados, entre eles o ex-prefeito de Americana (SP) Diego de Nadai.

O Ministério Público de São Paulo diz que detectou alienação de bens públicos mediante procedimentos administrativos com desvio de finalidade, com prejuízo ao erário que chega a R$ 37,2 milhões, durante 71 leilões de imóveis suspeitos promovidos pela prefeitura de Americana. Os acusados alegam inocência.

De acordo com o MP, o envolvimento de Helenilto foi no arremate de 1 imóvel por R$ 1,855 milhão em 2014, com entrada de R$ 927,5 mil e o resto em 10 parcelas iguais, recebendo, porém, R$ 202 mil da municipalidade. Já o escritório recebeu, nessa transação, R$ 439,5 mil, segundo o órgão, em pagamento que se viabilizou em face da arrematação do referido imóvel. As partes negam irregularidades.

Mas o que tudo isso tem a ver com o Corinthians? O clube não teria levado em conta esses fatos quando assinou contrato com a Go Sports, que tinha Helenilto como sócio e o escritório de Ivone como representante legal. Essa omissão é classificada pelo advogado especialista em compliance Bruno Fagali como uma "red flag", mecanismo utilizado por auditores para antecipar possíveis fraudes em contratos.

"Isso é uma 'red flag'. Ainda mais ao notar que em tal processo o MP afirma ter tal administrador (Helenilto) comprovadamente cometido improbidade administrativa em conluio com o mesmo escritório de advocacia (também réu), que não só representa a mencionada empresa de Delaware (estado americano) sócia da Go Sports e várias a elas ligadas, como é uma de suas sócias-advogadas quem assina, em nome da Go Sports, o acordo celebrado com o Corinthians ", diz Fagali.

O Corinthians assinou com a Go Sports em janeiro de 2019, por R$ 125 mil por mês, e teria validade até fevereiro deste ano. O acordo previa a exploração de parceiros do patrocinador nas camisas de jogo, treino e viagem dos times de futsal e basquete. Também incluía o licenciamento de um token por uma plataforma digital, denominado Timãocoin, que hoje está indisponível.

A coluna já havia revelado outra "red flag" do acordo com a Go Sports nesta quarta: o fato de a Go Sports ter como sócia majoritária (com 99,99% de participação na sociedade) uma empresa sediada em paraíso fiscal —a qual o mesmo Helenilto era sócio e administrador. A empresa patrocinou o clube em 2019. Quanto mais "red flags" surgirem, maior a desconfiança em cima de eventuais documentos, segundo o advogado Bruno Fagali.

"Tudo isso deveria ter sido investigado e muito bem ponderado pelo clube antes mesmo do início das tratativas. E isso, claro, de modo formal e muito bem documentado, tal como todo 'background check' minimamente sério", acrescentou.

O Corinthians disse à coluna que tem por rotina realizar "background check". Segundo o clube, não se detectou, no momento do contrato, qualquer fato que contraindicasse o acordo. O mesmo foi dito pelo ex-presidente Andrés Sanchez, que assina o acordo. "Não encontramos nenhuma restrição contra a empresa na ocasião", afirmou.

Na ação envolvendo Helenilto e o escritório, o Ministério Público diz que modus operandi do grupo consistia no pagamento de uma dívida pela prefeitura aos envolvidos, que, ato contínuo, arrematavam imóveis com o valor recebido. As compras davam-se, na maioria dos casos, por quantia apurada em avaliação realizada pela municipalidade.

Para o MP, a prefeitura montou a estratégia com propósito de parecer que cumpria a lei, quando na verdade tinha objetivo oposto, ou seja, desvio de finalidade. As compras eram por licitação, mas de forma velada eram feitas para o pagamento de dívidas geradas pela má administração do então prefeito Diego De Nadai, que foi cassado e denunciado por crime de responsabilidade. Segundo jornais de Americana, hoje ele cumpre prisão domiciliar. Os advogados contatados pela reportagem disseram que trabalhavam na área civil para o prefeito, não criminal, e não confirmaram a informação.

"O prévio ajuste entre a municipalidade e os arrematantes (ou 'testas de ferro') de imóveis leiloados é nítido, pois coincidem as datas e os valores de pagamento das dívidas pela municipalidade aos credores e a arrematação por parte deles", disse o MP, que afirma que os arrematantes beneficiaram-se com recebimento de créditos na forma de investimentos imobiliários.

Partes negam acusações do MP

Em consulta na Receita Federal, a coluna apurou que o Advocacia José Silva, hoje, se chama Advocacia J. Delinski. Ainda encontrou petições com os dois logotipos. Além disso, o advogado que dava nome à empresa não aparece no quadro de sócios. O escritório explicou que um sucedeu o outro em direitos e obrigações e o número de registro foi mantido.

Também afirmou que prestou serviços ao município de Americana em decorrência de um pregão presencial lastreado por processo administrativo, e até que fossem efetivados os pagamentos dos valores para a aquisição do imóvel através de leilão. Quando começou a apuração pelo Ministério Público, o escritório suspendeu o pagamento do bem.

Acrescentou que o imóvel nunca foi transferido de propriedade e sempre esteve na posse e domínio da prefeitura de Americana. "Os fatos narrados no processo demonstram que não houve conluio ou ajuste entre o escritório e o município, de forma a lesar os cofres públicos, como pretensamente alegado pelo Ministério Público", disse, em nota enviada à coluna.

Com relação a Ivone Vaz Machado, o escritório diz que a advogada tinha poderes para representar juridicamente a Go Sports e adverte que "ela sempre exerceu sua função de advogada com total zelo, competência e idoneidade inerente à profissão". Sobre eventuais contratos de seus clientes com o Corinthians, afirmou que presta serviços jurídicos há mais de 20 anos e que estes estão amparados pela confidencialidade, razão pelo qual mantém sigilo do portfólio de seus representados.

Em sua resposta às perguntas da coluna, o escritório ameaçou cinco vezes entrar com ações judiciais. A reportagem responde que são informações públicas, de processos, documentos e contratos disponíveis para qualquer cidadão no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Por meio do escritório, Helenilto defendeu que "a contratação e participação no leilão ocorreram dentro dos ditames legais e culminou em um processo judicial iniciado por questões sociais e políticas locais, do que propriamente questões jurídicas, sendo que o processo ainda se encontra em andamento e sem data prevista para julgamento". E disse não existir nenhuma comprovação de que o Ministério Público está correto e não há nenhuma decisão, sequer em primeira instância, que confirme os fatos.

Por fim, declarou que a expectativa do contrato com o Corinthians foi frustrada, não atingindo o êxito pretendido, razão pela qual o contrato acabou rescindido, mas que foi feito com base na total transparência e dentro de políticas de compliance exigidas e não há qualquer irregularidade na relação comercial existente.

O promotor de Justiça Sergio Claro Buonamici, de Americana, que conduz o caso, disse que não concede entrevistas em relação às investigações em andamento. No Tribunal de Justiça de São Paulo, ainda não há sentença definitiva sobre o processo, que já dura cinco anos.

O ex-prefeito Diego de Nadai respondeu a reportagem por meio de seus advogados e nega veementemente ter realizado qualquer ato de improbidade administrativa. No processo, o político afirma que os imóveis foram arrematados em procedimento licitatório porque ofereceram as melhores ofertas e que não é responsável por todas as mazelas ocorridas em seu mandato.