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OPINIÃO

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Por que 'Miss Sunshine' da NFL pode fazer dos Jaguars a surpresa de 2022

Trevor Lawrence, quarterback do Jacksonville Jaguars - Mike Carlson/Getty Images/AFP
Trevor Lawrence, quarterback do Jacksonville Jaguars Imagem: Mike Carlson/Getty Images/AFP

26/08/2022 04h00

Em 2021, o quarterback da Universidade de Clemson, Trevor Lawrence, foi a escolha #1 do Draft pelo Jacksonville Jaguars. Ser um QB escolhido nessa posição, naturalmente, já gera enormes expectativas sobre seu papel como futuro da franquia, mas no caso de Lawrence isso era ainda mais extremo: Sunshine - apelido dado a Lawrence pela sua semelhança com Ronnie "Sunshine" Bass, personagem do filme Remember The Titans - chegou na NFL com a fama de ser o melhor jovem talento da posição a entrar no Draft em anos, talvez até mesmo décadas, e era esperado que logo se tornasse o próximo grande superastro do esporte.

No entanto, sua temporada de calouro não seguiu a cartilha esperada: os Jaguars (pelo segundo ano seguido) terminaram com a pior campanha de toda a NFL, e o time foi muito mais notado em 2021 pelas enormes polêmicas extra-campo do que por qualquer coisa de boa que tenha acontecido dentro das quatro linhas. Foi basicamente um ano perdido para um time que, graças a Sunshine, tinha os olhos de todo o esporte voltados para si em certa medida.

A temporada de Lawrence em si também foi fraca, o que levantou muitas discussões acaloradas sobre o jogador. De fato, os números de Lawrence foram inegavelmente péssimos: 59% de aproveitamento nos passes (#31 entre 33 QBs qualificados), 12 TDs e 17 interceptações, 6.0 jardas por passe (#32), e 5.2 jardas ajustadas por passe (#33). Números avançados não são mais amigáveis com a temporada do camisa 16: ele terminou com o quarto pior QBR da NFL (na frente de Sam Darnold e os também calouros Justin Fields e Zach Wilson), e terceiro pior em DYAR (na frente de Darnold e Wilson). Estatisticamente, Lawrence foi um dos piores jogadores da NFL em 2021, e embora isso seja esperado até certo ponto de um QB calouro jogando em um time ruim, foi um pouco decepcionante considerando as expectativas - e levou muitos a questionarem se Lawrence realmente é e vai ser tudo isso, ou se é realista esperar uma grande melhora em 2022.

Mas, quando você vai ver os vídeos de Trevor Lawrence em campo pelos Jaguars, você começa a ver um monte disso aqui:

Essa é uma jogada absurdamente especial; você pode contar em uma mão os jogadores da NFL que são sequer capazes de fazer esse tipo de lance. E não são só os lances absurdos que chamam a atenção, mas também lances aparentemente simples, mas que novamente são limitados a uns poucos QBs verdadeiramente especiais.


E sim, é importante lembrar que o que conta não é necessariamente o que um QB é capaz de fazer em uma jogada ou outra, mas o que ele faz consistentemente ao longo de 40 snaps durante uma partida, consistentemente. Jogadas espetaculares (como as do primeiro clipe) podem vir de qualquer jogador com qualidade e atleticismo suficientes, mas os QBs que realmente transcendem são aqueles que misturam esses lances incríveis com eficiência em lances mais simples, evitando erros e fazendo as jogadas básicas que movem as correntes (como no segundo clipe).

O que salta aos olhos vendo vídeos de Lawrence é o quanto os dois tipos de jogada aparecem com enorme frequência, as simples e as espetaculares, e mesmo assim os resultados não acompanham o processo. Por que? Bem, veja esses outros dois clipes.

Esse primeiro lance é uma obra de arte: a defesa dos Bills consegue a infiltração, mas Lawrence navega o pocket com perfeição, subindo para fugir da pressão vinda das pontas, mas sem subir demais para dar de cara com o DT. Nesse tempo, ele mantém os olhos na secundária; seu alvo tropeça, mas Lawrence move o linebacker com os olhos e ainda consegue encaixar o timing perfeito para o passe. A jogada é perfeita e brilhante tanto nos fundamentos como na qualidade de um passe difícil em uma janela apertada... e, claro, o passe é dropado pelo recebedor.

E as jogadas compiladas nesse vídeo, então?

