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OPINIÃO

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O que o coronavírus pode nos ensinar no enfrentamento à crise climática?

18/03/2020 - População utilizando máscaras de proteção durante pandemia do coronavírus em Belo Horizonte - Gledston Tavares/Frame Photo/Estadão Conteúdo
18/03/2020 - População utilizando máscaras de proteção durante pandemia do coronavírus em Belo Horizonte Imagem: Gledston Tavares/Frame Photo/Estadão Conteúdo
Cassia Moraes e Bruno Cunha

19/03/2020 14h35

Mesmo com ações negligentes por parte do governo federal e da população diante do avanço do coronavírus Covid-19, iniciativas globais e unilaterais frente ao cenário têm sido muito mais rápidas e eficazes do que aquelas em resposta à crise climática. Há cerca de 30 anos, a comunidade científica internacional busca coordenar esforços para reverter o aumento da temperatura média do planeta. A resposta coletiva à pandemia atual, por sua vez, pode trazer importantes lições para o enfrentamento das mudanças climáticas e demais desafios deste século.

Os coronavírus são um grupo de vírus comuns em humanos e responsáveis por até 30% dos resfriados comuns. Corona vem do latim "coroa", pois sua superfície se parece com uma coroa quando observada em um microscópio eletrônico. O surto da Covid-19 começou na China no final de 2019 e alcançou o status de pandemia em 11 de março de 2020. Uma semana depois, casos confirmados da doença já passavam da marca de 200 mil no mundo, atingindo mais de 150 países. Embora 81% dos casos tenham sido leves, mais de 8 mil pessoas já morreram em decorrência de pneumonia severa que tem atingido, principalmente, pessoas com 80 anos ou mais.

Surtos como SARS, em 2003, e MERS, em 2012, resultaram juntos em menos de 2 mil mortes pelo mundo. A média global, contudo, oculta mais do que revela. Países como China e Coréia do Sul adotaram medidas restritivas que têm diminuído com sucesso a contagem de novos casos. Por outro lado, em países como Itália e Espanha, os números continuam subindo rapidamente.

O coronavírus tem transformado a vida cotidiana de maneira tão significativa que os efeitos são visíveis do espaço. Os satélites de monitoramento de poluição da NASA e da Agência Espacial Européia (ESA) detectaram reduções significativas de dióxido de nitrogênio (NO2) sobre a China. A partir do dia 23 de janeiro de 2020, as autoridades chinesas começaram a bloquear Wuhan (local de origem do surto) e outras cidades da região a fim de reduzir a propagação da doença, o que resultou em reduções significativas na poluição do ar.

Redução da poluição na China - NASA - NASA
Imagens de satélite mostram poluição na China antes e depois do surto de coronavírus
Imagem: NASA

Em termos econômicos, tais medidas resultaram em reduções de 15% a 40% na produção dos principais setores industriais da China, comparados com o mesmo período do ano passado. Em conjunto, as reduções no consumo de carvão e petróleo na China indicam uma redução nas emissões de CO2 de 25% ou mais, o que equivale a cerca de 6% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) globais.

Medidas internacionais que visam reduzir a propagação da Covid-19 podem salvar mais vidas devido à redução da poluição do ar e da intensidade das mudanças climáticas do que complicações de saúde causadas pelo vírus. Estima-se que só na China, por esse motivo, já foi possível salvar vinte vezes mais o número de vidas do que as que foram perdidas pelo vírus até agora.

É incorreto e imprudente concluir que pandemias são benéficas para o clima ou para a própria saúde da humanidade, tendo em vista todo o sofrimento e demais consequências negativas de interrupção social e econômica. Contudo, tais estimativas funcionam como um lembrete dos custos ocultos, de curto e longo prazo, que envolvem o nosso modo de viver moderno.

Em vários países do mundo, à medida que o número de casos da Covid-19 cresce rapidamente, empresas têm autorizado funcionários a trabalharem de casa, há cancelamento de conferências internacionais e de aulas em escolas e universidades, bem como orientações de governos para evitar ambientes com aglomerações populacionais. Tais mudanças repentinas são impulsionadas pelo amplo reconhecimento de uma emergência.

A comunidade científica está oferecendo avisos claros sobre o que fazer, tanto diante da pandemia quanto da crise climática. Ambas as questões envolvem saúde pública, dado que mudanças no clima já estão causando escassez de comida e água, problemas migratórios e outros desastres naturais causados pela própria humanidade. Mudanças no clima também devem aumentar ainda mais o número de epidemias, sobretudo doenças infecciosas, como malária e dengue.

Além do seu alcance global, as crises compartilham também uma causa em comum: o consumo de alimentos de origem animal. No caso da crise climática, alimentos de origem animal, principalmente a carne de gado, apresentam elevada pegada de carbono e têm contribuído para elevar a concentração de GEE na atmosfera. Já o coronavírus tem como principal causa suspeita o consumo de animais silvestres nos mercados chineses. Repensar hábitos alimentares, passando pela redução e substituição de produtos de origem animal, será essencial para conter ambos tipos de crise.

De acordo com artigo recente publicado pela revista Nature, para limitar o aquecimento médio global em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, os países deverão cortar acima de 7% ao ano suas emissões a partir desse ano. Nas taxas atuais (antes do coronavírus), em 10 anos o mundo vai aquecer em média 1,5°C; em 25 anos, 2°C. Isso significa que governos, setor privado e comunidades deveriam trabalhar com um cenário de crise, empenhando quatro vezes mais esforços do que fizeram até o momento - ou três vezes mais rápido - para conseguir cumprir o Acordo de Paris.

Infelizmente, a sociedade parece ainda não estar preparada a choques de realidade como os incêndios na Austrália ou a pandemia da Covid-19. Estamos assistindo ao colapso de sistemas de saúde em muitos países devido a falta de leitos e capacidade de atendimento, o que tem aumentado a letalidade da pandemia. O mesmo pode acontecer com a intensificação das mudanças climáticas nos próximos anos. Resiliência, portanto, passa por uma reflexão sobre a capacidade das próximas gerações em responder mais rapidamente e minimizar danos.

O custo da prevenção sempre será menor do que os gastos oriundos da inação. E no estágio em que as duas crises se encontram, os esforços de prevenção devem ser acompanhados por medidas de adaptação ao impacto existente e projetado.

Se a comunidade internacional tivesse levado mais a sério os seus compromissos assumidos desde Paris em 2015, da mesma forma como para a Covid-19 nas últimas semanas — levando em conta o nível de urgência que a ciência diz ser necessário — provavelmente teríamos uma perspectiva futura drasticamente diferente.

Compreender que tipo de risco se enfrenta, seja como indivíduo, país, empresa ou mundo, é essencial para estarmos preparados para o antes, o durante e o depois em um momento de crise. A pandemia tem mostrado que conseguimos agir rapidamente, promovendo mudanças de comportamento e nas atividades econômicas, quando há interesse da sociedade e vontade política, ao mesmo tempo em que a ciência se esforça para encontrar uma solução. Que saibamos replicar a mesma fórmula para conter a crise climática enquanto ainda há tempo.

*Cassia Moraes é mestre em administração pública e desenvolvimento pela Universidade de Columbia, CEO do Youth Climate Leaders (YCL) e coordenadora de redes e captação no Centro Brasil no Clima.

*Bruno Cunha é pós-doutorando e pesquisador associado do laboratório CENERGIA (PPE/COPPE/UFRJ), revisor especialista do IPCC e membro do conselho acadêmico do Youth Climate Leaders (YCL).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.