Opinião

É hora de reforçar o investimento social privado na cultura

A cultura está na essência do desenvolvimento humano. Relegá-la ao mero entretenimento é uma consequência perigosa dos muitos desequilíbrios do tempo presente.

Seu papel é conectar os diferentes aspectos da nossa existência. É ela que entrelaça o tecido social, dos costumes que definem nossa identidade às formas de organização econômica e política.

Se há cultura em seu pleno desenvolvimento, há também educação, saúde, inclusão social, equilíbrio ambiental. Em outras palavras, é a cultura que nos capacita a imaginar e construir o futuro que desejamos.

É fundamental ainda compreendermos que questões como memória, mudanças climáticas e equidade de gênero e raça, entre muitas outras, também fazem parte do panorama cultural. Investir em cultura não se trata apenas de formar artistas, mas de desenvolver indivíduos e semear o solo para o exercício pleno e seguro da cidadania.

A cultura, portanto, deve estar no centro da política. Porém, mais do que simplesmente constar nos planos de governo, as políticas culturais devem transcender os limites dos mandatos políticos individuais e se tornar políticas de Estado.

Para isso, é necessário que elas sejam desenhadas de maneira participativa entre os setores público e privado, envolvendo os mais diversos atores sociais —representantes públicos, agentes culturais, comunidades locais e sociedade civil organizada.

O Estado tem força e alcance, mas também exige um tempo mais longo para o desenvolvimento de suas iniciativas. A sinergia com a sociedade civil abre caminho para uma injeção de dinamismo na elaboração e na implementação de políticas e programas culturais. Isso porque o investimento social privado, ao assumir uma série de riscos impensáveis para o setor público, traz ao jogo a possibilidade de inovar, de experimentar e de colocar em prática uma abordagem estratégica que pode gerar impacto com muito mais agilidade.

Da mesma maneira, a sociedade civil tem mais agilidade e liberdade de atuação que o financiamento cultural por leis de fomento, permitindo uma abordagem flexível e adaptativa, capaz de responder de maneira mais sensível às demandas e aos desafios enfrentados pelos diversos grupos sociais. O legado do investimento social privado se posiciona acima de ideologias e dos interesses de uma marca.

Estamos vivendo um momento histórico no que se refere a investimentos governamentais em cultura, com a refundação do Ministério da Cultura e a destinação de orçamento para injeção de recursos no setor. Isso nos coloca diante de uma oportunidade única, mas também de um grande desafio: garantir que os recursos sejam utilizados de forma responsável e eficaz. Olhando para o passado recente, sabemos que a falta de governança e de mecanismos democráticos pode levar a consequências desastrosas.

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Para não repetirmos erros semelhantes, é essencial que seja estabelecida uma governança sólida e compartilhada, assegurando a participação de todas as partes interessadas e que os recursos sejam bem direcionados. Nesse sentido, o investimento social privado pode desempenhar um papel facilitador —secretariando, fornecendo ferramentas, inovando e permitindo o amadurecimento de projetos culturais.

Precisamos agora incrementar também o investimento social privado na área da cultura, criando assim um ecossistema cultural mais resiliente e sustentável para promover a diversidade, a inclusão e o desenvolvimento humano. As políticas públicas da cultura e as leis de incentivo estão sendo reformuladas e repensadas, mas ainda há muito o que avançar. Não temos dúvidas de que o investimento social privado pode ser um importante ator para abrir e pavimentar esses novos caminhos.

Aproveitar os recursos destinados pelo governo federal, somados aos esforços do investimento social privado, nos levará a ter um campo cultural consciente de si, fortalecendo a nossa identidade como país. Aí, quem sabe, parafraseando Aldir Blanc e Maurício Tapajós, em "Querelas do Brasil", o Brazil enfim conhecerá o Brasil.

*Mariana Resegue é diretora executiva do C de Cultura e coordenadora estratégica na aliança de organizações Em Movimento.

*Ricardo Leal é cofundador e presidente do conselho do C de Cultura, membro do conselho do Instituto Arapyaú e fundador da Escola Livre Areté e da aliança de organizações Em Movimento.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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