Opinião

O que o Sertão do Piauí me ensinou sobre transformação social

Doze anos atrás, quando coloquei os pés no sertão do Piauí pela primeira vez, o choque foi inevitável. Na época eu visitei o município de Betânia do Piauí, centro-sul do estado, bem no meio do semiárido nordestino. A cidade pequena de cerca de 6.000 habitantes faz fronteira com o estado de Pernambuco.

Apesar de ter visto imagens da seca e pobreza naquela região, nada se comparava à experiência de estar lá e ouvir as histórias das comunidades rurais e testemunhar a precariedade de suas condições de vida. Um sentimento emergiu em meu coração: vergonha.

Vergonha por ser brasileiro, cristão. Por acreditar em bons princípios e valores e nunca ter conhecido aquela realidade antes. Uma realidade que estava presente em meu próprio país, entre pessoas que compartilham minha língua e nacionalidade. Decidi agir.

Me mudei da capital, Teresina, para Betânia do Piauí, uma cidade com o segundo menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do estado. Fundamos o Instituto Novo Sertão e iniciamos diversas iniciativas para abordar os desafios de vulnerabilidade que encontramos na região. Logo eu percebi um erro em minha forma de pensar.

Inconscientemente, eu tentava impor a minha visão de desenvolvimento às ações que eram desenvolvidas na região. Vindo de São Paulo, uma megalópole, acreditava que a única maneira dos sertanejos encontrarem felicidade e prosperidade era transformando a sua pequena cidade em um centro comercial com fábricas, indústrias e empregos para todos. Eu não poderia estar mais errado.

Com o tempo, percebi que este é um erro comum entre projetos e organizações que buscam transformar comunidades. O erro de trazer ideias prontas, fórmulas mágicas de desenvolvimento, sem nunca consultar quem sempre esteve ali. Perguntas simples, como esta: Este projeto é do interesse de vocês?

A partir dali, eu mudei a minha perspectiva. Nosso verdadeiro objetivo na região não é impor soluções prontas, mas sim descobrir as oportunidades em meio à pobreza e à vulnerabilidade. É deixar de lado os planos predefinidos e ouvir as pessoas, descobrir seus sonhos e talentos, e entender que, no meio do caos, existem dons e talentos que podem ser o motor da transformação que almejamos para a região. Aprendendo a encontrar beleza na pobreza

Martin Luther King disse: "A verdadeira compaixão não é dar esmolas a um mendigo; é perceber que um sistema que produz mendigos precisa ser reestruturado". Não podemos acabar com estruturas injustas que causam vulnerabilidade e injustiça sem trazer aqueles que sofrem essas injustiças para a mesa de discussão. Sem ouvir as suas ideias, experiências e visões únicas.

Assim, enxergar a beleza nas comunidades rurais do sertão, suas potencialidades e oportunidades, e ouvir suas histórias e ideias inovadoras tornou-se essencial para nossa proposta de transformação. Precisamos deixar de lado a mentalidade urbana de urgência e lucro máximo e aprender com a simplicidade e a confiança encontradas nas comunidades do sertão.

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Foi nessa mudança de perspectiva, ao olhar para a pobreza e a vulnerabilidade de uma forma diferente, que um poema chinês de um autor desconhecido se tornou um lema para nossos esforços:

Vá às pessoas,
viva entre elas.
Ame-as.
Comece com o que sabem.
Construa no que ela tem.

Mas dos melhores líderes
Quando sua tarefa é cumprida
E o seu trabalho é feito
O povo todo vai dizer
"Fomos nós que fizemos".

* José Carlos tem 36 anos e é casado. Missionário e empreendedor social, ele é cofundador do Instituto Novo Sertão e mora há 10 anos no semiárido do Piauí. Formado em administração pública, tem pós em gestão de projetos socioambientais. Foi finalista do 2º Prêmio Ecoa.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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