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Fred Di Giacomo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

5 escritoras para ler no dia internacional dos povos indígenas

A escritora e ativista Márcia Kambeba - Facebook/Reprodução
A escritora e ativista Márcia Kambeba Imagem: Facebook/Reprodução

09/08/2022 06h00

No dia 09 de agosto celebramos o Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo, definido pelas Nações Unidas em 1994. A data celebra um marco importante para os povos nativos do planeta. É que, nesse mesmo dia, em 1982, acontecia a primeira reunião do Grupo de Trabalho da ONU sobre Populações Indígenas.

De lá para cá, correram 40 anos de muita luta, e diversos povos indígenas iniciaram um processo de 'retomada' de suas terras ancestrais. Mas 'retomada' não significa apenas voltar para suas terras roubadas pelos colonizadores europeus. Segundo o cacique Babau Tupinambá retomar "é um ritual de recuperar não só a terra: é tomar na mão a vida que foi tirada".

Essa 'retomada', de terras e vidas, também ecoa nos diversos campos artísticos do Brasil, seja nas artes plásticas, seja na literatura indígena, seja na música que vai dos cantos tradicionais ao hip-hop.

Segundo artigo da colunista de Ecoa Julie Dorrico, hoje chamada Trudruá Dorrico, assinado em conjunto com Leno Francisco Danner e Fernando Danner, a literatura indígena, que eles definem como "política-politizante", permite "a superação do silenciamento e do confinamento dos povos indígenas à esfera privada de vida".

Julie - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
A escritora e pesquisadora Trudruá Dorrico, antes conhecida como Julie Dorrico
Imagem: Instagram/Reprodução

Para celebrar o Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo — e a boa fase da literatura indígena, que supera o silenciamento iniciado há 500 anos no Brasil — indico cinco ótimas autoras para você ler, aprender e se encantar.

Trudruá Dorrico

Nascida Julie Dorrico, Trudruá ganhou o nome macuxi recentemente. Além de colunista de Ecoa, Dorrico escreveu os excelentes contos de "Eu sou macuxi e outras histórias" e participou de antologias como "Geração 2010: o sertão é o mundo". É doutora em literatura, tendo defendido a tese "A literatura indígena contemporânea no Brasil: a autoria individual e a poética do eu-nós" .

Verenilde Pereira

Pioneira da literatura afroindígena, Verenilde Pereira é filha de mãe negra e pai do povo sateré mawé. Ainda pouco conhecida, a autora lançou, em 1998, o romance "Um Rio sem Fim" e, em 2002, a coletânea de contos "Não da Maneira como Aconteceu". Nascida em Manaus, em 1956, Verenilde é professora e mora em Brasília.

Eliane Potiguara

Eliane - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
A escritora e ativista indígena Eliane Potiguara na Universidade Técnica na Alemanha nos anos 1980
Imagem: Acervo Pessoal

Contemporânea dos poetas marginais da "geração mimeógrafo", Eliane Potiguara publicava "poemas-pôster" e cartilhas mimeografadas com suas criações artísticas já em 1979. Começou a escrever, menina, cartas para a avó, que vivia na Paraíba. Potiguara participou, por seis anos, dos trabalhos da "Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas", na ONU. Em 2004, Eliane publicou "Metade cara, metade máscara" (2004), que, segundo Aílton Krenak, é "um livro totem" e funde ficção, memórias, poesia e alguns artigos sobre a luta de Eliane pelos direitos indígenas e pelos direitos das mulheres. Fundamental.

Márcia Kambeba

Neta de boto e primeira indígena a chegar ao primeiro escalão da prefeitura de Belém (PA), Márcia Kambeba tem mil faces artísticas e ativistas, fazendo valer a definição de Dorrico da literatura indígena como "política-politizante". Seus poemas tem parentesco com o cordel e dialogam com as narrativas orais. Entre suas principais influências estão sua avó-mãe Assunta e a diretora da primeira escola em que estudou Tia Sueli. Publicou "Ay Kakyri Tama: Eu Moro Na Cidade", entre outros.

Graça Graúna

Graúna não é só uma grande poeta, mas também uma acadêmica que ajudou a definir a literatura indígena contemporânea. Nascida em São José do Rio Campestre (RN), Graúna publicou o fundamental "Canto mestizo" (1999), mas também livros como "Tessituras da terra" (2000), "Tear da palavra" (2001) e os haicais de "Flor da mata" (2014).

GEOGRAFIA DO POEMA, Graça Graúna

I
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema.
Um corpo virou cinzas
um sonho foi desfeito
e mil povos proclamaram:
- Não à violência!
A terra está sentida
de tanto sofrimento.

II
Na geografia do poema voam balas
passam na TV os seres nus
o pátio aglomerado
o chão vermelho
onde a regra do jogo
da velha é sentença
marcada na réstia
do sol quadrado.

III
Pelas ruas
a tristeza dos tempos
a impossibilidade do abraço.
Crianças
nos corredores da morte
nos becos da fome
consomem a miséria
matéria prima da sua sobrevivência.

IV
Nos quarteirões
dobrando a esquina
homens e mulheres
idôneos, cansados
a lastimar o destino
de esmolar o direito
dos tempos madrugados.

V
Se o medo se espalha
virá o silêncio
o espectro das horas
e as cores sombrias.
Se o medo se espalha
amargo será sempre o poema

VI
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema
um sonho foi desfeito
mil povos pratearam.
A terra está sentida de tanto sofrimento.
Mas...

VII
Haverá manhã
e o sol cobrirá
com os seus raios de luz
a rosa dos ventos