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Trudruá Dorrico

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Semana dos Povos Indígenas: dois livros que denunciam o genocídio

"Povos Indígenas: prevenção de genocídio e de outras atrocidades" - Reprodução
"Povos Indígenas: prevenção de genocídio e de outras atrocidades" Imagem: Reprodução

Julie Dorrico

12/08/2021 06h00

O Dia Internacional dos Povos Indígenas celebrado em 09 de agosto foi outorgado em 1995 pela Organização das Nações Unidas (ONU) para expressar o reconhecimento internacional e apoio contra a falta de manutenção de direitos básicos dos povos indígenas de diversos países. Segundo a ONU, a população indígena no mundo está estimada em 370 milhões de pessoas, representando cerca de 5% da população mundial.

A data do dia 9 faz referência à primeira reunião do grupo de trabalho das Nações Unidas sobre populações indígenas, realizada em Genebra, em 1982. A reunião e as posteriores articulações culminaram na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, em 2007, que reconhece em nível internacional o direito à autodeterminação e a soberania dos povos originários nos respectivos Estados-nações que vivem.

Indígenas no Tribunal Penal Internacional

No Brasil, o censo do IBGE (2010) indicou, a partir da autodeclaração, o número de 896.917 indivíduos indígenas. De acordo com esses dados, tais indivíduos distribuídos em povos distintos no país representam 0,4% da população brasileira. Muitos desses povos possuem menos que 30 mil indivíduos. Diante de desastres sanitários, todos os povos correm risco de sofrer genocídio, pois a morte de sujeitos indígenas significa a redução drástica - de uma população já pequena - de todo um povo que pode vir a desaparecer.

Por isso, no Dia Internacional dos Povos Indígenas, data criada para preocupar-se com perseguições, doenças, discriminações/racismo, baixa expectativa de vida, ameaças territoriais, a Articulação dos Povos Indígenas (APIB), em conjunto com a Comissão Arns e o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, denunciou no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, o presidente Jair Bolsonaro por genocídio da COVID-19 e ecocídio contra os povos indígenas, diante da morte de 1.162 indígenas, 58.017 infectados confirmados, pertencentes a 163 povos diversos. Na população já reduzida, a indiferença diante da crise sanitária do presidente e seus constantes incentivos à exploração de garimpos e agendas anti-indígenas agravaram a violência contra as comunidades indígenas já fragilizadas de apoio e proteção institucional. Para mais informações clique aqui: Denúncia dos povos indígenas do Brasil contra Bolsonaro por crime de genocídio repercute em mais de 20 países | APIB (apiboficial.org).

Desde 2007, amparados pela Declaração das Nações Unidas, os povos podem amplificar suas vozes nas defesas dos Direitos Humanos, e como podemos perceber pelo processo protocolado pela APIB, enfim, na denúncia de ecocídio, os Direitos Não Humanos também. Vale lembrar que o princípio de reconhecer a floresta como viva e com espiritualidade têm mantido de pé faunas e reservas que equilibram o clima no país e no mundo. Para saber mais, clique aqui: Dicas de autoria indígena para você ler na Semana do Meio Ambiente - 09/06/2021 - UOL ECOA.

Não temos rancor, temos memória

A frase do escritor, educador e ativista Casé Tupinambá denota a expressão da indignação indígena frente às amplas investidas ilegais e assassinas do Estado que busca exterminar a população indígena, seja por meio de políticas oficiais, como o Diretório Pombalino, em 1757, que fomentou por meios jurídicos a ideologia da mestiçagem para depois desfazer aldeamentos indígenas e apropriar-se de territórios nativos; seja pela perseguição da identidade indígena, corolária dessas políticas que resultam nas perseguições das identidades individuais e coletivas dos povos nativos.

Nesse sentido, é urgente perceber as falhas da história oficial em reconhecer o genocídio que sofreram os povos indígenas no século XVI com a colonização portuguesa e espanhola; e o genocídio contemporâneo que sofrem.

