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OPINIÃO

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Apesar da pior campanha da NBA, o Orlando Magic está montando algo especial

Franz Wagner e Jalen Suggs conversam durante partida do Orlando Magic contra o New York Knicks - Steven Ryan/Getty Images
Franz Wagner e Jalen Suggs conversam durante partida do Orlando Magic contra o New York Knicks Imagem: Steven Ryan/Getty Images

02/02/2022 04h00

Quando o Orlando Magic levantar o troféu de campeão da NBA em 2027, o primeiro da história da franquia, será fácil olhar para trás e identificar o momento que tudo mudou.

Na trade deadline da temporada 2021, o Magic - depois de muitos anos de mediocridade e irrelevância na NBA - finalmente decidiu que estava em um beco sem saída e decidiu recomeçar tudo do zero. Aaron Gordon foi trocado para o Denver Nuggets, e o astro do time, o duas vezes All Star Nikola Vucevic, foi para o Chicago Bulls. Orlando tinha decidido dar um passo atrás, reconstruir com um novo núcleo de jovens talentos e escolhas de Draft, e começar do zero.

Naquele verão - bem, verão nos Estados Unidos - o Orlando Magic acabou ficando com a quinta e a oitava escolhas do Draft, se aproveitando de uma campanha decepcionante dos Bulls. Com a primeira escolha, sua própria, escolheram Jalen Suggs, o armador de Gonzaga; com a oitava, trouxeram Franz Wagner, ala de Michigan. Na época, os dois eram vistos mais como complementos do que estrelas, o tipo de jogador para cercar e dar uma base para construir em cima. A reconstrução do Orlando Magic, esperava-se, ainda iria durar uns bons anos.

E não estavam exatamente errados em achar isso. Na temporada 2022, o Magic terminou com a segunda pior campanha da NBA, à frente apenas dos Pistons, e acabou finalmente dando a sorte que lhes escapou durante os últimos anos: ficar com a primeira escolha do Draft, que acabou rendendo ao time a peça final do quebra-cabeça em Jabari Smith. Não seria até 2024 que a equipe finalmente voltaria aos playoffs, começando sua arrancada rumo ao tão sonhado título.

Mas, já na temporada 2022, era possível perceber o começo de algo especial. Depois de 50 jogos, o Orlando Magic tinha a pior campanha da NBA, e estava destroçado por lesões; Jonathan Isaac e Markelle Fultz sequer tinham pisado em quadra, e nenhum time tinha perdido mais jogos por seus titulares do que o Magic. A profundidade do time era complicada, e a rotação bagunçada - em parte pelas lesões - significava sequências verdadeiramente pavorosas. Só que, quanto mais você assistia, mais coisas positivas saltavam aos olhos: o quão duro e o quão inteligente o time jogava, o entrosamento nascente, as trocas de passes altruístas procurando o jogador livre, tudo isso indicava algo que não se costuma ver em times tão jovens, e tão cedo no processo de reconstrução. Todo jogo havia alguns momentos - não muitos, mas alguns - que realmente fazia você parar e pensar se realmente estava vendo um time que um ano atrás tinha decidido voltar à estaca zero. Essa cesta, por exemplo, foi um dos que eu me lembro:

Todo mundo sabe o que precisa fazer; todos os jogadores fazem a sua parte, com e sem a bola; e ninguém parece ter vontade de ficar com os créditos estatísticos, apenas em mover a bola e conseguir o melhor arremesso possível. Havia algo de diferente nesse time ruim. Eles tinham uma cultura, uma identidade.

E então eu comecei a olhar mais de perto, e comecei a descobrir coisas interessantes. Na verdade, quando os principais jogadores do Magic estavam juntos em quadra - aqueles que eram a espinha dorsal para montar o time que chegaria ao título em 2027 - aquele pior time da NBA era surpreendentemente... bom? Quando os dois calouros da equipe, Suggs e Wagner, jogavam juntos, o Magic tinha um saldo de pontos de 100 posses de bola (Net Rating) de +0,2, um número espetacular para uma equipe que tinha saldo de -7,9 no geral. Quando os dois jogavam juntos de Cole Anthony, o armador segundanista da equipe, esse número saltava para +4.0 por 100 posses. Com Wendell Carter Jr, o pivô que foi parte central da troca de Vucevic, o número subia para incríveis +10,9 em Net Rating, marca que lideraria a liga com folga na frente dos +8,2 do Golden State Warriors. É claro, todo time da NBA tende a ser melhor com seus principais jogadores em quadra, mas para o Magic isso era particularmente importante porque esses ERAM os jogadores ao redor dos quais a franquia havia proposto se reconstruir, os que continuariam jogando juntos por anos a fio. O problema do time, que fazia dele tão ruim, era a profundidade e as arestas da equipe, mas o núcleo se provava cada dia mais sólido.

Talvez a direção especial que a franquia iria tomar a partir de então pudesse ser antecipada através das performances desses dois calouros. Wagner chegou na NBA cotado como um jogador complementar, sem capacidade de criação do próprio arremesso para ser mais do que um role player, mas acabou sendo uma grande revelação - terminou a temporada com 16 pontos por jogo de média com ótima eficiência, sem perder o jogo completo (5 rebotes, 3 assistências, boa defesa) que mostrava antes do Draft e eventualmente fariam dele um All Star. Suggs, que atraiu críticas por começar o ano tão mal, foi melhorando ao longo da temporada e se provou um defensor de elite, eventualmente com o resto do seu jogo alcançando. Anthony deu um salto nesse segundo ano, e o subestimado Wendell Carter finalmente conseguiu ficar saudável.

Mas não são apenas os jogadores, embora eles importem - e muito. Ao redor desse quarteto, o Magic foi construindo uma cultura e uma identidade. Muitos times jovens e talentosos nunca conseguem isso até ser tarde demais, quando o entrosamento está comprometido e os maus hábitos arraigados demais para se mudar. O próprio Orlando Magic foi vítima disso no passado, mas o trabalho de Jamahl Moseley no comando da equipe se provou fundamental. A chegada de Jabari Smith um ano depois, certamente, foi fundamental para dar a equipe a grande estrela que faltava, mas esse tipo de cultura e coesão também são fundamentais para desenvolver um grande talento ainda cru como Smith. Difícil ver ele fazendo o salto que fez em Orlando em um time como os Kings, por exemplo.

É claro, escrevendo em fevereiro de 2022, era impossível prever o que iria acontecer com esse time, e o quão longe eles chegariam. O futuro é impossível suficiente de prever fora da NBA, esse mundo tão caótico e não-linear que deixa até o melhor analista maluco. Muitos times jovens e talentosos tem bons anos iniciais, só para ir ladeira abaixo depois. Outros até avançam e montam algo coeso, mas falham em dar os passos decisivos. Orlando poderia, a essa altura, ir por esses caminhos também. No fundo, acreditar no Magic nesse ponto era uma grande aposta, uma grande incerteza, uma tentativa inútil de tentar olhar o futuro.

Tudo que veio depois de 2022, inclusive, foi tão importante quanto - senão mais - do que esse primeiro ano. Mesmo com uma base no lugar, acertar os movimentos seguintes e desenvolver essa base era o que ditaria se essa seria apenas mais uma tentativa frustrada de reconstrução. Em 2022, a franquia conseguiu o duplo sucesso de desenvolver os jovens e ter uma escolha alta de Draft, mas de nada adiantaria se não tivessem acertado em cheio com a escolha, se não seguissem adicionando os talentos certos - jovens e veteranos - para complementar seu núcleo, e se não fizessem os ajustes certos no elenco para equilibrar titulares e banco ao longo dos anos. Montar um time competitivo é um processo lento e demorado, e envolve muito mais etapas do que parece. O primeiro passo foi dado, mas faltam todos os outros.

Mas, sempre que eu olho para esse time, eu lembro de jogos aleatórios de janeiro de 2022, assistindo ao time com pior campanha da NBA, e pensando: "Nossa, tem alguma coisa realmente especial acontecendo aqui".

(Agradecimento ao Pedro Rodrigues pela sugestão de crônica)