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Soluções contra Covid-19 põem brasileiros nos finalistas de prêmio da NASA

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, de Curitiba (PR)

08/08/2020 04h00

Quando o estudante de engenharia Yu Yi Wang Xia, de 16 anos, soube que estava entre as finalistas globais de uma competição da NASA, a agência espacial americana, o sentimento foi de surpresa. "Não imaginávamos isso", conta o jovem, que ainda está no segundo ano do Instituto de Engenharia Militar (IME), do Rio de Janeiro. Ele e os colegas integram uma das seis equipes brasileiras que estão concorrendo a uma premiação internacional por proporem soluções para problemas provocados pelo coronavírus. Esses participantes, a maioria estudantes, destacaram-se entre mais de 2.084 propostas submetidas ao NASA Space Apps COVID-19 Challenge. A competição reuniu, no final de maio, mais de 15 mil pessoas de 150 países. Todo o desafio ocorreu em meio 100% digital.

Os participantes tiveram apenas 48 horas para criar times, desenvolver o protótipo de uma ideia e entregar o projeto, em inglês. Como regra, todos os projetos deveriam demonstrar a integração do uso de dados da NASA e de outras duas agências espaciais - a Agência de Exploração Aeroespacial do Japão (JAXA) e Agência Espacial Europeia (ESA). Essas organizações abriram suas bases de dados colhidos em missões e pesquisas, a fim de auxiliar os participantes durante a competição.

Das 40 soluções finalistas, 12 foram apresentadas por equipes de países da América Latina e Caribe, sendo seis do Brasil, dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Os projetos foram inseridos em 12 categorias que abordam diferentes desafios gerados pela Covid-19, como encontrar maneiras inovadoras de apresentar informações integradas e em tempo real sobre os fatores ambientais que afetam a disseminação da doença, e desenvolver formas de combater o isolamento social em meio ao distanciamento físico.

O trabalho da equipe do IME apresentou a Fight the Pandemic, ferramenta capaz de fazer uma predição sobre casos de coronavírus a partir da análise de imagens de satélite fornecidas por bancos de dados da NASA, rotas de transporte aéreo e informações do Sistema Único de Saúde (SUS). Foram usados recursos como a linguagem de programação python e softwares de sistemas de informação geográfica. O grupo, formado ainda por Gabrielle Rangel, Mayara Ribeiro Mendonça, Vinícius de Freitas Lima Moraes e Vinícius Takiya, tratou os dados obtidos e desenvolveu um modelo que pode ser considerado uma variação do SIR (Suscetíveis, Infectados e Recuperados, na sigla em inglês), usado em estudos epidemiológicos. "Vimos que isso era possível pelo mapeamento de pontos de luz. Há uma correlação com essas informações e dados populacionais. As áreas com maior incidência de luz são as áreas com mais casos de coronavírus", comenta Wang Xia. O maior desafio foi o desenvolvimento do código para a ferramenta.

O grupo estava ansioso pelo resultado da competição, divulgado na quinta (6) — nenhum dos brasileiros finalistas levou o prêmio. A expectativa é seguir com o projeto mesmo assim. Com a solução proposta, seria possível, conforme o estudante, tomar medidas para achatar a curva de casos de coronavírus. "A aplicação da nossa proposta não é impossível, é um modelo que se estende facilmente e pode ajudar em outros tipos de pandemia. Ganhar o prêmio facilitaria bastante porque nos daria visibilidade e possibilitaria apresentar nosso 'pitch' a profissionais com conhecimento técnico na área", diz Wang Xia.

A NASA premiou trabalhos de acordo com as categorias de Melhor Uso de Dados, Melhor Uso de Hardware, Mais Inspirador, Melhor Conceito de Missão, Melhor Uso da Ciência e Impacto Galáctico - a solução com maior potencial para melhorar a vida na Terra e no universo.

Plataforma para aumentar chances de sucesso

Uma das organizadoras do NASA Space Apps COVID-19 Challenge Brazil, Marcela Lachowski avalia que as propostas que passaram para a fase final do desafio respondem a critérios que, de acordo com a agência espacial americana, indicam maior chance para implementação. "Historicamente, a agência também apóia os projetos quando se interessa por eles. As propostas já passaram por uma grande peneira que observa a viabilidade econômica. Todos têm grande potencial para serem trazidos à realidade", comenta.
Ela argumenta que um fator que pode ter contribuído para a posição dos brasileiros no hackathon foi uma plataforma criada pelos líderes locais da iniciativa em 12 cidades e que esteve à disposição das equipes participantes com tradução, mentores, webinários e instruções. A iniciativa teve como objetivo justamente aumentar o nível de sucesso e o acesso dos brasileiros a essa oportunidade global. Das seis equipes brasileiras que chegaram à final global, cinco trabalharam dentro da plataforma durante o hackathon. Ao todo, foram 7 mil pessoas envolvidas na iniciativa, em 707 cidades, entre participantes, mentores e voluntários, o que resultou em 368 projetos entregues.

