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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Em um mar de problemas

Acre decreta estado de calamidade pública devido a enchentes - Marcos Vicentti/Governo do Acre
Acre decreta estado de calamidade pública devido a enchentes Imagem: Marcos Vicentti/Governo do Acre
Kátia Rejane de Araújo Rodrigues

24/02/2021 11h41

Pequeno estado que no passado alimentou o mercado internacional da borracha e atraiu milhares de trabalhadores nordestinos, o Acre faz fronteira com o Peru e Bolívia e participa da maior floresta do mundo — a Amazônia. A invejável riqueza natural, porém, contrasta com o retrato social, assomado pelo crescimento desordenado das cidades, extrema pobreza, degradação ambiental, violência urbana associada ao tráfico de drogas.

Altamente dependente de repasses federais, o Acre tem enfrentado severos problemas que pedem atenção redobrada de todas as autoridades. Nos últimos anos, o estado serviu de recepção para a entrada de imigrantes provenientes das mais diversas nacionalidades — muitos deles por mãos de coiotes que se aproveitam das fronteiras abertas —, determinados a escapar de catástrofes, perseguições políticas e turbulências econômicas.

Assis Brasil, município fronteiriço do Peru, viu-se nas últimas semanas, mais uma vez, implicado em uma cena comovente. Insatisfeitos no Brasil, estes migrantes têm buscado retornar ao país de origem ou a outros que os acolham. Em razão da ameaça do coronavírus, no entanto, eles estão sendo rejeitados na travessia do Peru, causando tensão e uma crise humanitária por falta de estrutura da cidade acreana para acolhê-los.

De fato, o Acre se encontra em situação que nos preocupa enquanto instituição de defesa da sociedade. As crises simultâneas que estamos atravessando obrigaram o governo local a decretar estado de calamidade pública, dado o agravamento da pandemia, cheias, surto de dengue e o movimento migratório. Em união com os poderes públicos, o MP estadual tem se ocupado de construir respostas imediatas ao sofrimento vivenciado pelos acreanos.

Com mais de 50 mil casos confirmados e perto de mil mortes por covid-19, o sistema de saúde está em via de colapso devido à fila de espera por leitos de UTI e à necessidade de médicos para atender todos os dias o grande contingente de pacientes. Sob fase vermelha, o MP tem aconselhado os gestores públicos a endurecer as medidas restritivas e acelerar o processo de imunização dos cidadãos, especialmente aqueles grupos prioritários.

O que temos pensado, se necessário, é transferir pacientes para outros estados, visto que o hospital de campanha e outras unidades aptas estão prestes a esgotar a capacidade de atendimento. Todo esse quadro vem sendo acompanhado de perto pelo MP, que, tão logo foram registrados os primeiros casos da doença, tratou de montar um gabinete de crise e reforçar a fiscalização e conscientização da importância do isolamento social.

A esse momento crítico na saúde pública se soma a alta no número de infectados por dengue, sobrecarregando ainda mais os serviços de saúde e o trabalho dos seus profissionais. Sobretudo concentrados na capital Rio Branco, já são cerca de 10 mil casos suspeitos da doença, desde o início do ano, com 1.500 casos confirmados.

Além disso, as fortes chuvas que castigam o estado neste período invernoso completam o horizonte nebuloso aqui pintado. Quase metade dos municípios acreanos e cerca de 130 mil pessoas já foram atingidos de alguma forma pelo transbordamento de rios e igarapés. Mobiliário, roupas e víveres perdidos, empreendimentos engolidos, órgãos públicos submersos, casas arrastadas pelas correntezas, constituem tal paisagem devastadora.

Zelando por sua missão constitucional, o MP monitora as medidas adotadas pelas autoridades e tem feito inspeções nos abrigos públicos improvisados em escolas e ginásios, verificando não só o serviço de acolhimento das famílias atingidas, mas também as ações de prevenção do coronavírus nestes locais. A segurança e a dignidade das crianças, mulheres grávidas, idosos e deficientes podem jamais passar despercebidas.

Mas, na tempestade, também surgem gestos louváveis. Por meio do nosso GPRD, grupo de membros que atuam na prevenção e resposta a situações de emergência e calamidade, lançamos a campanha SOS Acre, e recebemos o apoio de muitas instituições, artistas, órgãos de comunicação e cidadãos comuns - todos tocados com o drama vivido por esta parte do Brasil. Acreditamos que é a união das instituições para agrupar esforços e a solidariedade das pessoas que vão nos fazer transpor o mar de adversidades.