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OPINIÃO

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Vitor: A arrancada do Boston Celtics é para valer, ou fogo de palha?

Derrick White e Jayson Tatum, do Boston Celtics - NBA.com/Celtics
Derrick White e Jayson Tatum, do Boston Celtics Imagem: NBA.com/Celtics

02/03/2022 04h00

No seu último jogo antes da pausa para o All Star Game, o Boston Celtics perdeu para o Detroit Pistons por 112 a 111. Sob qualquer ótica, essa é uma derrota ruim: para o pior time da NBA, jogando em casa, errando dois arremessos nos segundos finais para vencer a partida. Mas mais interessante do que o resultado foi a reação da torcida: quase nenhuma. O lado racional prevaleceu, e as pessoas entenderam que, além de ser o último jogo antes da pausa, Boston estava sem dois titulares e vindo de três jogos em quatro noites. Sem motivo para pânico.

É um contraste gritante com o que teria acontecido se, digamos, essa derrota acontecesse um mês atrás. Teria sido um pandemônio: a torcida estaria em completo desespero com mais uma indicação dos problemas do time, e teríamos semanas e semanas de discussão sobre se os Celtics deveriam trocar Jaylen Brown ou Jayson Tatum.

Apesar de bem-vinda, essa mudança não foi por acaso. Boston acabava de sair de uma sequência de 9 vitórias seguidas antes da derrota, e apesar dela ter acabado de forma incômoda, os sentimentos positivos que ficaram se mostraram fortes o suficiente. Mesmo com a derrota recente para o Indiana Pacers, Boston venceu 13 dos últimos 16 jogos, tem a melhor defesa da NBA (de longe) em 2022 e a segunda melhor na temporada como um todo, e essa arrancada fez o time passar de 23-24 para 36-26, se recolocando firmemente entre os times de playoff do Leste. Segundo estatísticas avançadas como Net Rating e Pythagorean Expectation, Boston é o melhor time da Conferência Leste e um sério candidato ao título.

Ainda assim, você pode desculpar a torcida de Boston por manter um pé atrás. A primeira metade da temporada 2021-22 do Boston Celtics foi marcada por profundas decepções; apesar da sua dupla de estrelas e de um elenco que (no papel) deveria ser um dos mais fortes e competitivos do Leste, as performances em quadra (e subsequente posição na tabela) eram de profunda mediocridade. Ocasionalmente, Boston teria um jogo ou um quarto espetacular - como vitórias dominantes sobre o Heat e os Suns, por exemplo - para mostrar um pouco do seu potencial, apenas para regredir grosseiramente depois. Em certo ponto, a conclusão parecia ser de que a equipe nunca conseguiria atingir esse nível teórico, e que grandes mudanças eram necessárias.

E então Boston começou a vencer, emendando essa sequência de 13 em 16 jogos. A princípio, a sensação era de que seria outro ponto fora da curva; a temporada antes tivera vários pontos de "mudança", e nenhum se sustentou. Mas, conforme os resultados dominantes se acumulavam, seu jogo adquiria consistência e a versão do time dentro de quadra começou a corresponder à que se imaginava no papel, o torcedor começou a ficar mais otimista de que talvez essa mudança seja para valer, e que o verdadeiro Boston Celtics apenas se atrasou, mas chegou.

Antes de mais nada, é bom deixar claro alguns "apesares" dessa sequência que recolocou os Celtics no mapa da NBA. Sim, essa sequência veio com um calendário extremamente favorável, a sequência mais fraca que os Celtics enfrentaram em todo o ano, e existe uma flutuação normal ao longo do ano que faz com que times tendam a ter sequências acima do seu nível. É uma amostra pequena, e não podemos considerar ela como maior indicativo do que o futuro aguarda. Os Celtics não vieraram os Warriors de 2017 da noite para o dia, e também foi um momento onde o time esteve singularmente saudável.

No entanto, os motivos para otimismo são bem mais significativos. É verdade que a tabela ajudou Boston nesses 16 jogos, mas todo time da NBA enfrenta times fracos ao longo do ano. Você não controla seu adversário, só o que faz com eles, e Boston fez o que times bons fazem: passou o carro. Os Celtics também tiveram algumas vitórias bastante convincentes no meio da sequência que não tem a ver com o calendário; enfiaram 30 pontos em um desfalcado Heat, depois venceram em sequência Nuggets, Hawks e Philadelphia - o último por quase 40 pontos.

Mais importante, essa sequência sustenta não apenas o que era esperado dos Celtics antes da temporada, mas também o que os números diziam. Estatisticamente Boston já estava entre os melhores do Leste, e indicando que a equipe na verdade estava com uma campanha muito inferior ao seu nível de jogo. Sob essa ótica, não é que Boston melhorou, mas sim que os resultados agora estão de acordo com o processo. Da mesma forma, todo mundo sabia que Boston tinha os jogadores para ser uma potência defensiva, e duas estrelas capazes de pontuar e levar o ataque nas costas; é exatamente o que tem acontecido, com Tatum e Brown se aliando à melhor defesa da NBA para derrotar seus adversários. Você pode argumentar que os 16 jogos antes dessa sequência não foram um bom indicador do futuro, mas é mais fácil aceitar quando o que você está enxergando bate com a teoria e com suas ideias preconcebidas.

