Uma das menores espécies de morcegos frugívoros é descoberta por cientistas

Não é comum morcegos ao redor do mundo alimentarem-se de frutas. Nas Américas Central e do Sul, porém, frutas fazem parte da dieta de grande parte das espécies de morcegos. Na região Neotropical, que engloba desde parte do México até a Argentina, existem cerca de 100 espécies de morcegos Stenodermatinae, grupo que inclui espécies obrigatoriamente frugívoras.

Dentro do grupo dos morcegos frugívoros há uma grande variação no tamanho, forma e coloração dos indivíduos. Podemos ter desde espécies de coloração uniformemente marrom até animais com o pelo praticamente todo branco, como Ectophylla alba.

O tamanho também varia bastante no grupo com as maiores espécies chegando a ter até 10 cm de comprimento e pesar cerca de 65 g. Os menores morcegos que comem frutas têm um comprimento do corpo de cerca de 4,5 cm e podem chegar a pesar apenas 5 gramas, menos que uma moeda de 50 centavos de real.

A grande gama de espécies de morcegos frugívoros atua como dispersores de sementes de uma variedade de plantas, como figueiras, solanáceas e piperáceas. Nesse sentido, providenciam serviços ecossistêmicos ao auxiliar a regeneração de áreas degradadas.

Outra característica incomum desses morcegos frugívoros é o habito de abrigarem em folhagem durante o dia. Algumas espécies inclusive modificam as folhas, formando abrigos que lembram pequenas cabanas ou tendas.

Foi estudando esse grupo de morcegos frugívoros que eu, junto com uma equipe internacional contendo uma pesquisadora brasileira e dois mexicanos, descrevemos mais uma espécie de morcego frugívoro.

A espécie nova, que batizamos de Vampyressa villai, é um animal de pelagem amarelada e com o rosto adornado por quatro listras brancas. É também uma das menores espécies de morcegos que se alimentam de frutas no mundo, pesando cerca de oito gramas.

A colaboração que culminou na descrição da nova espécie começou em 2019. Nesse ano, meu coautor Giovani Hernández-Canchola publicou sequências de DNA e fotos do crânio de um morcego que pensávamos se tratar do Vampyressa thyone, espécie conhecida desde 1909.

?O animal do México, no entanto, tinha características no crânio e dentes que destoavam do que conhecíamos para V. thyone. As sequências de DNA eram similares às da espécie já conhecida, mas indicavam uma linhagem diferente. Além disso, o espécime era proveniente do estado de Guerrero, no oeste do México, onde nenhuma Vampyressa havia sido capturada antes?.

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Investigação genética e morfológica

Reconhecendo a potencial espécie nova, resolvemos abordar o problema através de duas frentes: genética e morfologia.

Giovani e a Professora Livia Leon Paniagua, ambos da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), obtiveram mais amostras de DNA de outros indivíduos do México. Os dois pesquisadores também analisaram a morfologia dos espécimes mexicanos.

Enquanto isso, eu e a pesquisadora Valeria da Cunha Tavares (Universidade Federal da Paraíba e Instituto Tecnológico Vale) comparamos os espécimes no México com cerca de 260 morcegos do gênero Vampyressa de diversas localidades na América do Sul e Central.

Para isso, examinamos material de 15 museus ao redor do mundo em busca dos poucos indivíduos de morcegos coletados ? entre eles, o Museu Americano de História Natural, em Nova York, o Museu de História Natural, em Londres, a coleção nacional de mamíferos da Universidade Autônoma do México e, no Brasil, o Museu de Zoologia da USP (MZUSP). A amostra era proveniente de vários países, como Equador, Bolívia, Brasil, Costa Rica, Guiana Francesa e Panamá.

Foi somente após extensa comparação com tudo que já havia sido publicado sobre o gênero que pudemos ter a segurança de se tratar de uma nova espécie. A distribuição geográfica também nos dava mais segurança: a espécie só é encontrada a oeste do Istmo de Tehuantepec, uma área reconhecida como barreira geográfica para outras espécies de mamíferos, assim como aves e répteis.

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Após a análise das sequencias de DNA e das características da pelagem, crânio e dentes que confirmaram estarmos diante uma nova espécie, tivemos que decidir como batizá-la. Para os dois autores mexicanos, era devida a homenagem a Bernardo Villa Ramirez, falecido em 2006 e um dos fundadores da Mastozoologia no México.

Antes da nova espécie, o gênero de morcegos Vampyressa tinha cinco espécies, sendo três espécies associadas a montanhas, como os Andes, e duas mais comuns em terras baixas. A espécie nova, Vampyressa villai faz parte do grupo das espécies de terras baixas, com a maioria das localidades pouco acima do nível do mar, embora ela ocorra em altitudes de até 2.200 metros. A ultima vez que alguma espécie desse grupo foi descrita foi em 1909.

Embora a descrição tenha sido publicada apenas em 2024, espécimes de V. villai estão em museus pelo menos desde 1965, que é o caso de um espécime coletado em Oaxaca e depositado hoje na coleção da California Academy of Sciences.

É um fato bem conhecido que espécimes coletados tem um ?tempo de prateleira?, que é o tempo transcorrido desde seu tombamento em uma coleção até ser descrito como uma nova espécie. Ser conhecido há tanto tempo também não significa que sabemos muito sobre a ecologia da espécie.

Ainda falta saber do que Vampyressa villai se alimenta, quando é sua época reprodutiva, onde se abriga durante o dia, entre outros dados básicos que no momento são inexistentes para a espécie. Com base no que sabemos das espécies próximas, V. thyone e V. pusilla, a nova espécie provavelmente se alimenta de frutos pequenos, como algumas espécies do gênero Ficus e se abriga em folhagens durante o dia.

A descoberta de uma nova espécie de mamífero é sempre surpreendente, pois é um dos grupos mais bem estudados de vertebrados. Entretanto se consideramos o tamanho pequeno e sua pequena representatividade em coleções, é compreensível a descoberta de V. villai ter demorado tanto tempo.

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Para mim, isso reforça a importância de coleções científicas, como instituições que mantém uma memória do passado e servem como um repositório da nossa biodiversidade. Com a descoberta, agora são 18 espécies endêmicas do México, fazendo com que este seja o país com mais morcegos endêmicos nas Américas.The Conversation

*Guilherme Garbino, professor na Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Este artigo é republicado do The Conversation sob a licença Creative Commons. Leia aqui o artigo original.

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