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OPINIÃO

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Quem foi David Thompson, ídolo de infância e inspiração de Michael Jordan

David Thompson, ex-jogador da NBA -  NBA Photos/NBAE
David Thompson, ex-jogador da NBA Imagem: NBA Photos/NBAE

19/08/2022 04h00

Se você é fã de basquete, certamente já ouviu falar em Michael Jordan, considerado por muitos o maior jogador da história da NBA. Jordan não apenas foi um jogador lendário dentro das quadras, mas também um símbolo do esporte fora delas, alguém que levou o esporte a novos fãs e novos mercados, e inspirou gerações de jogadores que vieram depois - incluindo muitos que vemos até hoje.

Mas Jordan nem sempre foi um produto finalizado; muito antes de entrar na NBA e virar uma lenda, Jordan também foi um garoto que sonhava em jogar basquete, e que assim como centenas de futuros jogadores tiveram em Jordan sua inspiração, o jovem Jordan tinha seu próprio ídolo dentro das quadras, um jogador que ele sonhava emular e ao redor do qual moldou seu estilo de jogo. E o nome desse jogador, do craque que inspirou Michael Jordan, era David Thompson.

É uma pena que o nome de Thompson tenha escorregado por entre as páginas da história até os dias de hoje; é muito raro ouvir fãs ou até jornalistas falando sobre o jogador tão incrivelmente atlético e explosivo que chegou a ganhar o apelido de Skywalker pela forma como parecia pairar no ar durante seus saltos (e, vale citar, ele ganhoou o apelido dois anos antes do lançamento do primeiro Star Wars). Thompson foi não apenas um jogador extremamente dominante no seu auge, mas também um de enorme importância em popularizar o jogo e seu movimento mais icônico, a enterrada - e alguém que possivelmente estaria hoje no patamar das lendas do esporte se não fosse a obra do acaso.

David Thompson era um ala-armador extremamente atlético e um dos grandes pontuadores da sua geração, alguém que atacava a cesta com sua explosão e tinha um ótimo arremesso de meia distância para complementar, e que ficou famoso acima de tudo pelas suas enterradas espetaculares. Ele era um bom passador e jogador inteligente, mas estava no seu melhor atacando no um-contra-um, pontuando alucinadamente e enterrando na cabeça de pivôs desavisados. Thompson tinha também uma habilidade natural de elevar seu jogo nas situações críticas e momentos decisivos das partidas, com várias cestas vencedores no fim de partidas. E se você acha que essa descrição parece familiar, você não está errado: o jogo de Thompson acabou servindo de modelo para o que viria a ser o protótipo do ala-armador moderno, uma linhagem que ao longo dos anos nos traria jogadores como Kobe Bryant, Dwyane Wade e, claro, Michael Jordan.

E, assim como Jordan, Thompson se tornou uma estrela mesmo antes de chegar no basquete profissional. No seu primeiro ano no jogo universitário, em NC State, Thompson liderou a universidade a uma campanha invicta de 27 vitórias e 0 derrotas, ainda que - por causa de uma punição - a equipe não participasse dos playoffs. Mas, no ano seguinte, não teve jeito: cumprida a punição, Thompson levou NC State ao título da NCAA e foi eleito o MVP do Final Four com sobras. E se um time enfraquecido de NC State não conseguiu repetir o desempenho em 1975, seu último na universidade, o ano de Thompson não foi menos brilhante: não apenas ele foi eleito Jogador Universitário do Ano, mas ele executou aquela que talvez seja a jogada mais icônica da sua carreira.

No último jogo que NC State jogaria em casa, o último de Thompson diante da sua torcida, a equipe vencia com tranquilidade quando, no fim da partida, Thompson saiu em disparada no contra-ataque e subiu pelos ares como só ele era capaz, cravando a bola com violência na cesta em uma enterrada espetacular. O lance poderia parecer comum, se não fosse um detalhe: na época, enterradas eram proibidas no jogo universitário, vistas como uma jogada de força e não de técnica, então essa foi a primeira e única vez que Skywalker enterrou em um jogo por NC State. A cesta foi anulada e Thompson recebeu falta técnica pelo ato, mas não importava; a torcida explodiu ao ver a jogada, e sacramentou o status do jogador como lenda suprema do basquete de NC State.

Thompson também ficou famoso por "criar" o conceito hoje comum (mas divertidíssimo) da ponte-aérea; ele não foi o primeiro a realizar a jogada, mas foi o primeiro astro a fazer do lance consistentemente uma arma - tamanha era sua impulsão.

Terminada a carreira universitária, Thompson precisava decidir em qual liga jogar. Em 1975, o basquete norte-americano estava dividido em duas ligas profissionais rivais, a NBA e a ABA; e, embora a NBA fosse a liga mais estável e sólida financeiramente, a ABA era a liga que tinha maior representatividade de jogadores negros e um estilo mais plástico, explosivo e atlético que casava com o jogo de Thompson.

Foi para a ABA que Thompson se dirigiu, se tornando jogador do Denver Nuggets e o novo astro da liga: em um momento onde a ABA capengava financeiramente e precisava urgentemente de algum fator que ajudasse a atrair público, a chegada das jogadas explosivas, enterradas espetaculares e puro carisma de Thompson foi um presente dos céus. Thompson foi eleito Calouro do Ano e levou o Denver Nuggets até as Finais da ABA, mas mais importante, junto com Julius Erving o novato ofereceu à ABA duas estrelas capazes de carregarem a liga nas costas tempo suficiente para forçar uma fusão com a NBA. Tamanho era o peso que Thompson tinha como estrela que o Denver Nuggets acabou sendo escolhido como uma das quatro franquias da ABA (junto de Nets, Pacers e Spurs) para se juntar à NBA, enquanto o mais tradicional e vitorioso Kentucky Colonels acabou sendo dissolvido.

Uma vez na NBA, Thompson logo deixou claro que seu sucesso não tinha acabado. Em 1977, seu primeiro ano na nova liga e com meros 22 anos, Thompson teve médias de 25 pontos, 4 rebotes e 4 assistências para o Denver Nuggets; em 1978, esses números subiram para 27 pontos, 5 rebotes e 5 assistências por jogo para levar o Denver Nuggets até as finais do Oeste. Em ambos os anos, Thompson foi eleito 1st Team All-NBA, superando lendas como Julius Erving, George Gervin e Pete Maravich no processo e se estabelecendo como um dos principais nomes da nova NBA no processo. Em 1978, Thompson acabaria em terceiro na corrida pelo prêmio de MVP, e teria mais um momento icônico no último jogo da temporada: sua explosão para 73 pontos na partida contra o Detroit Pistons, na época a maior pontuação de um não-pivô na história do basquete e até hoje a quarta maior pontuação individual da história.

A essa altura, Thompson tinha apenas 24 anos e era uma das maiores estrelas do esporte, com tudo indicando um futuro brilhante pela frente para ele e o Denver Nuggets. Mas então algumas coisas aconteceram.

Entre as temporadas 78 e 79, Thompson assinou uma extensão contratual recorde (para a época) com os Nuggets: 4 milhões por 5 anos. Com um contrato tão gigantesco em mãos e a pressão para justificar o investimento em uma época onde equipes como Denver ainda eram financeiramente muito frágeis - e uma piora considerável da equipe ao seu redor devido a alguns movimentos desastrosos da diretoria da equipe - Thompson teve uma leve queda em 1979, embora ainda fosse muito bom (24 pontos, 3 rebotes, 3 assistências por jogo), antes que tudo fosse por água abaixo em 1980.

Uma lesão séria no pé em 1980 tirou Thompson de boa parte da temporada regular, e acabaria por afetar consideravelmente seu físico nos anos subsequentes - minando sua enorme explosão e capacidade atlética, tão fundamental para seu estilo de jogo. Para piorar, em paralelo Thompson desenvolveu um grande problema com cocaína, que a essa altura estava se tornando um problema generalizado na NBA. Thompson ainda teria uma última temporada de glória em 1981, voltando de lesão com 26 pontos por jogo de média, mas a piora do seu vício e novos problemas físicos com seu pé lesionado acabaram por terminar de vez com o que tinha sido pouco tempo antes um dos mais explosivos e talentosos jogadores do esporte. Thompson acabou trocado sem cerimônia para o Seattle Supersonics em 1982, onde até chegou a ir ao All Star Game em 1983, mas estava claro que a magia tinha terminado; após perder quase toda a temporada 1984 afastado por causa dos seus problemas com drogas, uma lesão gravíssima no seu joelho encerrou a carreira de David Thompson com meros 29 anos de idade, tendo perdido praticamente os últimos cinco anos do que poderia ter sido uma trajetória para drogas e lesões.

É fácil, portanto, entender porque Thompson acaba não sendo tão lembrado entre os grandes jogadores de todos os tempos; seu auge foi lamentavelmente curto, apenas três anos (e um quarto na ABA) durante um período conturbado (e com poucos registros em vídeo) da história da NBA, antes que sua carreira entrasse em uma espiral descendente. Mas, nesses anos de ouro, Thompson foi um dos mais dominantes jogadores do esporte, um dos seus maiores pontuadores, e alguém que - com sua combinação de bandejas acrobáticas, enterradas incríveis e estilo explosivo - trouxe uma plasticidade, um carisma para o basquete que ele desesperadamente precisava nos anos 70, e que ajudaria a pavimentar o caminho para o crescimento da liga nos anos 80 e, eventualmente, a sua explosão definitiva com Michael Jordan nos anos 90. Thompson teve sua camisa (#33) aposentada em Denver, a #44 aposentada em NC State, e de certa forma, seu maior legado talvez seja a própria sobrevivência do Denver Nuggets após a fusão entre NBA e ABA em 1976. E se você tem alguma dúvida sobre o quão insanamente bom David Thompson era no seu auge, se precisa de mais motivos para sonhar com um universo paralelo onde Thompson não tem esses problemas com drogas e lesões e pode viver sua carreira como um dos grandes da história, você só precisa parar e ouvir os jogadores que jogaram com ele, contra ele, ou que - como Jordan - cresceram admirando e tentando imitar Skywalker:

Doze anos após sua aposentadoria precoce, em 1996, David Thompson seria - merecidamente - eleito para o Hall da Fama do basquete. E, mais simbolicamente ainda, quando em 2009 foi a vez de Michael Jordan ser imortalizado no Hall, o camisa 23 escolheu seu ídolo de infância, David Thompson, para fazer a apresentação.

A estrela de Thompson pode ter se perdido ao longo dos anos, mas ela chega até nós através do legado de tantos outros jogadores que beberam da sua fonte e se inspiraram no seu estilo revolucionário. E que o maior jogador de todos os tempos faça parte desse grupo é só a cereja no bolo.