Topo

Fiat Linea LX melhora argumentação, mas sedã segue ignorado

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

03/05/2010 14h00

Há casos em que excesso de expectativa atrapalha e, como na história que vamos contar agora, empaca o desempenho. Em setembro de 2008, a Fiat lançou o sedã Linea com preços, equipamentos e propaganda (que escalava até Michael Schumacher, heptacampeão da Fórmula 1 e então funcionário da Ferrari e, consequentemente, do grupo Fiat) para retornar ao segmento dos médios e brigar forte com os líderes Honda Civic, Toyota Corolla e Chevrolet Vectra. O carro, no entanto, nunca decolou.

  • Murilo Góes/UOL

    Linea LX é configuração básica do sedã: as rodas da foto, por exemplo, são opcionais

Na prática, público e crítica notaram que o sedã tinha qualidades, mas pertencia a um patamar inferior, o dos compactos premium -- e UOL Carros apontou esta discrepância de espaço interno (mais apertado que o dos rivais visados) e acabamento (com falhas individuais, embora o conjunto fosse bom) em duas oportunidades: durante o lançamento, há um ano e meio, e com a avaliação da versão com motor turbo (T-Jet), já em 2009. 

Em sua linha 2010, lançada em maio do ano passado, o Linea passou por um choque de realidade: o preço geral foi reduzido e a Fiat passou a entregá-lo também numa versão mais barata, a LX, menos potente, menos equipada e mais... "pé no chão". Os compradores, no entanto, não se empolgaram: no primeiro trimestre deste ano, 3.063 unidades do Linea foram vendidas. Só para comparar, o Corolla (que tornou-se líder entre os médios no último ano) vendeu 12.731 unidades no mesmo período, o Civic emplacou 8.467, e o Vectra, 5.143. A conta segue ruim mesmo alinhando o modelo aos compactos premium: o líder é o Honda City, com 7.351 unidades, seguido de Volkswagen Polo, com 3.630.

DOIS LADOS DA VERSÃO

  • Murilo Góes/UOL

    Motor da versão LX , com 127 cv, é mais fraco que o das outras versões aspiradas do Linea, com seus 132 cv (com etanol); ainda assim, mantém esmero com bela capa plástica...

  • Murilo Góes/UOL

    ... Ao passo que coifa do câmbio insistiu em se soltar, sobretudo no engate da ré.

Atrás do Linea, só modelos com algum "porém" na lista de especificações: o coreano Kia Cerato (2.727 unidades) não é flex; Citroën C4 Pallas (2.521 unidades), montado na argentina, é flex, mas já saiu do auge; e o também argentino Ford Focus (1.739 unidades) aderiu ao motor flex com muito atraso.

No configurador virtual da Fiat, o Linea LX com câmbio manual de cinco marchas e três anos de garantia custa R$ 57.450. O preço, válido para São Paulo (SP), inclui airbag frontal duplo, ar-condicionado, computador de bordo (com seis medições e duas contagens), direção assistida, CD Player com MP3 e faróis de neblina, mas troca rodas de liga leve por rodas de aço com calotas, o revestimento parcial de couro por tecido, e corta o ABS dos freios e alguns cavalos do motor 1.9 16V, que passa a ter 127 cv de potência máxima com gasolina/etanol no tanque (o que permite vendê-lo para deficientes físicos com isenção do IOF), contra 130/132 cv das outras versões aspiradas. O torque máximo do Linea LX segue o mesmo, com 18,6 kgfm.

IMPRESSÕES
UOL Carros testou a versão LX manual durante a última semana e voltou a sentir o misto de expectativa alta e tropeços inesperados que acabam justificando o desempenho de mercado apenas regular do Linea. A primeira surpresa foi o "excesso" de itens encontrados na unidade testada, recheada com todos os opcionais disponíveis: rodas de liga leve aro 15 (R$ 1.207),  freios com ABS (R$ 767), couro para os bancos (R$ 2.070) e o sistema integrado de entretenimento, telefonia Bluetooth e navegação por GPS com reconhecimento de voz (o Blue&Me Nav custa R$ 2.249, mas inclui o volante multifuncional revestido de couro). Com eles, o modelo fica R$ 7 mil mais caro  e vai a R$ 64.672, mas ganha em atratividade por ficar tão equipado quanto e bem mais em conta que a versão Absolute (R$ 69.030), a mais cara da linha aspirada. 

A configuração, no entanto, nos parece irreal (do ponto de vista prático) por suscitar a pergunta: Quem compraria a versão mais barata de um carro para equipá-la com todos os opcionais? A resposta fica mais complicada para o Linea ao considerarmos que a configuração intermediária do rival Honda City, no caso a EX manual, é mais barata (R$ 64.200) e entrega piloto automático, controle digital para o ar, repetidores de seta nos retrovisores e rodas aro 16, ainda que não converse com o motorista.

Outra derrapada foi apontada pelo fotógrafo Murilo Góes, autor das fotos que ilustram este texto e do álbum que acompanha a avaliação: o Linea LX parece lento em acelerações e retomadas, mesmo quando comparado a outras versões do Linea. A explicação pode estar na alteração que derrubou alguns cavalos de potência desta versão, embora torque, relação de marchas e do diferencial tenham sido mantidas. O fato tem desdobramentos problemáticos: o motorista realiza trocas mais constantes de marchas, que sempre saem truncadas por causa da imprecisão dos engates, sobretudo para quarta e quinta marchas; e força o trabalho do motor em rotações mais elevadas, o que aumenta o nível de ruído percebido na cabine e o consumo de combustível.

  • Murilo Góes/UOL

    Painel de mostradores do Linea teve leitura melhorada; no canto superior direito, destaque da tela do computador de bordo com Blue&Me Nav acionado: sistema interativo é um dos melhores do país e chega a conversar com o usuário, mas, como dissemos em 2009, GPS segue uma boa ideia que precisa ser aperfeiçoada

Após 403 quilômetros percorridos, anotamos um consumo de 4,5 km/l (com etanol), enquanto o computador de bordo apontou a média de 4,9 km/l. No restante do teste dinâmico, o Linea teve boa performance em frenagens e ausência de grandes oscilações no contorno de curvas em velocidades altas ou baixas, algo exemplar para sedãs. 

O excesso de ruído interno, porém, apenas atesta a ambivalência também do quesito acabamento. Todo o revestimento parece ter melhorado, pelo menos aonde a vista alcança, em relação às unidades dirigidas (e criticadas) durante o lançamento. Alguns detalhes, aliás, demonstram esmero na apresentação até mesmo de partes escondidas, como a forração interna do porta-malas que se estende até a porta onde o nome Fiat aparece em alto-relevo, ou na bela capa do motor coberto que traz o nome Linea e o escudo da fabricante. Ainda assim, no carro testado, a coifa do câmbio insistia em se soltar do encaixe, sobretudo ao engatarmos a ré. 

No final, fica clara a divisão de vendas do modelo, que separa o menor quinhão para a versão  mais barata -- 25% para a versão LX (manual e Dualogic agrupadas), 40% para a HLX (também manual e automatizada juntas), 30% para a Absolute (só Dualogic) e 5% para a T-Jet. E também a reação desfavorável do mercado. Afinal, mesmo que o Linea saiba falar com seu público, parece que ainda sente falta de algo relevante para dizer.