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Trudruá Dorrico

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A lógica do descarte é a confiança no racismo estrutural brasileiro

Sandra Benites, primeira curadora indígena de um museu - Divulgação
Sandra Benites, primeira curadora indígena de um museu Imagem: Divulgação

14/12/2022 05h00

Neste mês de novembro foi anunciado pelo Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP três indígenas que integrarão o corpo curatorial adjunto da instituição: Renata Tupinambá, Edson Kayapó e Kássia Borges Karajá. Celebramos esta composição no MASP, sobretudo diante do engajamento dos três curadores em defesa da arte, história e política indígenas na contemporaneidade.

Mas precisamos falar sobre a lógica do descarte ensejado pela própria instituição de arte, o MASP.

Relembro rapidamente que a primeira curadora indígena, Sandra Benites, pertencente ao povo Guarani Mbya, foi conduzida à demissão compulsória do MASP diante da inflexível postura da instituição que vetou fotografias indígenas e artistas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, da exposição "Retomadas", parte da mostra "Histórias Brasileiras" alegando um cronograma que não foi comunicado às curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz.

A demissão irrevogável da primeira curadora Guarani Nhandewa, Sandra Benites, é uma prática institucional que reflete a conduta dos não indígenas no cotidiano, na língua guarani, o não indígena é chamado de juruá. O ímpeto da desistência de instituições conduzidas por juruás em projetos e pessoas indígenas atesta a segurança no racismo estrutural nacional, pois a ausência e a invisibilidade indígena em instituições ainda não é compreendida como uma doença social.

Refiro-me à prática cotidiana, pois não é raro os relatos de parentes sinalizando desistência de pessoas não indígenas de pesquisa, eventos, ou projetos de temática indígena quando questionados da presença de sujeitos indígenas. Não à toa, o lema adotado pela "Década Internacional das Línguas Indígenas no Brasil - 2022-2032" é "Nada para nós, sem nós". Também encontra-se o lema "Nada sobre nós, sem nós". Ambos os lemas denunciam a carência de políticas públicas em todas as instâncias sócio-culturais.

"Como pode um século ou um coração girar se ninguém pergunta para onde foram todos os indígenas?". Este é um verso da Natalie Diaz, poeta de nacionalidades Mojave e norte-americana. Ele traduz a consistente negação da presença indígena em contextos urbanos ocupando, a exemplo do que ocorreu com a Sandra, espaços de memória e representação.

Atualmente, Sandra Benites trabalha na Tava (lê-se Taua) - Casa de Transformação, também conhecida como Museu das Culturas Indígenas, na capital São Paulo. Sua curadoria na instituição inaugurou duas exposições de caráter temporário disponíveis para visitação até o momento: Invasão Colonial 'Yvy Opata' A Terra Vai Acabar, do artista Guarani Mbya Xadalu Tupã Jekupé, e Ygapó: Terra Firme, do artista Denilson Baniwa.

Refletindo sobre demissões compulsórias do mercado cultural insisto que estas etiquetas históricas deveriam ser demonizadas, posto que foi a cultura e todos os setores que ela engloba quem desumanizou e perseguiu os direitos políticos dos povos originários. Nós nunca desistimos dos nossos. Sequer dos não indígenas, como vimos provando há mais de cinco séculos. Letramento antirracista indígena na cultura é um tema que precisamos urgentemente falar.