Grada Kilomba, intelectual e autora do Best-Seller "Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano" (Cobogó, 2019), argumenta que para uma mudança social é necessário um percurso que não é moral, mas de responsabilização pela "consciencialização coletiva que começa com negação-culpa-vergonha-reconhecimento-reparação". Essa responsabilidade foca em criar novas configurações de poder e conhecimento, não apenas ressarcir a dor do outro como se a sociedade não desfrutasse dos privilégios construídos sobre os genocídios dos povos indígenas, mas para que haja construções efetivas e afetivas de inclusão e democracia.

Mas o que é genocídio?

Segundo o antropólogo Pierre Clastres, o conceito de genocídio foi criado em 1946 no processo de Nuremberg. É um conceito jurídico para considerar no plano legal um tipo de criminalidade até então desconhecido - pelos europeus contra eles mesmo, pois tal prática nas Américas contra os povos indígenas foi naturalizada. O fato é que ele se referiu ao primeiro registro no âmbito da lei da criminalidade do extermínio sistemático dos judeus europeus pelos nazistas alemães. Para o autor: "O delito juridicamente definido como genocídio tem sua raiz portanto no racismo".

O racismo contra um povo étnico/indígena que encampa ideais exterminacionistas só pode configurar genocídio. Na história brasileira tal violência é eufemizada sob a linguagem da colonização/descobrimento/expansão/Novo Mundo/Povos Selvagens/Primitivos/Pré-Modernos para mascarar o genocídio contra os indígenas.

A seguir dois livros para evitar o mito de que não houve genocídio [ou escravização] anti-indígena no Brasil.

2 obras que reconhecem o genocídio anti-indígena no Brasil

1 - Reprodução - Reprodução
Abya Yala! Genocídio, Resistência e Sobrevivência dos Povos Originários das Américas
Imagem: Reprodução

"Abya Yala! Genocídio, Resistência e Sobrevivência dos Povos Originários das Américas" é um livro publicado pela Editora Bambual (2021) de autoria não indígena, de Moema Vizzer e Marcelo Grondin, que conta com o prefácio do intelectual indígena Ailton Krenak. A obra situa cinco regiões do continente americano e denuncia mecanismos de violência para reduzir a população indígena. Conta ainda a sobrevivência e a resistência desses povos. Para adquirir o livro, clique aqui: Abya Yala! Genocídio, Resistência e Sobrevivência dos Povos Originários - Bambual Editora.

O segundo livro é "Povos Indígenas: prevenção de genocídio e de outras atrocidades", publicado pelo Ministério Público Federal (2021). A coletânea digital, de autoria de especialistas não indígenas, traz artigos com textos escritos por membros do MPF. A publicação é organizada pelo Grupo de Trabalho Prevenção de Atrocidades Contra Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF. A obra além de destacar a necessidade de judicialização das políticas públicas à saúde para os indígenas em tempos de pandemia; as falhas no combate contra as violências - sanitárias e sociais, defende o protagonismo indígena nos dias de hoje. Também trata do genocídio cultural, assunto pouco tratado no país. Para fazer o download gratuito do livro, clique aqui: ANPR - Povos Indígenas: prevenção de genocídio e outras atrocidades.

Plantando sementes

Na última quarta (11), às 16h de Brasília, ocorreu o lançamento do Escritório de Advocacia Popular Indígena (Ybi), ao vivo no Canal TV Adelco Brasil. O escritório é uma das articulações do Projeto Tucum, realizado pela Adelco e Esplar, com financiamento da União Europeia.

Participaram do debate de lançamento o primeiro advogado indígena Paulo Pankararu, presidente da Comissão Especial de Direitos Indígenas do Conselho Federal da OAB; Dinaman Tuxá, Assessor Jurídico da APOINME e da APIB; Judite Guajajara, advogada da Rede Nacional dos Advogados Indígenas (RNAI), entre outros. Para acompanhar a live, clique aqui: (4) Ybi - Escritório de Advocacia Indígena - YouTube.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL