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Julián Fuks

Sobre a tristeza das crianças e a urgência de priorizar as escolas

Getty Images
Imagem: Getty Images

Julián Fuks

15/08/2020 04h00

É imenso, um dia saberemos, o que estamos exigindo das crianças para nossos próprios fins, em nome da nossa segurança. Que permaneçam vários meses trancadas em suas casas, relegadas a espaços às vezes sombrios, às vezes esquálidos. Que percam quase todo contato com pessoas queridas, avós, tios, professores, pessoas com as quais travavam relações profundas e diárias. Que percam de vista umas às outras e já não existam numa comunidade de crianças, de iguais - que se façam seres solitários em diálogo inevitavelmente vertical com os pais.

Recuo um instante antes de continuar. Sei que basta dizer essas palavras prévias para que o texto provoque aversão, para que alguns me situem como um rival num debate acalorado. Muitas coisas temos perdido neste país regido pelo constante disparate, e entre elas a capacidade de discutir questões importantes com serenidade, com atenção aos argumentos contrários, sem o impulso de encapsular o outro numa posição que julgamos detestável. O debate sobre o retorno ou não das escolas tem se dado com alarmismo e irritação generalizada, impossibilitando o aprofundamento, turvando a precisão do olhar.

Mas continuo, porque é preciso continuar, porque é preciso romper os silêncios que impomos a nós mesmos por temor à incompreensão. Não é obscurantismo, não é uma forma de negacionismo afirmar que as crianças menores de dez anos são menos suscetíveis ao novo coronavírus. Pesquisas do mundo inteiro têm demonstrado esse dado: que as crianças se contagiam menos e com menor gravidade, que também infectam menos, e que, portanto, para a nossa surpresa, não são tão vulneráveis, e nem os terríveis agentes de contágio que supúnhamos que fossem. Os argumentos não são meus, claro: tomo-os de revistas científicas, de pesquisadores de Harvard, da Academia Americana de Pediatria, entre outras instâncias autorizadas.

E, no entanto, mesmo que aos poucos a ciência vá chegando a essa percepção, continua a haver forte pressão para que as escolas permaneçam fechadas pelo tempo máximo. Até que se realize a impossibilidade de não haver vírus nenhum a nos ameaçar, até que se cumpra a tão incerta promessa da vacina que a todos libertará. "Não custa nada esperar", "pelas dúvidas é melhor não abrir", dizem os cautelosos, cheios de boa intenção. Parecem se esquecer que assim se perpetra indefinidamente a "catástrofe geracional que pode desperdiçar um potencial humano incalculável" - nas palavras do secretário-geral da ONU.

O duro impacto dessa privação geral que impomos aos nossos filhos já dá evidentes sinais. A pandemia tem sido responsável por desapontamentos seriais, por um ciclo interminável de ilusões e desenganos, de esperanças e decepções. Se os adultos já estão abatidos e desnorteados, o que pensar das crianças, com sua vaga compreensão do tempo, com sua impossibilidade de assimilar a fundo a razão dos impedimentos? O resultado, reportam psicanalistas, é uma longa enumeração de quadros sintomáticos, marcados pela ansiedade, pela irritabilidade, pela depressão. Apela-se como nunca à televisão, a qualquer ficção que distraia a criança de sua clausura, que a afaste de sua tristeza - extrapolando a presença do que é alheio ao seu mundo particular, alienando a criança de sua própria intimidade.

O cenário dramático que descrevo se manifesta desigualmente em cada casa, mas encontra suas formas de se mostrar presente. Desde o início, me surpreendeu a leveza com que minha filha de três anos encarava a falta da escola, sua pouca vocação ao lamento. Também não me pareceu uma fase de pouco desenvolvimento, ao menos em seu vocabulário, seu pensamento. Mês a mês, porém, na eloquência que ela foi adquirindo, passaram a despontar referências frequentes a seu próprio cansaço, sua frustração, sua tristeza - e também a um precoce medo da morte, que nos exige a cada noite as mais delicadas conversas. E nas poucas circunstâncias em que pudemos, agora, interagir com pessoas menos próximas, o que vi foi a radical atrofia de suas habilidades sociais, a timidez a tomar seu corpo de uma maneira que quase lhe dói.

Não se trata, assim, de uma preocupação meramente curricular. A função da escola vai muito além do ensino ou da transmissão de informação, algo alcançável para alguns em instâncias virtuais. A escola é sobretudo o seu espaço, um microcosmo onde relações vivas e complexas se constroem. A escola, diz Winnicott, tem a função de oferecer por algumas horas "uma atmosfera emocional menos densamente carregada que a do lar", efetuando uma espécie de "higiene mental". É também "a primeira experiência da criança como participante de um grupo de iguais", ele segue. Françoise Dolto complementa o pensamento com termos que dialogam bem com o presente: "Uma criança tem necessidade de outras crianças para vacinar-se contra a agressividade da vida em comunidade, e para estruturar-se."

É quase uma insensatez me pôr a defender escolas, que deveriam ser vastamente estimadas pela sociedade - embora não sejam. É uma insensatez porque as defendo contra aqueles que mais as prezam, pais inseguros, professores ressabiados. Se esses divergem, ao menos concordarão que a educação deve ser encarada como um direito essencial, e que assim, numa situação adversa, não pode ser a última das prioridades. É escandaloso reabrir shoppings, bares, parques, e manter fechadas as escolas. Se julgamos a educação essencial, temos que equipará-la a outras atividades urgentes, e exigir o financiamento das adaptações necessárias, e demandar que professores e funcionários sejam tratados com o cuidado máximo.

Não digo que deveria ser imediata a volta das escolas, não me caberia dizer algo assim - nem sei se me cabe escrever este texto tão distinto dos meus habituais. Mas penso que é preciso voltar no exato dia em que se julgar minimamente viável, sem a ilusão de uma segurança total, do risco zero que nunca existe em nenhuma comunidade escolar. Só assim, com máxima urgência, estaremos ouvindo de fato essas vozes agudas que insistimos em silenciar, as vozes das crianças que falam com mais precisão e mais justiça do que costumamos acreditar. "É um escândalo para um adulto que o ser humano em estado infantil seja seu igual", diz Dolto. É hora de aceitarmos que as crianças são os nossos iguais, e que devem ser respeitadas em seus direitos inalienáveis.