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Trudruá Dorrico

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Espetáculo relembra princípio indígena que esquecemos: Somos natureza

Espetáculo "Amazonias" -- ver a mata que te vê - Matheus José Maria
Espetáculo 'Amazonias' -- ver a mata que te vê Imagem: Matheus José Maria

Colunista do UOL

19/01/2023 06h00

No palco, uma árvore invertida. O cenário, que chama muita atenção do público, impulsiona o espetáculo "Amazônias: ver a mata que te vê". Raiz, tronco e copa são usados para aguçar o imaginário de quem vê.

"Nas raízes, como na terra preta, se encontra aquilo que é invisível aos nossos olhos, as existências não observadas, as ancestralidades. No tronco o mundo se manifesta, como cidade ou mata, como cidade matando a mata, como invasão, mas também como resistência. E a copa como o espaço acima de nossas cabeças, onde estão as grandes águas, os rios voadores, as constelações, e revelam o que não vemos, já que o que está embaixo também está acima", explica Maria Thaís, responsável pela direção.

Raiz-corpo-copa-água-céurelembram o princípio indígena de que somos natureza, mas esquecemos.

Falar da peça como produto de arte sem a crítica que ele traz é mascarar o cenário inexorável a que somos submetidos. O luto que carregamos desde 1492, com a descoberta das "Américas" e do regime moderno a que fomos engolidos. A luta que enfrentamos desde então.

A linguagem artística que manifestamos estará nesse palco, mesmo uma canção em guarani ou tariano que celebra a cultura dos respectivos povos, quando cantada no corpo indígena deve lembrar o grito de resistência erguido há muito tempo.

A ausência do corpo indígena em cena é apropriação e silenciamento. "Amazônias: ver a mata que te vê" projeta a mensagem de que o bioma Amazônia não existe sem gente, indígenas, quilombolas, amazônidas, espíritos. Mesma coisa com outros biomas.

Para essa tarefa, 35 jovens de periferias de São Paulo foram selecionados para fazer parte da obra. A grande maioria é negra, mas há atores indígenas e brancos também.

Com músicas autorais, danças e performances, o espetáculo invoca o bioma Amazônia como ponto de identificação com o público para estender a questão da devastação humana a outros biomas e cidades.

Assim, reivindicar um olhar para a floresta, como comumente se faz, transcende uma preocupação genérica, uma vez que ver o bioma também envolve ver as pessoas e todas as gentes não humanas que cultivaram a Amazônia há mais de 8 mil anos.

A Amazônia não é um bioma de geração espontânea, não passou a existir como um passe de mágica, pelo contrário: foi e é cultivado.

Essa presença indígena, quilombola, e branca dissidente que resiste pela floresta é um manifesto contemporâneo que convida a plateia a refletir sobre o próprio bioma em que vive, resistindo às mesmas corjas extrativistas: mineradoras, especulação imobiliária, gentrificação, monocultores, grileiros, crime organizado, latifundiários, etc.

A peça tem Cleo Regina Miranda na assistência social, Julia Gomes na produção, com consultoria não indígena diversa, e de indígenas como Marcia Kambeba, Naine Terena e Ubiratan Suruí.

Atriz e atuantes indígenas. Destaco a presença de indígenas na peça de Sandra Nanayna, Gabriel Vilar, Kuaray Turiba e Mari Poty Silva, que além de atuar e dançar, cantaram em suas línguas maternas cantos antigos de seus povos.

Serviço: A temporada de exibição iniciou em 25 de novembro de 2022 e vai até 12 de fevereiro de 2023, dias de sexta e sábado, 19h; e domingo, 18h.