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Trudruá Dorrico

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Prêmios Literários brasileiros (e portugueses) excluem escritores indígenas

Daniel Munduruku na Feira do Livro de Frankfurt, em 2013 - Johan Visbeek/Wikimedia Commons
Daniel Munduruku na Feira do Livro de Frankfurt, em 2013 Imagem: Johan Visbeek/Wikimedia Commons

Colaboração para Ecoa

21/12/2022 06h00

Oceanos, São Paulo de Literatura e Jabuti são prêmios literários brasileiros que consagraram, em 2022, na categoria romance/conto, escritores como Alexandra Borges Coelho, Rita Carelli e Antônio Xerxenesky, Micheliny Verunschk e Eliana Alves Cruz. Os prêmios investem na cultura literária e celebram artistas engajados na arte da palavra, mas repetem o cenário de exclusão que paira secularmente sobre os escritores indígenas no (pluri)país.

Um breve panorama dos prêmios literários

O Oceanos-Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa é considerado um dos prêmios literários mais importantes entre os países de língua portuguesa, a par do Prêmio Jabuti ou Prêmio Camões, é considerado o equivalente lusófono do britânico Man Booker Prize, pelas semelhanças das suas regras e alto valor financeiro. Paga 250 mil reais no total, sendo 120 mil para o primeiro colocado, 80 mil para o segundo e 50 mil para o terceiro. Até 2014 era conhecido como Prêmio Portugal Telecom de Literatura.

O Prêmio São Paulo de Literatura é um prêmio fornecido pelo Governo do estado de São Paulo através de um projeto criado pela Secretaria de Estado da Cultura com o objetivo inicial de estimular a leitura. A primeira cerimônia foi inaugurada em 2008. O prêmio paga 200 mil para cada vencedor, no total de 2.

O Prêmio Jabuti é o mais tradicional prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Foi criado em 1959, idealizado por Edgard Cavalheiro quando presidia a CBL, com o interesse de premiar autores, editores, ilustradores, gráficos e livreiros que mais se destacassem a cada ano. A premiação contempla apenas o primeiro colocado de cada categoria. A obra vencedora em primeiro lugar concede um troféu Jabuti para o(a) autor(a) e um para a editora. Além do troféu, o autor recebe um prêmio no valor bruto de 5 mil reais. O Livro do Ano, uma única obra, de ficção ou não-ficção, recebe um troféu Jabuti especial e o valor bruto 100 mil. A editora da obra, igualmente, recebe uma estatueta especial.

Não é sobre qualidade, é sobre possibilidade de participação

Para populações minoritárias em direitos político-culturais que foram historicamente excluídas dos projetos culturais, a participação em concursos literários suscita nos dias de hoje dúvidas sobre a capacidade intelectual de tais artistas, a saber: de nós indígenas, pretos, ciganos, quilombolas, populações tradicionais, entre outros.

A exclusão artística manteve a hegemonia do sistema de representação no imaginário nacional, em sua maioria racista ou tutelar: a primeira desumanizou, folclorizou e atravessou todas as instâncias sócio-culturais de povos e populações étnico-raciais; a segunda, embora tenha defendido a autonomia de tais povos, no nosso caso intitula-se indigenismo/aliados, também projeta artistas não indígenas/não étnico-raciais, que "falam sobre" nós, ou como Daniel Munduruku diz, "paladinos dos direitos indígenas".

Autoria e direitos autorais indígenas

É com a autoria indígena, crescente no movimento literário indígena contemporâneo, que os escritores nativos enfrentam a tutela. É sob o guarda-chuva da Lei do Direito Autoral (9.610, de 19 de fevereiro de 1998) que os escritores indígenas podem ser reconhecidos como enunciadores de sua própria voz e história, conhecido como direito moral; e podem receber pela venda dos livros, conhecido como direito patrimonial, e valores de prêmios literários como os que foram citados acima.

Editais de fomento à publicação autoral e participações em eventos culturais

Ansiando por uma política cultural inclusiva aos povos indígenas, esta coluna - quase carta aberta ao Brasil, presidente Lula, Margareth Menezes e demais representantes políticos-culturais - é necessário investimento em editais de publicação autoral indígena, em todos os segmentos, do gênero infantil ao adulto. Se o conjunto de obras de autoria originária está destinada ao público infantil e juvenil, foi tão somente porque tais portas editoriais foram conquistadas e consecutivamente demarcadas. Mesmo assim, o refletor sobre tais conjuntos é o de que a literatura indígena tem capacidade "limitada". Gostaria que isso fosse uma opinião ressentida, mas a opinião científica publicada numa das maiores plataformas acadêmicas questiona a validade da criação estética indígena no livro editorial garantindo que a "qualificação do diálogo não alcança patamares mais exigentes na literatura para crianças". É possível acessar o artigo aqui: https://www.scielo.br/j/elbc/a/qsfZp8Q3TY3DbByZKyDHfHc/?format=pdf&lang=pt.

Dessa forma, o julgamento literário, positivo ou negativo, só podem ser realizados se os escritores indígenas estiverem presentes em tais circuitos, disputando prêmios Oceanos, Jabuti, São Paulo de Literatura, e outros. Ainda, se faz necessário que os eventos culturais (pluri)brasileiros possam sempre ter artistas indígenas em suas programações para que possamos ser ouvidas em nossa legítima defesa.