Também existem alguns motivos táticos por trás da melhora de Boston que indicam não ser apenas um pico aleatório. A mais radical das mudanças veio em como o técnico Ime Udoka tem usado o pivô Robert Williams: ao invés de deixar o Timelord marcando o pivô adversário, Udoka tem colocado Williams em um jogador menor mas menos perigoso arremessando de fora, o que por sua vez permite a ele ficar livre para se mover em quadra e proteger o aro. Foi esse o ajuste, por exemplo, que levou Boston a uma virada incrível contra o Denver Nuggets: depois de serem engolidos pelos passes de Jokic, usar Williams fora da bola ajudou os Celtics a segurar o MVP e arrancar rumo à vitória. Veja a posse abaixo, por exemplo: os Celtics deixam um ala (Brown) marcando Jokic, e colocam Williams em Aaron Gordon. Isso permite que os Celtics sejam mais agressivos em dobrar em Jokic e tirar a bola das suas mãos, sabendo que Williams está em uma posição muito melhor de ajudar do que se estivesse colado no MVP:

E o outro lado da questão é, Boston só pode se dar ao luxo de fazer isso porque sabe que tem diversos defensores versáteis no resto do elenco que são capazes de cobrir o pivô adversário para liberar Williams. Nesse jogo, Boston aceitou colocar regularmente Smart ou Derrick White em Jokic, sabendo que eles conseguem fazer sua parte.

O que, aliás, é o outro fator por trás da arrancada: Boston está cada vez mais confortável no estilo extremo que Udoka quer implementar. Boston não foi ruim o ano todo antes de de repente ficar bom; como dito antes, tinha jogos e até momentos dentro das partidas onde o produto era incrível, uma defesa extremamente agressiva trocando marcações e um ataque com múltiplos criadores e arremessadores. O problema era que esses momentos eram raros, intercalados com sequências de letargia, falta de inteligência e excesso de individualidade. Com o passar do tempo, Boston simplesmente tem ficado mais consistente nos bons momentos: a defesa de trocas de Udoka cada vez menos comete erros, o ataque tem sido mais consistente em atacar repetidas vezes a cesta ao invés de se contentar com isolações indecisas, e o resultado é um bom basquete. Isso não é novo, já estava na equipe desde o primeiro jogo da temporada, só está se tornando mais comum, mais inato aos jogadores, mais natural. E os resultados aparecem.

Claro, Boston não vai ganhar 80% dos seus jogos até o fim do ano; o time vai regredir, o calendário vai apertar, jogadores terão fases ruins, e as derrotas fazem parte do esporte. Mas a mudança em relação ao time da primeira metade da temporada é gritante.

Tudo isso posto, a pergunta que fica é: se esse Celtics é para valer, o quão longe eles podem chegar? Podem brigar por título?

Sem bola de cristal é difícil prever o futuro, mas no papel Boston tem o perfil de times que costumam se dar bem em playoffs: defesa forte e versátil, poucos pontos fracos, e duas estrelas capazes de criarem o próprio arremesso contra qualquer defesa. O maior defeito do time, a falta de profundidade no banco, é um problema menor com as rotações encurtadas da pós-temporada (de fato, a arrancada dos Celtics coincidiu com Udoka usar uma rotação de apenas 8 homens). Os Celtics não são tão talentosos como a melhor versão de Bucks ou Nets, mas no seu melhor Boston pode ser incluído no bolo do segundo escalão do Leste com Sixers, Heat e Bulls.

E se os Celtics não são favoritos dentro desse bolo - e não são mesmo - o Leste está tão imprevisível que tudo pode acontecer. Apenas três jogos separam o segundo e o sexto colocados do Leste, o que pode significar uma combinação esquisita de confrontos. Boston pode perfeitamente ter que passar por, digamos, Bucks, Sixers e Nets para chegar nas Finais da NBA, e nesse cenário seria bastante improvável ver os Celtics ganhando o Leste; mas, da mesma maneira, é possível que a chave acabe favorável e Boston enfrente algo como Cavaliers e Bulls nas duas primeiras rodadas, e de repente uma chance de título parece bem possível - especialmente considerando que os Bucks não tem convencido, e os Nets são uma aposta complicada para estarem no seu melhor jogo. No fim, tudo vai depender dos confrontos que se montarem e, para ser sincero, um pouco de sorte, como é inevitável na NBA.

Mas os Celtics se colocaram nessa conversa de forma legítima, e isso que atualmente importa. Depois de meses medíocres e da expectativa crescente de que havia algo de errado com a própria fundação dessa equipe - e que portanto seria preciso explodir tudo e reconstruir do zero - Boston pode novamente aproveitar ser um time bom, competitivo, e um que ninguém vai querer ver pela frente em maio.