Topo

Jovem fez um oásis no meio do sertão do Piauí e diz: 'A seca foi criada'

Gean Magalhães - Reprodução/Facebook
Gean Magalhães Imagem: Reprodução/Facebook

Adriana Amâncio

Colaboração para Ecoa, do Recife (PE)

19/01/2023 06h00

Desde pequeno, o jovem agricultor Gean Magalhães cultiva uma inquietação com a degradação do meio ambiente. Morador da comunidade quilombola Queimada da Onça (PI), nunca apoiou o desmatamento da Caatinga e nem fez coro à ideia de tocar fogo na terra antes de plantar.

Ao iniciar o curso técnico em agropecuária, Gean, então, uniu os seus valores ao conhecimento científico e cravou: "vou praticar a recuperação ambiental na minha área e provar que é possível viver com qualidade no Semiárido."

Os quase dois hectares de área agricultável onde vive estavam em condição bastante degradada devido ao uso indevido do solo, geralmente associado ao desmatamento e queimadas constantes.

As espécies que compõem a diversa fauna e flora do bioma já não estavam presentes no local. Apenas plantas que sobrevivem a solos pobres e alguns animais que lidam melhor com a escassez conseguiam prosperar.

"Era uma área em processo de perda da fertilidade. Tinha muita malva da salvação, espécie indicativa de solo extremamente pobre. Se a malva completar o seu ciclo e não for feito nada para recuperar, o solo morre. O ambiente já estava ficando inóspito", relembra.

Com a motivação de um ambientalista nato e os conhecimentos adquiridos no curso, Gean arregaçou as mangas e, no ano de 2012, iniciou a recuperação.

Gean Magalhães trabalhando no oásis que construiu meio do Semiárido - Reprodução Daki Semiárido/ASA Brasil  - Reprodução Daki Semiárido/ASA Brasil
Gean Magalhães trabalhando no oásis que construiu meio do Semiárido
Imagem: Reprodução Daki Semiárido/ASA Brasil

Realizou diversos estudos e pesquisas que apontaram o Sistema Agroflorestal (SAF) como o mais adequado para ajudar na recuperação. Gean usou espécies capazes de produzir grandes quantidades de matéria orgânica e reter a água no solo, evitando a perda de nutrientes.

"Eu cobri o solo com plantas resistentes ao Semiárido e que produzem muita matéria orgânica e biomassa. Para mim, a gliricídia tem sido a melhor de todas. A palma, que é uma cactácea, absorve água à noite, no sereno, e retém durante o dia. Eu usei moringa e leucena. Antes, no solo descoberto e compactado, a chuva batia e escorria, levando os nutrientes. Hoje, dez anos depois, quando chove, você não vê um sinal de que a água escorreu, fica retida na caixa d'água do solo", afirma orgulhoso.

O resultado do solo fértil, respirando, com plantas fortes e viçosas foi sentido na mesa de Gean. Ao todo, foram 1,7 hectares recuperados.

Antes, o agricultor plantava apenas culturas de sequeiro como milho, feijão e fava. Hoje, de forma combinada, cultiva frutas como pinha, fruta do conde, cajú, umbu, siriguela, laranja, goiaba, acerola, manga, ora pro nóbis, entre outras espécies.

O que sai da roça vai para mesa, mas também é vendido nas feiras livres. Gean acredita que quanto mais produz alimento, mais economiza. Ele experimentou anotar os ganhos com tudo que tem na SAF desde as frutas, verduras e animais consumidos em casa e vendidos.

"Eu fui anotando tudo que deixava de gastar consumindo o alimento que produzo em casa, e o que vendo de legumes, frutas e animais que saem da SAF. Eu economizei R$ 3 mil consumindo alimentos saudáveis e de qualidade", finaliza, referindo-se ao fato de cultivar os alimentos sem usar defensivos químicos.

Além de mais farta, mais verde, com um clima mais ameno, a área passou a receber a visita ilustre de espécies típicas da Caatinga.

Gean Magalhães - Reprodução Daki Semiárido/ASA Brasil  - Reprodução Daki Semiárido/ASA Brasil
Gean Magalhães
Imagem: Reprodução Daki Semiárido/ASA Brasil

Um casal de saruê, um tipo de gambá, veio se aninhar por lá e até já deu cria. Os pássaros pretos e do tipo cabeça vermelha, que não eram vistos há muito tempo, também começaram a se aproximar. Após a construção da SAF, a criação de abelhas também teve mais êxito, uma vez que o número de espécies nos bandos que fugiam do apiário diminuiu.

"São pássaros que só se aproximam de uma região se o ambiente estiver equilibrado. As abelhas ficaram mais no apiário porque a condição de florada é totalmente diferente," pondera o jovem agricultor.

Com sensibilidade e trabalho duro, Gean transformou o seu pedaço de chão em um oásis, contrariando o que o senso comum e até as estatísticas dizem sobre o Semiárido.

O relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de 2021 identificou que na região Nordeste há uma área do tamanho da Inglaterra em avançado processo de desertificação. A SAF de Gean andou na contramão dessa estatística.

É por isso que ele, mesmo morando no sertão, não conhece a seca. "Essa coisa de seca foi criada, mas o problema do Semiárido é como a gente convive com a condição climática do nosso bioma. A gente tem que aproveitar ao máximo as nossas chuvas. O SAF é uma das formas de manejo mais eficientes porque elimina a enxurrada e não deixa a chuva ir embora. Eu estou contrariando os meus ancestrais, que costumavam usar fogo e deixar o solo descoberto", analisa.

Em tempos de mudanças climáticas, a SAF de Gean virou sala de aula ao ar livre. Ele diz que a agenda é lotada e frequentemente recebe turmas de estudantes que se deslumbram com o verde e os animais em um dos biomas mais suscetíveis aos efeitos da mudança do clima.

A experiência do jovem agricultor de acertar as contas dos seus antepassados com a natureza o levou a defender:

As mudanças climáticas nos obrigam a entender que para evitar um colapso no mundo, é preciso se aproximar de novo da natureza, cuidar da nossa casa comum. Encontrar caminhos para devolver ao planeta um ambiente mais equilibrado, sem perder a condição de produzir e sobreviver. E é uma ajuda a mais para o agricultor familiar. Gean Magalhães, agricultor