No primeiro lance, absolutamente NENHUM recebedor consegue separação apesar do play-action, e a pressão força Lawrence a soltar a bola rápido para a rota curta. No segundo, Sunshine lê a blitz perfeitamente e solta um passe absolutamente PERFEITO, majestoso, para seu recebedor - que não consegue completar a recepção. No terceiro (e no replay), novamente Lawrence finalmente consegue algum tempo no pocket, mas nenhum recebedor está livre ou com o menor espaço para o passe. Os seguintes seguem o mesmo padrão, um misto de pouco espaço no pocket e recebedores marcados, sem nenhuma separação, para os quais Lawrence ainda consegue muitas vezes achar bons lançamentos que não acabam sendo pegos. O processo é perfeito, a habilidade de Lawrence está em primeiro plano, mas os resultados são inexistentes por fatores que não tem nada a ver com o quarterback.

Em 2021, apenas um outro quarterback (Justin Fields, dos Bears) pode se queixar de tão pouca ajuda ao seu redor. Sua linha ofensiva foi porosa (Lawrence, aliás, foi o terceiro melhor QB escapando de sacks segundo os dados da PFF), seus recebedores (especialmente depois que DJ Chark se machucou) foram os que menos criaram separação na liga, e os Jaguars passaram por um ano com uma das situações de técnico mais tóxicas da história do esporte sob o comando do horrendo Urban Meyer. Os números de Lawrence podem ter sido ruins, mas quanto mais você mergulha no contexto, mais fica claro o quanto isso foi determinado por fatores externos ao QB.

E essa realização levanta uma questão importante: o que isso significa para 2022? Meyer foi mandado embora e substituído por Doug Peterson, famoso por seu ótimo trabalho com Carson Wentz e Nick Foles na Philadelphia, ganhando inclusive um Super Bowl com o segundo de titular. O time também investiu pesado no ataque para melhorar a estrutura ao redor de Sunshine: o All Pro Brandon Scherff chegou para reforçar (e muito) a linha ofensiva, enquanto o time investiu pesado em recebedores como Evan Ingram, Christian Kirk e Zay Jones para melhorar os alvos; Jacksonville também terá a volta do RB Travis Ettienne, que perdeu sua temporada de calouro após uma lesão no joelho. Sob qualquer ótica possível, Lawrence terá ao seu redor em 2022 uma situação extremamente superior a qualquer coisa que encontrou em 2021; se ele mantiver a consistente genialidade que mostrou ano passado - sem falar na evolução natural em seu segundo ano - com mais talento ao redor, não é absurdo imaginar que Lawrence pode despontar em 2022 como um dos melhores QBs da NFL, dando aos Jaguars uma legítima superestrela na posição mais importante do jogo.

Esse tem sido, inclusive, um dos principais fatores que fazem dos Jaguars uma das zebras mais interessantes da liga, e um time que muitos estão marcando como time a se ficar de olho para essa temporada. Se a influência de Urban Meyer era tão tóxica quanto parecia - e existe ampla evidência apontando que sim - a troca por um técnico competente sozinha já deveria ser suficiente para melhorar as perspectivas da equipe, e o time tem muito talento jovem dos dois lados da quadra que deve florescer com a mudança. Adicione a isso uma possível estrela na posição de QB, e de repente os Jaguars começam a parecerem interessantes.

Ajuda também que o time joga em uma divisão que não passa confiança. Os Texans continuam muito fracos, e devem ser um dos piores times da liga mais alguns anos. Os Titans tiveram a melhor campanha da NFL em 2021, mas são um fortíssimo candidato a regressão e acabaram de trocar seu melhor jogador ofensivo (AJ Brown), indicando um passo atrás; Derrick Henry, o outro candidato ao título, vem de uma temporada onde misturou pouca eficiência e lesões. Os Colts provavelmente são o melhor time no papel, mas caso as coisas não deem certo ou seu quarterback de 37 anos dar um grande passo para trás, a divisão pode perfeitamente se encontrar aberta para qualquer um tomar conta. E, em uma situação dessas, você apostaria no time com o melhor QB, que pode muito bem vir a ser Lawrence.

Todo ano, um time da NFL sai de último da divisão para primeiro. Os Jaguars não são favoritos a serem o time de 2022 a atingir tal feito - os Ravens e Broncos tem chances maiores - mas não é um absurdo enxergar um mundo onde aconteça. Se eu tiver que palpitar, eu não acho que será o caso: o time ainda tem buracos dos dois lados da bola, e essas mudanças nunca são tão lineares como parecem no papel. Alguma coisa sempre da errado, e em um time jovem e em reconstrução, sua margem para lidar com esses problemas é menor. Colts e Titans ainda são candidatos mais fortes ao título da AFC South.

Mas, ainda que ganhar a divisão ou chegar nos playoffs fosse ótimo para os Jaguars, isso não é o mais importante em 2022. O mais importante é que o time saia do buraco que foi a gestão Urban Meyer, e mostre que existe um futuro com esperança pela frente. E nada vai fazer mais por esse objetivo do que ver Trevor Lawrence jogando como a superestrela que todos acharam que ele seria antes do Draft - e que suas atuações como novato indicaram que ele pode ser com um entorno melhor.