Premiações a nível local também foram distribuídas, a partir de uma avaliação composta por jurados das organizações envolvidas na criação da plataforma, a Space Labs. Os participantes melhor avaliados puderam contar com bolsas de mentoria e incubação. A plataforma teve como organizadoras a Jupter, Founder Institute e Panic Lobster.

Ambiente fechado e seguro

Outra equipe finalista que se entusiasmou em levar o projeto adiante, independente dos resultados da competição, é a criadora do protótipo de um purificador de ar chamado Lightning. O produto, que poderia ser fixado na parede ou ser usado em superfícies planas, com suporte, foi projetado para purificar o ar de ambientes maiores e fechados, como salas de aula. Seriam necessários cerca de 40 minutos para filtrar 1 metro cúbico de ar.

A ideia foi inspirada em soluções já existentes da NASA para filtrar o ar para astronautas no espaço, relata a estudante Júlia Benteo Martins, 20 anos, do curso de Engenharia Mecânica da Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR). De Curitiba, ela e os colegas Esther Rodrigues Santos, Sophia Roennfeldt, Júlio Jorge Abdala e Márcio Henrique Giacomello se debruçaram em pesquisas e acabaram encontrando informações sobre como a radiação UVC poderia ser empregada no projeto. Seria essa luz que atuaria como germicida nos microorganismos que passassem pelo filtro de ar. O ar capturado seguiria por um caminho helicoidal em torno da luz UVC, até passar por um filtro de carvão ativado que reteria partículas maiores de impureza. A luz UVC já é usada na desinfecção do ar em metrôs de Nova York.

"É uma solução relativamente simples, mas que poderia resolver um problema grande. Agora, estamos tentando articular pesquisas de interesse entre as pessoas. Talvez, haja interesse para o comércio, escolas", observa Júlia, ao pontuar que, para tornar a ideia aplicável em larga escala, seria preciso investir em produção e testes. A equipe estima que o produto final, com injeção do plástico para a parte exterior, luz UVC, carvão ativado e parte elétrica, poderia chegar ao consumidor medindo 32 cm de largura e 50 cm de altura, a um custo de R$ 150.

Robô para socializar

A robótica não ficou de fora das propostas finalistas do desafio da NASA. Uma equipe de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, composta em sua maioria por alunos do ensino médio do Colégio Marista Pio XII, desenvolveu o protótipo de um robô que pudesse fazer uma ponte para a comunicação entre pacientes internados por Covid-19 e seus familiares. A proposta buscou responder ao desafio do isolamento social imposto pelo coronavírus, especialmente para pessoas em tratamento.

O grupo se apoiou em pesquisas da NASA sobre os efeitos do isolamento social junto à saúde mental de astronautas e em como a terapia vibracional pode ser benéfica a eles. O Ping, como o protótipo foi batizado, além de vídeochamadas, faria diversas interações com o usuário. De um lado, familiares ou amigos poderiam fazer uma chamada a partir de um aplicativo. De outro, o paciente internado poderia acompanhar, pela interface do robô, estímulos enviados. "O robô poderia responder, por exemplo, levantar um dos braços, mostrar um coração pulsando, fazer interações pré-programadas", explica Gabriel Silveira, de 16 anos.

Ele e os colegas Caroline Suwa, Daniele Suwa, Aline Zarpellon, Gustavo Bays e Matheus Heitor Timm Chanan acreditam que a ideia poderia ser aplicada tanto em hospitais quanto em lares para idosos. Para isso, no entanto, seria preciso investir em programação e se adequar às normas de qualidade e segurança para a área. "Talvez continuemos com a ideia, ainda não sabemos como vai ser. De uma forma geral, foi muito desafiador, uma experiência muito boa", define o jovem.

Segurança alimentar via app

Projeto Plant & Share, finalista de premiação da Nasa - Divulgação - Divulgação
Projeto Plant & Share, finalista de premiação da Nasa
Imagem: Divulgação

Outro desafio apresentado aos participantes foi o impacto da Covid-19 no suprimento de alimentos durante a pandemia. A equipe liderada pela professora Cássia Ugaya, 50 anos, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), entrou com quase um dia em desvantagem na competição, mas conseguiu ficar entre os finalistas globais com um projeto voltado ao plantio do próprio alimento, o Plant and Share.

A ideia veio das pesquisas e práticas da professora, que tem uma horta em casa. A proposta consiste em um aplicativo que faz uso de informações da NASA relacionadas a clima, radiação e geolocalização para indicar culturas e técnicas de plantio, conforme a demanda dos usuários em relação a localidades e estações do ano. "Um exemplo de uso seria uma pessoa que está em Curitiba e quer plantar no fim de julho para colher em agosto. O aplicativo mostraria o que poderia ser plantado, como cuidar e informações nutricionais", assinala Cássia, ao acrescentar que, ao mesmo tempo, haveria a possibilidade de usar a mesma ferramenta para fazer uma ligação entre doadores de recursos e organizações que atendem comunidades que precisam de alimentos. Isso possibilitaria atender pessoas sem acesso à internet e auxiliaria na segurança alimentar durante períodos de crise.

"Ficamos muito felizes de estar entre os 40 finalistas. Isso nos abriu muitas portas. O melhor de tudo é que percebemos que podemos contribuir com a sociedade", salienta a professora. Ela e a equipe, composta ainda pelos estudantes Adrison Carvalho de Loreto, Julianna Crippa, José Paulo Savioli, Gabriele Sturm e Larissa Ugaya Mazza, querem seguir com a ideia. Conforme Cássia, ainda é preciso aprofundamento em relação a códigos e dados a serem coletados. "Muitos passos ainda precisam ser seguidos, queremos desenvolver algo global. Mas estamos bem empolgados para que isso se torne útil para as pessoas", sustenta.

Arte na NASA

Os brasileiros ainda se destacaram em uma categoria do desafio envolvendo arte. Em "Arte e Tudo", os participantes deveriam apresentar soluções para expressar, por meio de uma obra de arte, a experiência histórica da pandemia.

Duas equipes ficaram entre as finalistas globais. A Mono Space, formada por jovens de Curitiba e Americana, no interior paulista, criou o protótipo de um jogo em que os participantes pudessem lidar com questões de ansiedade, tristeza e desconforto pela perda da rotina na pandemia. "Fizemos uma pesquisa com o máximo de pessoas que conseguimos, de diversos nichos, e percebemos que a perda de hábitos e a ansiedade era algo comum entre elas. Assim, pensamos em desenvolver algo reconfortante, que não fosse pesado", explica o estudante de Engenharia Mecânica Benjamin Andrade Ferreira Oliveira, de 24 anos, também da UTFPR.

O grupo fez uma conexão dessa situação com o que ocorre com astronautas durante missões. No jogo "I will help you", paralelos entre o isolamento no espaço e a realidade na Terra foram destacados, permitindo que os jogadores pudessem demonstrar seus sentimentos por meio de cartas enviadas. O jogo ainda avisaria o usuário sobre a necessidade de ações como tomar banho, se alimentar corretamente ou beber água. "Ao final, temos a possibilidade de 'reconectar' a comunicação com esse 'amigo', ver como estávamos nos sentindo durante a quarentena e receber alertas que nos lembram sobre nossa vida real", observa Benjamin. Ele e os colegas Mateus Valaski, Alexandre Dieter Mussiat, Willian Francisco Eckstein e Francisco Henrique da Silva Fuzari de Souza estão animados para tornar o jogo real em breve. "O mais interessante é ver como as pessoas, na pandemia, estão percebendo o quanto a arte é importante e que, sim, é possível misturar arte e tecnologia", defende.

A estudante de Arquitetura e Urbanismo Samyra Di Fonzo, 22 anos, da Universidade de São Paulo (USP), também enxergou na arte um caminho para criar uma ferramenta que ajudasse as pessoas a atravessar a pandemia. Desenvolveu com sua equipe (Larissa Fava dos Santos, Ga Eun Kim, Vitor Schultz Assef e Thales Camargo Mansur) o HQuarantine, uma série de histórias em quadrinhos com uma perspectiva de esperança, empatia e informações sobre autocuidado. A produção conta com o mínimo possível de expressões verbais, tem músicas autorais e foi toda desenhada à mão pelos integrantes do grupo. A divulgação das histórias será feita semanalmente em vídeos pelo YouTube.

"Lemos sobre os sintomas de isolamento social causados nos astronautas e que podem ser transpostos ao contexto atual. Depoimentos mostram como o uso de formas de arte no isolamento é essencial para manter a saúde mental, o que afeta inclusive a saúde física", pontua Samyra. Ela analisa que, vencendo o desafio global, a equipe conquistaria maior estrutura e suporte tecnológico, mas que uma negativa não impedirá o grupo de seguir com a ideia. "A gente pretende continuar fazendo isso até porque depois da pandemia nada será como antes, e a sociedade, inclusive, terá que lidar com os pós-traumas do que aconteceu, das perdas irreparáveis que tivemos".