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OPINIÃO

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Vitor Camargo: Tentando entender as trocas e decisões do Sacramento Kings

Domantas Sabonis, do Sacramento Kings, enfrenta Corey Kispert, do Washington Wizards, durante jogada na Capital One Arena. 12/02/2022 - Brad Mills/USA TODAY Sports
Domantas Sabonis, do Sacramento Kings, enfrenta Corey Kispert, do Washington Wizards, durante jogada na Capital One Arena. 12/02/2022 Imagem: Brad Mills/USA TODAY Sports

17/02/2022 04h00

Desde que eu comecei a acompanhar a NBA, em 2004, tem uma frase que eu talvez tenha ouvido mais do que qualquer outra no esporte - e uma que se ouviu com grande frequência essa semana: o que diabos o Sacramento Kings está fazendo?

Times que estão em décimo terceiro na conferência simplesmente não fazem movimentos para vencer no curto prazo na data limite para trocas. Esses tendem a trocar seus veteranos por escolhas de Draft, ativos futuros e jovens jogadores, pensando no amanhã já que o hoje está comprometido. Há exceções, claro - os Warriors de 2020, por exemplo, que sabiam que voltariam a ser contenders no curto prazo - mas, para a grande maioria das equipes nessas situações, o momento é de vender.

Por isso foi tão chocante ver o Sacramento Kings chegar na data limite de trocas da NBA e fazer exatamente o oposto: eles trocaram seu melhor jogador e ativo, Tyrese Haliburton, pelo All Star Domatas Sabonis, e se esforçaram para manter na equipe veteranos como Harrison Barnes e Richaun Holmes apesar de amplo interesse no mercado. Com isso, a equipe sacrificou um pouco do seu futuro pelo agora... só que o "agora" é uma campanha de 20-36, o décimo terceiro lugar do Oeste, para uma franquia que não vai aos playoffs desde 2006, e tem 1,2% de chance de se classificar para os playoffs de acordo com o Basketball-Reference. O que, naturalmente, nos obriga a mais uma vez fazer a pergunta que não quer calar: o que o Sacramento Kings está fazendo?

Para ser justo, a resposta é simples, o que não necessariamente significa que seja inteligente: os Kings querem vencer agora. Esses 16 anos sem playoffs pesam, e muito, sobre a franquia; nesse tempo, os Kings já passaram por várias reconstruções, técnicos, até mesmo donos, e nunca teve resultado. É compreensível que o time não queria se lançar em MAIS UMA reconstrução, mais uma vez alienando sua fanática torcida ao desmontar o time atrás de escolhas de Draft que não tem virado muitas coisas úteis em Sacramento. Com o novo formato de play-ins dando a chance de mais times de jogarem por algo relevante na temporada e a lesão de Lillard (e subsequente desmonte dos Blazers) abrindo por completo a disputa pela décima vaga do Oeste, os Kings enxergam uma oportunidade que não tem faz dezesseis anos: jogar partidas relevantes em abril. Isso seria impossível com o formato antigo de 8 times; com o atual, o time pode buscar a décima vaga e apostar tudo no play-in para finalmente voltar à pós-temporada.

E, sob essa ótica, a troca funciona. O time pode ter perdido seu melhor jogador da atualidade em Haliburton, o que em teoria enfraquece a equipe, mas Sabonis agora chega para ele ser o craque do time, e hoje o pivô é simplesmente um jogador melhor do que Haliburton, um duas vezes All-Star que tem médias consistentes na casa dos 20 pontos, 12 rebotes e 5 assistências por jogo. Sabonis também é um encaixe melhor com o resto do núcleo dos Kings; Sacramento tentou e falhou em fazer funcionar uma formação baseada no trio de armadores com Haliburton, De'Aaron Fox e o calouro Davion Mitchell, e trocar um deles por Sabonis - um pivô extremamente talentoso e excelente passador, que é um encaixe bom com ambos - da ao time mais coerência, e oferece um caminho claro ao redor do qual construir seu jogo. É claro, os Kings certamente teriam preferido trocar Fox ao invés de Haliburton, um jogador melhor e muito mais valioso (mais sobre isso em um instante), mas a verdade é que Fox simplesmente não tinha tanto valor mais ao redor da NBA, e não teria gerado um retorno bom como Sabonis. Nesse sentido, os Kings trabalharam com o que tinham para alcançar seu objetivo.

Nesse contexto, a decisão de manter os veteranos - que não fez os Kings perderem nada de concreto, mas carrega um custo de oportunidade - ajuda. Nomes como Barnes e Holmes eram cobiçados no mercado por bons motivos, são jogadores sólidos que ajudam suas equipes, e com eles ao lado de uma estrela como Sabonis e (espera-se) um Fox que agora pode se concentrar em jogar como se sente mais confortável ao invés de se adaptar a Haliburton, os Kings certamente são um time melhor do que eram uma semana atrás. Desde a troca, eles venceram dois jogos - não diz nada na prática, claro, mas sempre bom - e agora estão apenas um jogo atrás dos New Orleans Pelicans e meio jogo atrás dos Spurs, seus concorrentes diretos pela décima vaga. Sacramento tem uma chance real - e maior do que antes - de atingir esse objetivo.

Então, por essa ótica, a troca atinge seu objetivo. Mas o problema não é como a troca serve a esse objetivo, e sim o objetivo em si: ela melhorou os Kings, mas será que a ponto de fazer uma diferença real? Qual é o grande potencial que essa troca trás para o time? No melhor dos cenários possíveis, os Kings conseguiriam apenas a décima posição e a última vaga para os play-ins, que não são os playoffs. Para chegar no segundo, precisarão vencer dois jogos seguidos contra Wolves/Lakers/Clippers, fora de casa, e mesmo assim só para enfrentar os Suns ou os Warriors na primeira rodada. Não é por acaso que a chance dos Kings de pós-temporada atualmente senta em só 1.2%. E mesmo pensando em 2023, existe algum motivo para achar que os Kings serão mais competitivos em um Oeste onde nenhum time projeta despencar, com Nuggets e Clippers tendo retornado os seus lesionados, Lillard voltando para Portland, talvez Zion voltando para New Orleans? É difícil enxergar isso acontecendo, e caso o sucesso não venha até então, Sabonis entra no seu último ano de contrato e os Kings voltam à estaca zero. Não é um problema um time da NBA optar por se manter em uma consistente mediocridade ao invés de continuar perdendo e perdendo só sonhando com um ticket de loteria premiado para mudar as coisas, mas mesmo uma mediocridade consistente parece além do alcance dos Kings no contexto atual da NBA.

E o custo da troca foi pesado. Haliburton pode não ser tão bom quanto Sabonis hoje, mas como ativo, é muito mais valioso de modo geral: Hali tem apenas 22 anos, e mais dois anos no seu contrato de calouro - depois do qual ele vira um agente livre restrito. São pelo menos seis anos de controle do time além de 2022 que Haliburton oferece, sendo dois deles extremamente baratos, ao contrário dos dois anos que os Kings tem antes de Sabonis virar agente livre irrestrito. Os Kings também incluíram Buddy Hield na troca para Indiana - outro jogador que poderia trazer retorno no mercado - e a consequência de não negociar Barnes e Holmes impede que o time adquira jovens ativos ou escolhas de Draft que ajudariam a equipe no futuro, daqui a alguns anos, ainda que não agora. Mas os Kings estão pensando no agora, e aceitaram sacrificar o seu time de 2026 em favor do de 2022 - mesmo que essa melhoria seja possivelmente irrelevante. É compreensível a aversão dos Kings a uma nova reconstrução que significaria mais anos duros e de derrotas, mas tudo indica que o time vai caminhar nessa direção de qualquer jeito, só que com menos munição quando o dia chegar.

E, talvez mais importante, esse excesso de pressa para mudar algo e retirar o time da lama é resultado da incompetência generalizada que caracterizou os Kings nas últimas décadas. Seus dois únicos técnicos decentes nos últimos 16 anos, Dave Joeger e Michael Malone, foram demitidos inexplicavelmente por interferência do dono do time. A decisão de pegar outro armador no Draft em Davion Mitchell - sendo que o time já tinha dificuldade para conciliar seus dois principais jogadores, ambos armadores - levou o que poderia ser um problema a outro patamar de desconforto, e provavelmente forçou de certo modo essa troca. Fox, depois de parecer uma jovem estrela em ascensão poucos anos atrás, nunca evoluiu seu jogo e perdeu totalmente o interesse por defesa. Mesmo Marvin Bagley, que o time acabou de trocar por Donte DiVincenzo (boa troca!) e era um custo morto para os Kings, foi a escolha #2 do Draft de 2018, logo atrás de Luka Doncic, Jaren Jackson Jr e Trae Young. Os Kings desesperadamente tentaram trocar Buddy Hield - outro guard - mas deixaram Bogdan Bogdanovic sair por nada como a gente livre restrito. É uma sequência incrível de erros e fracassos retumbantes que, a partir de certo ponto, deixam de ser apenas azar ou acaso - e passam a formar uma explicação bem clara sobre por que é a franquia com maior seca de playoffs da NBA.

E, por mais que eu goste de Sabonis, por mais que entenda o objetivo dos Kings, essa sequência de Sacramento tem as mesmas marcas que levaram aos fracassos anteriores: falha em enxergar o cenário maior, pressa para conseguir resultados que não estão disponíveis, um excesso de confiança na própria visão. Sacramento será melhor agora, mais divertido, e espero que oferecem algumas alegrias a uma das torcidas mais torturadas da NBA; mas não tenho ilusões de que agora os Kings estão seguindo em uma direção melhor.